Sem presidente, Haiti cria ‘conselho’ em busca de eleições
Sem representantes eleitos atualmente, país que não vai às urnas desde 2016 vê novo grupo ser instalado com missão de organizar votação ainda este ano. Chances de sucesso são consideradas baixas
O primeiro-ministro haitiano Ariel Henry nomeou, na segunda-feira (6), os integrantes do chamado Alto Conselho de Transição (HCT, na sigla em francês) com a missão de tentar viabilizar a realização de eleições no país ainda em 2023 – promessa que Henry repete desde que tomou posse após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho de 2021. Um processo eleitoral não ocorre desde 2016 na combalida nação caribenha. Apesar da instalação do HCT, porém, observadores apontam ser improvável que o grupo, composto por apenas três membros, consiga promover alguma mudança concreta no curto prazo de que dispõe: até 7 de fevereiro de 2024, dia que o premiê prometeu entregar o cargo, implicando na realização de eleições e na posse dos escolhidos em um intervalo de apenas 366 dias a contar do início dos trabalhos do Conselho.
O HCT foi saudado por Henry como “o início do fim da disfunção de nossas instituições democráticas”, embora ele próprio tenha deixado margem, nas entrelinhas, para uma eventual prorrogação dos trabalhos, afirmando que “a complexidade da situação não favorece a realização de eleições imediatas” e que “não seria aceitável para o Estado pedir que os políticos façam campanha se não conseguirmos garantir sua segurança”. Os integrantes do Conselho representam simbolicamente três setores do Haiti: o político (com a advogada Mirlande Manigat, presidenciável em 2010 e ex-primeira dama de um presidente meteórico eleito e derrubado em 1988), empresarial (com Laurent Saint-Cyr, presidente da Câmara de Comércio do país) e civil (com o pastor Calixte Fleuridor, da Federação Protestante). Juntos, eles carregam a expectativa de trabalhar com o atual governo para reformar a Constituição, consolidar o sistema Judiciário de modo a reduzir a violência, implementar reformas econômicas e, principalmente, organizar uma comissão eleitoral provisória capaz de promover as tais eleições ainda em 2023 ou nos primeiros dias de 2024.
Uma missão que muitos veem, no entanto, como grande demais para um grupo que já foi excluído da primeira visita de primeiro escalão recebida pelo país após sua instalação: na quarta-feira (8), o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, iniciou uma viagem de dois dias ao Haiti e não cumpriu agenda com o HCT. O timing da nomeação do conselho de transição “oficial” também incomodou a oposição – foi apenas uma semana após a renúncia do ex-senador Steven Benoît como “primeiro-ministro paralelo” em outro conselho de transição, este nomeado pelo chamado Acordo de Montana, que nunca conseguiu realizar qualquer avanço prático. O Montana, cujo nome deve-se ao hotel de Porto Príncipe onde as reuniões de fundação foram realizadas, é um grupo formado por setores contrários a Ariel Henry em busca de uma saída para a crise. Para críticos, a nomeação do HCT logo após a mais nova baixa no Montana seria um ato oportunista para esvaziar de vez o único coletivo de oposição que conseguiu algum impacto, ainda que pequeno, desde a morte de Moïse – este o estopim do vazio de poder atual.
Sem um governo plenamente funcional há três anos, quando o Legislativo deixou de operar após o fim do mandato da imensa maioria de seus integrantes (todos os deputados e dois terços dos senadores), o Haiti começou 2023 com a marca simbólica de ter ficado sem qualquer representante eleito. O marco obscuro veio, em janeiro, após o término do mandato dos últimos 10 senadores remanescentes, que cumpriram o restante de seu período legislativo mesmo sem quórum para votar nada desde 2020. A atual crise institucional nasce de conflitos ainda anteriores, que levaram a sucessivos cancelamentos de eleições: os protestos contra a alta dos combustíveis em 2018, após o estouro do escândalo Petrocaribe e o fim da venda de petróleo subsidiado por parte da Venezuela. Na época, os protestos de cunho econômico também se converteram quase imediatamente em uma nova leva de questionamentos à legitimidade do então presidente Jovenel Moïse, que havia assumido no ano anterior após a realização de eleições repetidas: em um primeiro pleito, em 2015, ele havia passado ao segundo turno sob acusações de fraude, e o processo foi anulado.
O contestado governo Moïse acabaria avançando praticamente sem qualquer dia de paz. A continuidade dos protestos impediu a realização de eleições legislativas em 2019 e, com o fim dos mandatos na virada daquele ano, o presidente virou um autocrata, governando por decreto. Depois, sempre com manifestações constantes exigindo sua renúncia, Moïse tentou impulsionar uma reforma constitucional (que nunca foi adiante, mas segue em pauta), enquanto enfrentava tentativas de destituição que alegavam que seu mandato já havia sido concluído (e que ele qualificou de “golpe”). Por fim, num desfecho digno do tamanho da crise, acabou assassinado em julho de 2021. Sempre com margem para novos problemas, os dias após o magnicídio viram por si só um cabo de guerra pela herança do poder, que recairia sobre o primeiro-ministro de Moïse – convenientemente, Ariel Henry havia sido nomeado para o cargo na antevéspera do crime, e acabou assumindo com apoio internacional. Desde então, várias linhas de investigação apontam que o próprio Henry poderia estar envolvido na morte do presidente, mas foram invariavelmente obstruídas por omissão ou interferência ativa do atual premiê.
É nesse caldo de crises sucessivas, iniciadas quando o país mal se recuperava do terremoto que deixou mais de 200 mil mortos em 2010 e sequer via o final da última intervenção estrangeira em seu território, a catastrófica Minustah, que chega o comitê de transição nesta semana. Ariel Henry ainda aguarda a resposta da comunidade internacional aos seus pedidos por uma nova missão militar capitaneada por potências estrangeiras enquanto segue sem encontrar solução para o colapso geral de um país que vive novo surto de cólera e vê vastas áreas já fora do controle do Estado, dominadas pela violência de gangues armadas – algumas delas inclusive rejeitando a pecha de organizações criminosas e divulgando pretensões abertamente revolucionárias. Na sexta (10), Volker Türk concluiu sua passagem pelo país e quebrou o silêncio, endossando os pedidos do premiê: “é hora da comunidade internacional ajudar as autoridades haitianas a retomar o controle para acabar com esse sofrimento”, disse o comissário da ONU. Há algumas semanas, a mesma entidade havia reiterado a necessidade de elevar a resposta à crise haitiana a uma fase armada. Também na sexta, a Organização dos Estados Americanos (OEA) passou uma resolução endossando seu apoio ao processo transicional e também sinalizando o 7 de fevereiro de 2024 como data-alvo para uma conclusão.
Correndo contra o tempo e com a atribuição de reconstruir boa parte da vida institucional haitiana praticamente do zero, o novo conselho de transição abre seus trabalhos sem que ninguém (talvez nem o próprio Henry) aposte em seu sucesso sem auxílio externo. Tudo enquanto crescem as expectativas e as tensões em torno de uma nova intervenção internacional para viabilizar a agenda em tão pouco tempo. Um desfecho que tampouco coloca o Haiti numa rota de paz, já que as memórias sombrias da Minustah deixam um enorme ponto de interrogação sobre as possíveis consequências a longo prazo nesse quebra-cabeça de crises sem fim.
Já estamos em fevereiro, 2023 começou oficialmente e você ainda não apoia o GIRO. Tá esperando o quê?
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🌎 Gripe aviária começa a matar mamíferos na região – Alerta ligado em todo o continente diante do surto de gripe aviária que afeta um número crescente de países (e espécies): na terça (7), autoridades ambientais do Peru relataram que pelo menos 550 lobos-marinhos e 55 mil aves selvagens morreram em decorrência do vírus, revelando o impacto ambiental que a doença pode causar no bioma latino. Entre as espécies, estão animais que já são considerados ameaçados de extinção. Na mesma semana, um zoológico da cidade peruana de Huancayo também confirmou a morte de um leão que havia sido contaminado pela gripe. Até os últimos dias de janeiro, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) havia confirmado em relatório que já chegava a 10 o número de países americanos (incluindo Canadá e os EUA) afetados pelo surto. Nos últimos dias, porém, países como Cuba e a Bolívia confirmaram seus primeiros casos – as infecções detectadas em território boliviano levaram autoridades sanitárias do Brasil a intensificar o controle na fronteira, temendo os efeitos no mercado local, receio que se alastra pelo Hemisfério.
🇪🇨 Governo sofre revés em referendo – Quando o presidente Guillermo Lasso, acossado por altos índices de violência e problemas com o Congresso, resolveu lançar em setembro passado um referendo constitucional apresentar aos equatorianos oito perguntas sobre segurança, meio ambiente e ordem institucional, não imaginava que poderia sair mais enfraquecido do que já estava (ainda que governistas digam o contrário). Mas foi o que aconteceu: frustrando as expectativas do governo, nenhum dos oito questionamentos obteve aprovação majoritária, fazendo do “não” (ou seja, do rechaço às emendas propostas por Lasso) o grande vencedor do processo eleitoral de domingo (5). “O que ocorreu foi um chamado do povo ao governo e não vamos fugir dessa responsabilidade”, disse o presidente, reconhecendo a derrota. Na lista, destaque para a polêmica gerada pela pergunta sobre extradição de pessoas envolvidas em crimes transnacionais: o tema gerou um debate recheado de desinformação, visto que muitos entenderam o dispositivo como uma medida que poderia ser usada contra o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), atualmente asilado na Bélgica. As más notícias para Lasso se estenderam a alguns cargos eletivos nas esferas municipal e distrital, que também foram escolhidos no último final de semana: as duas principais cidades do país, a capital Quito e Guayaquil, por exemplo, agora estão nas mãos da oposição. A jornada eleitoral também teve um caso trágico: Omar Menéndez, eleito prefeito na cidade de Puerto López, não pôde celebrar a própria vitória – ele foi assassinado horas antes de abrirem as urnas. No Opera Mundi.
🇳🇮 Nicarágua liberta, expulsa e tira a cidadania de 222 opositores presos – Reviravolta inesperada no país envolvendo mais de 220 presos políticos, enviados na quinta (9) aos EUA em um voo fretado, na calada da noite. Considerado “unilateral” pelo governo dos EUA, o plano do presidente Daniel Ortega é claro: livrar-se de algozes do governo, muitos deles presos há vários anos e, ao mesmo tempo, evitar maior pressão internacional pela denunciada situação de abusos aos direitos humanos no país. Por meio da vice-presidenta Rosario Murillo, o governo em Manágua também negou qualquer tipo de negociação com Washington, dizendo que “[os presos] estão voltando para um país que os usou para semear terror, morte e destruição na Nicarágua”. Muitos dos enviados para território estadunidense, incluindo todos os candidatos à eleição presos durante a corrida eleitoral de 2021 (obviamente vencida sem sustos pelo próprio Ortega), são acusados – sem o devido processo – de conspirar contra o governo com ajuda estrangeira. Os enviados também tiveram suas condições de cidadania retiradas por serem considerados “traidores da pátria”. A decisão é supostamente inconstitucional, mas conta com o amparo de uma nova reforma, aprovada a toque de caixa em um Congresso dominado por governistas. Na sexta (10) e diante de incertezas sobre como os EUA acolheriam os expulsos, o governo espanhol sinalizou abertura para conceder cidadania aos nicaraguenses expatriados. No Confidencial.
🇨🇱 Incêndios florestais fazem Chile buscar ajuda com vizinhos – Pelo menos 24 pessoas morreram e centenas ficaram feridas após a região sul do país ser consumida por incêndios florestais descontrolados, alimentados por uma onda de calor de 40 °C e fortes ventos. O extremo sul do país também padece da pior seca em 50 anos. Até o fechamento deste GIRO, cerca de 100 mil hectares e 2 mil casas haviam sido destruídos pelas chamas. Autoridades também anunciaram no domingo (5) a prisão de 10 pessoas supostamente envolvidas com o início dos incêndios. Diante da crise, o governo de Gabriel Boric colocou as regiões de Araucanía, Biobío e Ñuble – as mais afetadas e onde se concentram as vítimas – sob estado de catástrofe, direcionando equipes de resgate para diversos pontos dessas zonas e determinando toques de recolher nos últimos dias. Países de dentro e fora da América Latina se dispuseram a ajudar os chilenos. Aliados de Boric, os presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, López Obrador, do México, e o brasileiro Lula enviaram efetivos militares e suprimentos e deixaram palavras de solidariedade. O Chile sofreu com incêndios igualmente devastadores (mas bem menos mortíferos) pela última vez em 2017. Na BBC.
🇺🇾 Cai comando da polícia uruguaia – O caso Alejandro Astesiano (o ex-chefe da segurança presidencial envolvido em uma miríade de acusações que você pode entender em parte clicando aqui) provocou novas reviravoltas no país: na quarta (8), o governo Lacalle Pou trocou o comando da Polícia Nacional, cujos membros do alto escalão estavam implicados em chats comprometedores com Astesiano. Caíram o diretor Diego Fernández e o subdiretor executivo da corporação, Jorge Berriel, baixas que se somam à do ex-subdiretor Héctor Ferreira, que já havia renunciado por conta própria no final de 2022. A queda do alto comando policial responde a pressões da oposição e é a maior crise do tipo desde o início do mandato de Lacalle Pou, há quase três anos, mas foi vendida pelo governo como fruto de um “desgaste natural” e uma busca por “um novo estilo de comando”, mas “sem relação com outros assuntos”. No Ámbito.
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MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
A Série do Caribe, maior competição de beisebol entre os países da região que têm o esporte entre suas paixões principais, conheceu seu campeão de 2023 nesta sexta-feira (10): em um torneio que voltou a ser celebrado na Venezuela após nove anos, os donos da casa acabaram com o vice. Na grande final, o país-sede (representado pelos Leones del Caracas – na Série do Caribe, cada nação costuma ser encarnada por seu último campeão) acabou superado por 3 a 0 pela República Dominicana, conformada pela equipe dos Tigres del Licey. Tanto para o país quanto para a franquia, foi a ampliação do recorde de títulos: o 22º para os dominicanos no geral (o país também venceu três das últimas quatro edições) e o 11º para os Tigres, nos dois casos os maiores campeões caribenhos em suas categorias. Foi a maior edição da história da Série do Caribe, com oito representantes: além dos finalistas, também apareceram na disputa equipes de Colômbia (com os Vaqueros de Montería), Cuba (Agricultores de Granma-Las Tunas), Curaçao (que fez sua estreia na competição com os WildCats KJ74), México (Cañeros de Los Mochis), Panamá (Federales de Chiriquí) e Porto Rico (Indios de Mayagüez).
ARGENTINA 🇦🇷
Que os países sul-americanos querem trazer a Copa do Mundo de 2030 para cá, não é exatamente novidade. Mas o presidente Alberto Fernández trouxe mais elementos à campanha na terça (7), data que também marcou a submissão oficial da candidatura conjunta entre a atual campeã Argentina ao lado de Chile, Paraguai e Uruguai: pelas redes sociais, o mandatário sugeriu que a Bolívia — “um país irmão” – seja integrada à chapa “para ser parte desse sonho”. Não é certo que a mudança vá acontecer, nem que o Mundial realmente volte a ser realizado nesta parte do globo daqui a sete anos, mas a ideia de um torneio de volta ao subcontinente ganha corpo. O principal argumento continua sendo a celebração do centenário das Copas no mesmo local onde a competição começou a ser disputada, já que a edição inaugural de 1930 foi jogada no Uruguai. No mesmo dia, representantes dos quatro países envolvidos na possível sede se reuniram com o presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), Alejandro Domínguez, em clima de otimismo na corrida pela Copa. Os sul-americanos (com ou sem a pretendente Bolívia) disputam a hospedagem da competição com o Marrocos e com outra candidatura múltipla que tem Portugal, Espanha e Ucrânia. No GE
Até então era meme, mas não é mais: a ex-ministra da Economia e atual presidenta do Banco de la Nación, Silvina Batakis, disse na terça (7) que o governo já estuda a emissão de uma nota de 10 mil pesos, que poderia até estampar nas cédulas o rosto de… Lionel Messi, capitão do tri no Catar. Nada ainda está confirmado, mas as falas de Batakis mostram que mudanças envolvendo o valor das cédulas vieram para ficar: as declarações chegam menos de uma semana após o Banco Central anunciar que notas de 2 mil pesos seriam introduzidas ainda este ano. Tudo acontece em função de uma inflação de quase 100% em 2022, a maior em três décadas. “Não se pode esconder a inflação atrás de uma cédula, então entendo que é algo que está sendo discutido dentro do Poder Executivo junto ao Banco Central”, disse Batakis. Não há um prazo para emissões de novas cédulas. No Diario Núcleo.
BOLÍVIA 🇧🇴
“Não há suficientes provas de que [Jeanine] Áñez tenha sido presidenta do Estado Plurinacional”, apontou o senador boliviano Luis Adolfo Flores, presidente da Comissão Mista de Justiça do Congresso da Bolívia, na terça-feira (7). A conclusão é referente a três pedidos de acusação formulados pelo Ministério Público contra Áñez. De acordo com o senador, o MP não anexou evidências de que a ex-presidenta interina tenha assumido o cargo formalmente e endereçou a questão ao Tribunal Supremo de Justiça. Mesmo presa e condenada a 10 anos de prisão justamente pelo golpe que destituiu Evo Morales em 2019, a conta oficial da ex-mandatária interina não ficou sem resposta: “Se eu não fui presidente, vocês são parlamentares inconstitucionais e o presidente Luis Arce também”, argumentou a página de Áñez no Twitter, em referência ao fato de que as eleições de 2020 – das quais Arce saiu vencedor – foram convocadas por ela. O perfil de Áñez ainda colocou como registro uma foto dela no dia da posse, ao lado de Eva Copa, então senadora e atual prefeita de El Alto, que chegou a ser aliada de Evo Morales. Em La Razón.
COLÔMBIA 🇨🇴
Um “processo fundamental para a consolidação da paz na Colômbia e de grande importância, por consequência, para a região e para o mundo”, diz um comunicado do ministério de Relações Exteriores do Brasil publicado na terça (7), confirmando a participação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nas negociações de paz entre o Estado colombiano e o Exército de Libertação Nacional (ELN), última guerrilha oficialmente mobilizada no país. A aguardada tratativa que se desenrola entre as duas partes tem como garantidores atuantes os governos latinos de Cuba e Venezuela, além da Noruega, que ao longo da história costuma desempenhar papel de neutralidade diplomática nesses casos (as atuais discussões entre governo e oposição na Venezuela, por exemplo, também acontecem sob o auspício de Oslo). Brasília já atuava junto ao processo em anos anteriores, antes de um atentado cometido pelo ELN em 2019 suspender conversas à época. Via ANSA.
COSTA RICA 🇨🇷
Figuras constantes no noticiário dos últimos dias, os misteriosos balões chineses circulando pelos céus das Américas geraram um pedido formal de desculpas à Costa Rica, que também viu um deles sobrevoando seu território. Na segunda (6), o governo em San José confirmou que os chineses haviam pedido perdão “pelo incidente”, com Pequim reafirmando o que já havia dito aos EUA (que derrubaram um balão semelhante sob suspeita de espionagem): que o artefato teria apenas foco em pesquisa científica e meteorológica, tendo sido desviado acidentalmente em seu caminho originalmente previsto. Via Reuters.
E caiu. Muito pressionada pelo escândalo de que teria supostamente financiado a operação de um perfil troll para atacar opositores e críticos do governo na internet, a ministra da Saúde Joselyn Chacón finalmente entregou seu cargo na terça (7). O presidente Rodrigo Chaves lamentou a baixa, falou sobre a dificuldade de encontrar alguém com a mesma “valentia e compromisso” de Chacón, e chegou a dizer que ela foi uma espécie de “Joana d’Arc” de sua gestão. Opinião obviamente não compartilhada pela oposição, que celebrou a renúncia. “É uma boa notícia para a saúde pública, a institucionalidade e a liberdade de imprensa”, disse o deputado Antonio Ortega, da Frente Ampla. “[Chacón] foi uma indicação terrível em um ministério vital”, resumiu Kattia Rivera, líder do Partido Liberação Nacional. Em La República.
CUBA 🇨🇺
Tentando intermediar a crise que levou centenas de pessoas à prisão após os protestos de 2021, o Vaticano disse na quarta (8) que espera do governo em Havana uma possível anistia geral concedida aos detidos. As falas vieram do enviado do papa Francisco, o cardeal Benjamín Stella, que está na capital cubana desde janeiro para uma série de encontros com autoridades da ilha. Para Stella, no entanto, ainda que o perdão aos manifestantes esteja “sobre a mesa”, a decisão final não depende apenas da Igreja Católica. Durante um evento que também marcou o aniversário de 25 anos da viagem de João Paulo II a Cuba, o emissário da Santa Sé cobrou diálogo entre os algozes Havana e Washington. Via AP.
EL SALVADOR 🇸🇻
“Risco de violência e superlotação” são alguns dos elementos que elevam as preocupações da Human Rights Watch (HRW) a respeito da nova megaprisão inaugurada no início do mês pelo presidente Nayib Bukele. Segundo o representante da ONG no país, Miguel Montenegro, o empreendimento entregue em fevereiro é uma “vergonha para o país” e deve comportar muito mais detentos do que os 40 mil anunciados no lançamento do projeto – sobretudo se considerado que mais de 60 mil prisões foram feitas desde o início de declarada “guerra às gangues”, no primeiro semestre do ano passado. A penitenciária dos sonhos do presidente, segundo a HRW, deve apenas engrossar a lista de abusos cometidos durante o período: como já explicado por este GIRO, o governo acumula denúncias de execuções extrajudiciais, entre outros vários abusos cujos números foram revelados recentemente pela própria entidade. Mais detalhes na reportagem feita no sábado (4) por uma equipe da AFP que passou uma noite na nova prisão.
GUATEMALA 🇬🇹
Pena de morte. A meses das eleições presidenciais de junho, o assunto volta a ecoar no país. Historicamente violento e com boa aceitação a medidas de tolerância zero contra o crime – como é o caso no também centro-americano El Salvador, onde o presidente navega em popularidade por reprimir gangues – a Guatemala costuma trazer o debate à tona sempre que votações se avizinham. Quem trouxe o tema à luz da opinião pública mais uma vez foi o presidente Alejandro Giammattei, que no final de janeiro voltou a pedir a reinstalação da punição (atualmente abolida na Justiça civil, mas ainda contemplada na Constituição para crimes militares em tempos de guerra), dizendo que “não faria oposição” caso criminosos fossem condenados à pena de execução. Além do calendário eleitoral, o recente assassinato de uma menor reacendeu o clamor por maior truculência contra criminosos, levando governistas a apresentar um projeto de lei para reativar essa polêmica legislação. Juristas, a oposição e pactos dos quais o país é signatário, porém, dizem que devolver a Guatemala a esse contexto é improvável. Na DW.
HONDURAS 🇭🇳
Em busca de minimizar os efeitos da carestia, governo, entidades privadas e sindicatos chegaram a um acordo para anunciar, na quarta (8), um aumento de 9,8% no salário mínimo do país. Apesar do incremento acima do previsto originalmente, na prática, o reajuste não deve ser percebido por grande parte dos trabalhadores formais: o valor corresponde exatamente ao índice oficial da inflação registrado em 2022, sem qualquer ganho real. Além disso, economistas apontam que não é suficiente para compensar as perdas em relação à inflação dos alimentos, principal gasto da parcela mais humilde da população, e que tiveram um aumento médio de 16% ao longo do último ano. Na Tribuna.
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MÉXICO 🇲🇽
Três suspeitos, incluindo um médico considerado o principal responsável, foram presos na terça (7) no estado de Durango, acusados de provocar um surto de meningite que contagiou 79 pessoas e matou pelo menos 35 delas. Segundo as investigações, um anestesista identificado como Omar N. trabalhou nos quatro hospitais onde casos foram registrados, e teria utilizado frascos próprios do anestésico bupivacaína – todos eles contaminados com o fungo Fusarium solani, causador da doença. A lista de detidos inclui também o ex-diretor da Comissão para Proteção Contra Riscos Sanitários do Estado de Durango (Coprised), Joaquín Antonio Gardeazabal Niebla, e outra funcionária da Coprised, identificada como Guadalupe N. Ambos responderão por “exercício indevido do serviço público”, além de uma acusação mais pesada de homicídio, que também recai sobre Omar. O caso se baseia principalmente em uma série de negligências dos envolvidos, com destaque para o uso de medicamentos vindos de fora dos hospitais e sem qualquer fiscalização sobre as condições de conservação ou a licença sanitária para manejá-los. Das 35 vítimas, 34 eram mães jovens, já que o anestésico contaminado havia sido utilizado principalmente durante sessões de cesárea. Em El País.
Tristemente habituado a lidar com seus próprios terremotos, o México exportou seu know-how canino para auxiliar nos resgates às vítimas do violento sismo que atingiu Turquia e Síria no início da semana. Ao todo, 16 cães farejadores mexicanos foram enviados na terça (7) para contribuir com autoridades turcas, além de 150 profissionais humanos especializados em busca e resgate urbano. Até o fechamento desta edição, o número de vítimas do terremoto já havia superado a marca de 24 mil nos dois países abalados pelo tremor, mas continuavam as buscas por desaparecidos ainda com vida entre os escombros. Na CNN.
PANAMÁ 🇵🇦
O governo anunciou, na quarta (8), a criação de duas novas zonas francas no país, voltadas a empresas de tecnologia e dados digitais. A ideia, segundo o comunicado oficial, é que as companhias se valham de uma posição privilegiada frente a novos cabos submarinos que estão sendo instalados no país, o que “facilitará a atração de provedores de conteúdos”. Ao todo, o governo prevê a instalação de 740 empresas e a criação de quase 5 mil empregos, entre vagas diretas e indiretas. No cargo desde 2019, o presidente Laurentino Cortizo vem utilizando as zonas francas (atualmente, existem 12 no país) entre suas principais bandeiras econômicas, e cita que as exportações oriundas dessas áreas pularam de US$ 78 milhões em 2018 para US$ 143 milhões em 2022. Via EFE.
PARAGUAI 🇵🇾
O presidente Mario Abdo Benítez viaja para Taiwan na próxima semana, em um novo esforço para estreitar as relações entre os dois países, a pouco mais de dois meses das eleições de 30/4 – que, em caso de vitória da oposição encabeçada por Efraín Alegre, podem modificar a postura paraguaia em relação a esse laço diplomático herdado da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). Hoje, o Paraguai é um de apenas 14 países do mundo – e o único da América do Sul – a manter relações com Taiwan, reconhecendo-a como a “China” legítima, sem papo com Pequim. Há anos, porém, produtores de carne e soja do país vêm pressionando por uma revisão dessa postura, em busca do mercado imensamente maior representado pela China comunista – o candidato governista e favorito, Santiago Peña, já indiciou que manteria o status quo. “Taiwan e Paraguai mantêm relações diplomáticas há mais de 65 anos e uma profunda amizade”, enfatizou a chancelaria taiwanesa, no comunicado divulgado nesta quinta (9) confirmando que “Marito” passará pela ilha entre os dias 14 e 18. Via Reuters.
PERU 🇵🇪
Semanas após testemunhar protestos que terminariam com novas mortes no contexto da crise política do país, a região de Arequipa viveu uma nova tragédia: desde o último domingo (5), a zona ao sul vem sofrendo com deslizamentos de terra que, até o fechamento desta edição, cobraram a vida de pelo menos 40 pessoas – ainda que números sigam divergentes. Os acidentes foram causados pela incidência de fortes chuvas, contra as quais as casas frágeis, muitas vezes construídas em encostas e barrancos, oferecem pouca resistência. O distrito Nicolás Valcárcel, na província de Camaná, oeste de Arequipa, é considerado o epicentro da crise. Autoridades locais dizem que o número total de pessoas afetadas pelos temporais, considerando mortes, ferimentos e danos materiais, passa de 12 mil. Grupos de resgate foram mobilizados para atuar na localidade. No Perú21.
Há um mês na quinta-feira (9), moradores de Juliaca, Puno, acompanhavam as cenas mais brutais da atual crise nacional: em um único dia, 18 pessoas morreram, em sua maioria vítimas da repressão policial que se tornou marca da resposta do governo às jornadas contra a presidenta Dina Boluarte – ao todo, os mortos no contexto das manifestações já passam de 50. O episódio mórbido se tornou um símbolo para manifestantes, que nos últimos dias marcharam em homenagem às vítimas de janeiro. Novos protestos aconteceram também, mas não somente, onde houve o massacre há um mês: civis ainda prestaram homenagens aos mortos nas regiões de Ayacucho, Ucayali e Arequipa, com cartazes e novos coros pedindo a renúncia do atual governo. Nada mais simbólico, porém, que relatos de uma nova resposta truculenta da polícia em Juliaca na madrugada de sexta (10), com pelo menos 20 feridos. Na RPP.
PORTO RICO 🇵🇷
O governador Pedro Pierluisi passou parte da semana em Washington, em um novo passo do lobby pela aprovação do projeto 8393, que prevê a realização de um plebiscito vinculante sobre o status de Porto Rico. Ao Congresso dos EUA, na quinta (9), Pierluisi pediu que os legisladores estadunidenses respeitem os resultados de votações anteriores e permitam que o povo porto-riquenho consiga realizar o desejo de “virar um estado da nação”. Em 2020, como já ocorreu em outros momentos, os eleitores de Porto Rico foram convidados a decidir sobre a situação política do território que hoje é oficialmente um “estado livre associado” aos EUA, e 52% manifestaram interesse em se converter no 51º integrante da União. Aquela consulta, porém, não tinha caráter vinculante, e uma entrada formal no país ao norte só ocorre com o consentimento de Washington. O projeto 8393, já aprovado na Câmara, busca mudar isso, mas encontra entraves em um Senado com forte resistência republicana. Caso a lei fosse aprovada ainda este ano, a ideia era que o plebiscito saísse em 5/11. Via EFE.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Pouco a pouco, um governo cada vez mais preocupado com a crise no vizinho Haiti e as repercussões imigratórias em seu próprio território vem abrindo caminho para diferentes formas de obter armamento: depois de realizar compras militares inéditas para o Estado, a gestão do presidente Luis Abinader autorizou nesta terça (7) a importação de armas e munições por parte de empresas dominicanas de segurança privada. A princípio, a medida vale por seis meses e somente para equipamentos de uso civil. A nova regra contraria uma proibição que já durava 17 anos, e responde a uma leitura do governo de que o antigo veto estaria impulsionando o tráfico de armas, vindas do próprio Haiti e dos EUA. No Listín Diario.
VENEZUELA 🇻🇪
Lá como cá, ainda que com sentidos políticos bem diferentes, manter uma base de apoio junto à população evangélica parece ser fundamental para garantir a sustentação do governo. Desde o início de fevereiro, Nicolás Maduro vem implementando no país o programa “Minha Igreja Bem Equipada”, que busca intensificar os esforços de remodelação e renovação em templos e casas de culto alinhados ao chavismo – historicamente às turras com a Igreja Católica e setores pentecostais mais tradicionais. Embora apenas 17% da população venezuelana se considere ligada a alguma vertente evangélica, segundo os números oficiais mais recentes, essa parcela vem crescendo continuamente nos últimos anos, em paralelo aos piores dias da crise econômica e humanitária vivida pelo país. Opositores criticam a ausência da separação entre Igreja e Estado e o privilégio dado a grupos religiosos específicos, que podem ser decisivos nas próximas eleições presidenciais, previstas para 2024. Em El País.
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