Haiti: Presidente denuncia “golpe” após juízes do Supremo exigirem renúncia
Equador: eleição parelha terá recontagem | Colômbia legalizará imigrantes venezuelanos | El Salvador: presidente também se diz alvo de trama golpista | Guatemala quer pena de morte
“Houve um atentado contra minha vida”. Em situações normais, o anúncio levaria a um alarde mundial, despertando atenção para a suposta ameaça de golpe de Estado denunciada pelo presidente haitiano Jovenel Moïse, no último domingo (7). Mas não se trata de uma situação convencional, e sim de um país que, nos últimos 35 anos, viveu 20 governos diferentes, na sequência de décadas de ditadura militar e ingerência estrangeira.
A denúncia de Moïse levou à prisão de pelo menos 23 pessoas que estariam planejando não só a deposição do governo, como também o assassinato do presidente. Entre os detidos, todos membros de movimentos de oposição, estão a inspetora-geral da Polícia Nacional, Marie Louise Gauthier, e o juiz da Corte de Cassação, máxima instância do Judiciário, Yvickel Dabrézil. Apontado como principal nome para substituir Möise interinamente para depois virar candidato, o magistrado foi liberado 24 horas depois; segundo autoridades, Dabrézil já tinha até um discurso de posse redigido.
A liberação do suposto mentor do movimento golpista, no entanto, sequer vira a página desse capítulo de instabilidade. Os pedidos pela renúncia do presidente se tornaram um movimento nacional, contando com o apoio de todos os partidos de oposição, além de intelectuais, juristas e líderes religiosos. Em comum, esses setores alegam que o mandato de Jovenel Moïse teria se encerrado no último domingo (7), mesmo dia em que o governo desbaratou os supostos golpistas.
A semente da crise atual começou em 2015: naquele ano, o então presidente Michel Martelly (2011-2016) indicou a candidatura do apadrinhado Moïse para as eleições presidenciais. O pleito, que acabou com vitória do indicado, no entanto, foi suspenso por diversas denúncias de fraude. Para evitar nova crise institucional, a presidência passou a ser ocupada interinamente por um ano pelo então presidente do Senado, Evans Paul.
A manobra só tapou o sol com a peneira. Apesar das irregularidades do processo eleitoral de 2015, Jovenel Möise finalmente tomou posse em fevereiro de 2017 – para um mandato de cinco anos que, segundo o líder, terminaria somente em 2022. Já para a oposição, o tempo do mandatário no poder se encerrou no último dia 7, entendendo que o quinquênio se iniciou a partir da saída de Martelly do poder, um ano antes do juramento de Moïse.
A jornada do presidente haitiano de sua contestada posse até as denúncias de golpe foi marcada por instabilidade. Além de ser acusado de envolvimento em esquemas bilionários de corrupção, enfrenta a fúria das ruas e o rechaço da oposição por concentrar o poder: em 2020, se valendo da mesma Carta Magna que hoje determina o fim do seu mandato, o presidente dissolveu o Parlamento, sem sequer convocar novas eleições legislativas. Desde então, vem governando por decreto, em uma escalada autoritária que também envolve repressão a manifestações. Moïse também trabalha para reformular a Constituição, propondo um texto que concentra ainda mais poderes na Presidência e permitiria concorrer a um segundo mandato consecutivo (leia mais no GIRO #67 e na seção do país desta edição).
Os últimos dias foram o ápice da pressão. Além de protestos cada vez mais violentos pela renúncia, a oposição definiu o caminho para a sucessão: o juiz Joseph Mécène Jean-Louis, 72, também membro da Alta Corte, aceitou comandar um governo de transição de dois anos. A posse de membros do judiciário na chefia do Executivo não seria novidade no Haiti. Como contamos no 2º episódio da série Presidentas, a juíza Ertha Pascal-Trouillot ocupou o cargo por alguns meses em 1990, após uma série de golpes e renúncias. Em meio ao clima de expectativa pela queda de Möise, o governo tenta afastar os magistrados que articulam sua saída, em uma briga de gato e rato que não tem data para acabar.
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Un sonido:
ARGENTINA 🇦🇷
O país que lançou o movimento #NiUnaMenos mais uma vez se choca diante de um brutal crime de gênero: a jovem Úrsula Bahillo, 18, foi morta a facadas pelo parceiro na última segunda (8), após suportar violência física e psicológica por sete meses e fazer 18 denúncias. “Que mulher vai denunciar agora?” Com cartazes e homenagens, centenas de pessoas pediram não só a prisão do assassino, o policial Matías Ezequiel Martínez, mas também cobraram providências reais para conter a multiplicação dos casos de feminicídio. Nos últimos dez anos, 48 mulheres foram assassinadas por companheiros ou ex-companheiros policiais. Em El País.
Una palabra:
Curul – cadeira semicircular com pés de marfim usada pelos magistrados na Roma Antiga. Na América Latina, a palavra se refere às vagas ocupadas por parlamentares e outros membros do alto escalão da administração pública. Também pode ser chamada de escaño.
COLÔMBIA 🇨🇴
Principal destino dos migrantes venezuelanos que fogem da crise, o país decidiu, de forma inesperada, iniciar um amplo processo de regularização temporária dos milhares de cidadãos que cruzam as fronteiras, que deve permitir a permanência por até 10 anos. A criação de um estatuto foi anunciada pelo presidente Iván Duque, acompanhado pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados, Filippo Grandi. Especialistas apontam que a medida tem vários objetivos: além de ser uma espécie de reparação histórica – em outros tempos, por passar anos em conflito civil, a Colômbia viu seus próprios cidadãos migrarem em busca de uma vida melhor na Venezuela – a decisão endossa o discurso colombiano contra o governo em Caracas. Na BBC.
EL SALVADOR 🇸🇻
A oposição salvadorenha tentou uma manobra audaciosa na terça-feira (9), indicando que poderia abrir um processo constitucional pela remoção do presidente Nayib Bukele, utilizando um dispositivo que permite o afastamento do mandatário se ele for julgado “mentalmente incapaz”. Controlada pela oposição, a Assembleia Legislativa teria votos suficientes para seguir adiante com o que o governo acusou ser uma tentativa de golpe. Mas, um dia depois, o presidente do Parlamento, Mario Ponce, desconversou e disse não ver futuro na iniciativa, qualificada por ele de “ato de propaganda”. Além de vir a menos de três semanas das eleições municipais e legislativas do próximo dia 28, a tentativa de derrubar Bukele ocorreu justamente no primeiro aniversário do episódio em que o presidente tomou a Assembleia com militares para forçar uma votação. Via AP.
Un clic:
EQUADOR 🇪🇨
Foi apertado e haverá recontagem: as eleições presidenciais equatorianas, celebradas no último domingo (7), tiveram grandes ganhos para a esquerda e o movimento indígena, e por muito pouco não viram a direita ficar de fora do 2º turno. Confirmando as expectativas, Andrés Arauz, ex-ministro do governo Rafael Correa (2007-2017) e apadrinhado pelo antigo mandatário, passou em primeiro lugar, com mais de 32% dos votos. Mas a disputa pela segunda vaga na nova rodada de votações exigiu acompanhamento voto a voto: até cerca de 95% da apuração, o líder indígena Yaku Pérez, que concorre pelo partido Pachakutik, da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), manteve a vantagem sobre o conservador Guillermo Lasso, até finalmente ser superado por poucos milhares de votos. Pérez, que se identifica como um ecossocialista, representa também interesses de uma esquerda contrária ao correísmo encabeçado por Arauz, o que gera incerteza sobre para onde irão seus votos caso a recontagem confirme que ficou de fora do 2º turno marcado para 11/4. Na corrida legislativa, a coalizão correísta e a Conaie ampliaram suas bancadas, saltando, respectivamente, de 29 para 49 curules, e de cinco para 27, de um total de 137 vagas na Assembleia unicameral do Equador. Em El Comercio.
Un nombre:
Yaku – o termo quéchua para “água”, também encontrado em expressões compostas como yaku kawsay (“a água é vida”) ou yaku mama (“mãe água”), foi o nome adotado pelo candidato presidencial do Equador que concorreu pelo partido da Confederação das Nacionalidades Indígenas e quase chegou ao segundo turno. Nascido Carlos Ranulfo Pérez, o líder mudou seu nome no registro civil em 2017 para Yaku Sacha Pérez, significando “água do monte”. A iniciativa buscou conscientizar os descendentes indígenas pela “descolonização” dos nomes próprios, e também foi uma homenagem de Pérez às causas pelas quais luta – ele é um histórico militante contra a mineração em áreas de rios.
GUATEMALA 🇬🇹
O presidente Alejandro Giammattei pediu, na quinta (10), que o Congresso comece a “pensar” em retomar a pena de morte no país, após o assassinato da menina Sharon Figueroa, de 8 anos, cujo corpo foi encontrado no início da semana, um dia após seu desaparecimento. Embora a Constituição guatemalteca preveja a pena de morte, uma interpretação da Suprema Corte em 2017 passou a entender que não há delito capaz de levar a essa punição. As últimas execuções na Guatemala ocorreram em 2000, mas Giammattei avisa: “se há necessidade da pena de morte, que o façam”. Na DW.