Áñez é condenada a 10 anos por golpe de 2019
Ex-presidenta interina estava em prisão preventiva desde março do ano passado. Condenação diz respeito a apenas um dos dois processos que correm contra ela pelo golpe e os massacres subsequentes
A ex-presidenta interina da Bolívia, Janine Áñez, foi condenada na noite desta sexta-feira (10) a uma pena de 10 anos de prisão por seu envolvimento no golpe de Estado que a colocou no poder, em novembro de 2019. A decisão judicial de primeira instância ocorre no marco do caso conhecido como “Golpe de Estado II”, no qual Áñez era acusada por descumprimento de deveres e por resoluções contrárias à Constituição do país, ao longo do processo que apartou toda a linha sucessória do presidente Evo Morales (2006-2019) e alçou a então obscura segunda vice-presidenta do Senado ao centro do poder boliviano.
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Na ocasião, além da renúncia forçada de Evo, também acabaram deixando seus postos o vice-presidente e os líderes da Câmara de Deputados e do Senado. A Procuradoria-Geral da Bolívia entende que, em meio ao vazio de poder, uma sessão legislativa extraordinária deveria ter sido convocada para eleger as novas direções das casas. Em vez disso, Áñez valeu-se do posto que ocupava para, em uma reunião sem quórum, proclamar-se a governanta máxima do país. Também houve entendimento de que ela teria coordenado a tomada do poder com as Forças Armadas – em uma cena simbólica, ela chegou a receber a faixa presidencial das mãos de um militar. Os procuradores queriam inclusive uma pena maior, e durante a semana chegaram a pedir uma condenação de 15 anos contra a interina.
Áñez estava em prisão preventiva desde março de 2021 – quando, foragida, acabou capturada tentando se esconder dentro de uma cama box, em uma cena que correu o mundo – e ainda enfrenta outro processo, o “Golpe de Estado I”. Neste, ela encara acusações de terrorismo, sedição e conspiração em prol de atos violentos na sequência da queda de Evo Morales: é sob esse outro processo que ela ainda poderá ser condenada por supostamente ordenar os massacres de Sacaba e Senkata, quando apoiadores do governo derrubado se manifestavam contra o golpe e foram vitimados pela repressão, deixando um saldo de 35 mortos.
No ano passado, o ex-ministro de Governo de Jeanine Áñez (2019-2020), Arturo Murillo, foi preso em Miami acusado de suborno e lavagem de dinheiro, segundo o Departamento de Justiça dos EUA. Além dele, foram detidos seu ex-chefe de gabinete, Sergio Méndez, e um grupo de três empresários estadunidenses, todos acusados de articular um esquema de propina na importação de gás lacrimogêneo enquanto Murillo estava no posto que coordena a polícia. Segundo as investigações, o ministro – que ocupou um dos cargos de poder mais altos após a destituição de Evo Morales – teria embolsado cerca de US$ 600 mil para favorecer as empresas contratadas pelo governo interino.
O golpe de Estado de 2019 ocorreu poucas semanas após Evo Morales disputar as eleições presidenciais em busca de uma polêmica quarta reeleição (possibilidade que havia sido derrotada em referendo, mas fora reaberta pela Suprema Corte do país). Vitorioso em primeiro turno pelos resultados divulgados à época, Evo enfrentou denúncias – endossadas na ocasião pela OEA, mas posteriormente jamais comprovadas – de que teria fraudado o processo, iniciando uma sequência de protestos de oposição e motins das forças de segurança que culminaram com sua renúncia forçada e a posterior autoproclamação de Áñez.
Um ano depois, novas eleições acabariam com outra vitória da esquerda e a eleição de Luis Arce, ex-ministro do governo Morales, que acabou fazendo mais votos do que o próprio Evo em 2019 – áudios vazados no final do ano passado também jogaram luz sobre uma suposta trama frustrada da direita para impedir que Arce assumisse e até assassiná-lo. A volta do Movimento ao Socialismo (MAS) ao poder agilizou o processo contra os artífices do golpe e levou à detenção de diversos nomes da linha de frente, incluindo a agora condenada Jeanine Áñez. Desde o início, a ex-interina se diz uma “prisioneira política” e afirma ter seus direitos violados, e chegou a fazer greve de fome na prisão.