Equador: protestos seguem com mortes e sem diálogo
Colômbia: Petro vence e leva a esquerda à Presidência pela 1ª vez | Chile: inteligência militar estaria boicotando Boric | Panamá: presidente Cortizo revela que está doença rara
O protesto que tomou conta do Equador durante o mês de junho já atingiu uma marca simbólica: iniciado no último dia 13 e em vigor pelo menos até o fechamento desta edição (24), a nova jornada de manifestações convocadas por grupos indígenas contra o governo do presidente Guillermo Lasso (entenda no GIRO da semana passada) já se alongou por 12 dias, superando os 11 de 2019 – ainda vivo na memória dos equatorianos, o turbilhão social daquele ano foi considerado um dos maiores terremotos sócio-políticos do século 21 e ficou perto de derrubar o governo da época, que chegou a ser transferido provisoriamente da capital Quito para Guayaquil. Em décadas anteriores, mobilizações da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e do partido Pachakutik ajudaram a derrubar presidentes. É por isso que Lasso teme ser o alvo da vez.
São inevitáveis as semelhanças entre o paro nacional de agora e os eventos do passado: assim como em outras oportunidades, a nova rodada de rechaços ao poder público levou o governo a decretar estado de exceção nas províncias afetadas pelas mobilizações. Os grupos indígenas estabeleceram 10 demandas para acabar com os protestos. Entre elas, a redução dos preços dos combustíveis, a suspensão da ampliação de atividades petrolíferas e minerárias, políticas de controles de preços e freio nas privatizações de serviços públicos. O líder da Conaie, Leónidas Iza, foi preso temporariamente e solto após a pressão dos manifestantes. Até o fechamento desta edição, já há pelo menos cinco mortes registradas e outras cinco pessoas desaparecidas, segundo um monitoramento diário feito pela Aliança de Organizações para os Direitos Humanos (AODH). A mesma entidade reporta 166 pessoas feridas, 108 detidas e um total de 64 casos de direitos violados até aqui – número, no entanto, ainda abaixo dos 11 casos fatais e das mais de 1,3 mil pessoas feridas em 2019, de acordo com organizações como a Human Rights Watch e da Defensoria Pública do Equador.
Os confrontos com a polícia e a ação truculenta por parte do Estado têm levado organizações sociais que integram as passeatas a prestar homenagens às vítimas conhecidas. Na quarta (22), a vigília pediu justiça por Byron Guatatuca, manifestante indígena que teve a vida tirada após ser atingido à queima-roupa por um artefato explosivo da polícia na cidade de Puyo, província de Pastaza. Após a repercussão do caso, a Procuradoria-Geral decidiu abrir uma investigação oficial a respeito da morte de Guatatuca, ainda que – como há três anos – muitos desses episódios não tenham um desfecho na Justiça. O discurso oficial também não contribui para uma resposta menos violenta: além de ordenar que efetivos militares “complementem” as ações da polícia, o governo, por meio do ministro da Defesa, Luis Lara, segue acusando os manifestantes de “atacar a democracia” e insinuando – sem provas – que eles teriam ligações com cartéis de droga.
Na quinta (23), o presidente Lasso tentou acalmar os ânimos, ordenando que a polícia deixasse a Casa da Cultura Equatoriana (CCE). Desde o último domingo (19), efetivos da polícia haviam tomado o ponto no centro de Quito, transformando o museu em uma espécie de base para “cuidar da ordem pública ante ameaças de grupos sociais violentos”. Com a decisão da Presidência, os manifestantes ocuparam a CCE para o estabelecimento de uma “assembleia popular” no coração da cidade. Os indígenas disseram estar dispostos a sentar à mesa de negociação, desde que o governo dê fim ao estado de exceção.
Apesar dos tímidos acenos a um diálogo, o discurso do governo vem se tornando cada vez mais belicoso. Sempre ladeado por oficiais em farda militar, o ministro do Interior Patricio Carrillo vem dando pronunciamentos quase diários insinuando que os atos são criminosos e que estuda um “uso progressivo da força”. Na tarde desta sexta (24), Carrillo subiu o tom um pouco mais: “não estamos diante de manifestantes, estamos diante de um grupo de delinquentes”. Tentando inverter a narrativa, Lasso agora afirma que quem evita o diálogo são os próprios manifestantes, que estariam incorrendo em uma “irresponsabilidade”. “A intenção real do senhor Iza é a derrubada do governo”, afirmou Lasso também na sexta, dizendo que o líder da Conaie já não tem controle sobre o movimento que iniciou e “nunca quis resolver uma agenda em benefício dos povos e nacionalidades indígenas”. Para o presidente, a violência crescente seria provocada pelos protestos (não pelas forças de segurança), que agora estariam repletos de “criminosos infiltrados”.
Enquanto isso, o povo se mantém nas ruas, o estado de exceção em diversas províncias segue e os cabeças do paro nacional persistem na luta por suas demandas. As manifestações se estendem a grupos estudantis da capital, que cobram melhorias na educação enquanto enfrentam a truculência da polícia. Os problemas que ecoam nas ruas não são novidade no país. Hoje, porém, sobem ao palco envoltos pelos duros anos de crise da pandemia, pelo aumento da violência e pela alta nos preços dos combustíveis, que afeta grande parte da cadeia produtiva. A aposta de Lasso é arriscada: na queda de braço com os movimentos indígenas, os presidentes equatorianos costumam levar a pior.
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DESTAQUES
🇨🇴 Primeiro esquerdista eleito, Petro agora busca acordos para governar – Gustavo Petro e Francia Márquez fizeram história como a primeira chapa de esquerda a chegar à Presidência e Vice-Presidência da Colômbia. Passadas as comemorações, Petro usou a semana para colocar em marcha o que prometeu em seu discurso vencedor: um “grande acordo nacional”. O programa de governo prevê uma nova reforma tributária, mudanças no sistema de saúde dominado por entidades privadas, ensino público e gratuito, um novo regime previdenciário e a transição gradual para uma economia com menos dependência de petróleo, entre outras propostas. As ambições são altas, mas para cumpri-las é preciso de aliados: com as bancadas de centro, esquerda e indígenas que o apoiaram no 2º turno, ainda não há maioria no Congresso. Por isso, o presidente eleito voltou a negociar com o Partido Liberal do ex-presidente César Gaviria (1990-1994) – que, após rejeitar o apoio a Petro durante toda a campanha, agora dá um aceno favorável, desde que os liberais tenham participação no novo governo. Outros membros do “centrão” colombiano também devem embarcar. Por enquanto, o único nome confirmado para assumir uma pasta é a da própria vice, que vai chefiar o novo Ministério da Igualdade e da Mulher. Mais sobre os primeiros movimentos de Petro eleito na seção do país desta edição. Na Silla Vacía.
🇨🇱 Boric estaria sendo sabotado pela inteligência militar – Sabotagem militar ao governo de Gabriel Boric. Esta é a denúncia trazida pelo portal jornalístico Interferencia, que diz ter ouvido vários agentes ligados às forças de segurança do Chile. De acordo com a reportagem, desde dezembro, logo após a confirmação da vitória da esquerda no pleito presidencial, o general Luigi Lopresti teria começado a tramar um plano para manter o futuro governo às escuras – elaborar relatórios de inteligência incompletos, dificultando as decisões de Boric em questões estratégicas e de segurança nacional. Lopresti não é apenas mais um militar: é o chefe da Direção de Inteligência Policial dos Carabineros (Dipolcar), um dos principais órgãos investigativos do Chile, e havia sido um dos oficiais responsáveis por espionar os líderes estudantis dos protestos de 2011 – inclusive o próprio Gabriel Boric, que começou a ganhar ascendência nacional na época. A denúncia e os relatos em condição de anonimato, no Interferencia.
🇵🇦 Presidente panamenho anuncia que tem doença rara – Pelo Twitter, o presidente Laurentino Cortizo, 69, anunciou na segunda (20) que sofre de “síndrome mielodisplásica de risco médio”, doença que pode resultar em um câncer que ataca as células sanguíneas. O mandatário informou que recebeu o diagnóstico em exames de rotina no final do mês de maio; desde então, foi detectada diminuição de hemoglobina, o que preocupou os médicos, que anunciaram a existência da síndrome rara no dia 16/6 – “Nito” deve viajar aos EUA no início de julho para uma “avaliação especializada”. “Quero dizer que me sinto bem, de bom humor e que continuarei com meu trabalho regular”, disse, em recado à nação. Na Prensa Panamá.
🇸🇻 Cruzada contra gangues inclui até mortes sem registro – Mortos, sim, mas ninguém sabe exatamente como. Essa é a conclusão tirada após a morte de detentos presos pelo Estado salvadorenho na onda de prisões ordenadas pelo presidente Nayib Bukele. O presidente colocou o país sob um truculento regime de exceção de 90 dias – que foi outra vez prorrogado nesta semana – em resposta a um pico inesperado de homicídios (saiba mais no GIRO #127). Dentre as mais de 40 mil prisões feitas, número divulgado – e celebrado – pelo governo, a quantidade real de pessoas que vieram a óbito sob custódia é incerta; organizações de direitos humanos falam em 46 mortes. A imprecisão é fruto da falta de informação: segundo uma reportagem da agência EFE, nem mesmo o Instituto Médico Legal salvadorenho, subordinado à Corte Suprema de Justiça, tem a resposta. O mesmo silêncio em relação a registros de autópsias vale para o Ministério Público. Enquanto isso, Bukele segue dizendo que seu governo se aproxima da “vitória contra as gangues”, sugerindo que “apenas 1%” seja de pessoas presas de forma equivocada.
🇭🇳 Divulgada nova sentença no caso Berta Cáceres – Condenado no ano passado por ser o mentor do assassinato da indígena lenca e ativista ambiental hondurenha Berta Cáceres, Roberto David Castillo Mejía finalmente conheceu na segunda (20) sua sentença: 22 anos de prisão por comandar os bastidores do crime – pena, no entanto, abaixo da punição máxima esperada pela família de Cáceres, que classificou a decisão como “ultrajante” e prometeu buscar “penas mais severas”. Em 2016, a ativista foi morta por sicários treinados por liderar uma militância local contra a construção de uma barragem de uma multinacional; o projeto era apontado como prejudicial ao meio ambiente e à vida de comunidades originárias. Em dezembro de 2019, sete homens, esses autores materiais do crime, foram condenados pelo crime, todos com penas superiores à que foi lida pelo juiz no caso de Castillo Mejía. Via AP.
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REGIÃO 🌎
Crianças centro-americanas preferem seus países. É o que revela um novo estudo da organização britânica Save the Children, divulgado na quarta (22). A maioria dos 122 jovens entrevistados é nascida em Guatemala, El Salvador e Honduras, países afetados por problemas como violência, pobreza e crises climáticas – razões, no entanto, que não mudam o cenário para eles: “mais meninos e meninas querem ficar do que migrar”, diz a pesquisa. Victoria Ward, diretora regional para América Latina e Caribe da entidade, diz que os motivos principais pelos quais preferem ficar são “as raízes com a família e os laços com sua comunidade”. Via AFP.
Mas, para quem deseja emigrar, os EUA devem anunciar uma abertura extraordinária de 300 mil vistos de trabalho para pessoas saídas das nações latino-americanas no mês que vem. Segundo antecipou na quarta (22) o secretário de Governo do México, Adán Augusto López, seriam oferecidas 150 mil oportunidades para pessoas que estão naquele país (incluindo cidadãos não-mexicanos) e outros 150 mil vistos seriam distribuídos proporcionalmente entre os países da América Central. O anúncio oficial estaria marcado para a visita do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador a Washington, em julho. Via Reuters.
ARGENTINA 🇦🇷
A escassez de diesel, que atingiu a Argentina primeiro e vem servindo de alerta para os demais países da região, voltou a causar transtornos durante a semana: desde quarta-feira (22), bloqueios de estrada liderados por caminhoneiros são registrados em diferentes pontos do país – nos arredores da capital Buenos Aires, o engarrafamento chegou a sete quilômetros no primeiro dia. Segundo os transportistas, protestos semelhantes seguirão acontecendo até que o governo encontre uma solução. A falta de diesel já atinge 21 das 23 províncias argentinas, e estaria sendo agravada pelo controle de preços feito pela gestão de Alberto Fernández na tentativa de segurar uma inflação que se encaminha para fechar 2022 como a maior da região – como o preço não pode ser repassado ao consumidor final, a importação de combustível diminuiu, gerando uma falta ainda pior. Via Reuters.
Continuam as investigações, agora não só na Argentina, mas também no Paraguai, em torno do misterioso avião com tripulação venezuelana e iraniana que está retido no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, desde o dia 8 (relembre o intrincado caso e as várias suspeitas em torno da tripulação na última edição do GIRO). Uma das questões investigadas no momento é que a carga declarada poderia ser uma fachada, já que algumas pessoas encontradas no avião teriam envolvimento no tráfico de armas para grupos terroristas da Síria e do Líbano, segundo uma denúncia feita pela embaixada israelense no Uruguai. Nessa intriga internacional que vem envolvendo diferentes países sul-americanos e do Oriente Médio, outro avião iraniano gerou suspeita durante a semana, desta vez no Chile, levantada pelo ex-presidenciável de extrema direita José Antonio Kast – “não seria de estranhar que este avião traga algo mais que turistas. Na Argentina foi retido um avião e sua tripulação e são investigadas possíveis conexões com organizações terroristas”, insinuou o político.
Un hilo:
BOLÍVIA 🇧🇴
O ex-presidente boliviano Carlos Mesa (2003-2005) engrossou, no domingo (19), as fileiras de opositores que exigem a anulação da condenação de Jeanine Áñez, que governou o país interinamente entre 2019 e 2020. Mesa repetiu o argumento que vem sendo empregado pela oposição: o julgamento seria “ilegal” e uma mostra de uma Justiça “sem independência”. O político foi o principal adversário de Evo Morales no pleito de 2019, e seus questionamentos aos resultados – nos quais, pelos números divulgados à época, teria sido derrotado no primeiro turno – ajudaram a iniciar a escalada que culminou com o golpe de Estado, embora o próprio Mesa não tenha exercido qualquer função no governo Áñez. No último dia 10, a ex-interina foi condenada a 10 anos de prisão por tramar o golpe e agir contra a Constituição ao se autoproclamar comandante máxima da Bolívia. Via AFP.
CHILE 🇨🇱
Convocada pelas centrais sindicais, uma greve de trabalhadores na estatal chilena do cobre, a Codelco, gerou uma nova – mas, desta vez, rápida – dor de cabeça para o governo. Na quarta (22), a situação se tornou ainda mais delicada após mais de 45 mil colaboradores da companhia decidirem aderir à paralisação, que foi motivada pelo fechamento de uma das sedes da Codelco na baía de Quintero-Puchuncaví, um dos lugares mais contaminados do país pela exploração do minério. Essa localidade, que fica a 140 km da capital Santiago, ganhou o apelido de “Chernobyl chilena”, tão grandes são os índices de insalubridade – há poucos dias, para piorar, cerca de 150 pessoas apresentaram níveis altos de intoxicação, empurrão que faltava para que o presidente Gabriel Boric honrasse promessas de campanha e determinasse o fechamento definitivo do complexo industrial. Mas tudo foi revertido rapidamente: após a revolta dos trabalhadores, o governo recuou e prometeu uma “mesa de trabalho” para decidir sobre o futuro da planta que seria fechada, bem como de seus empregados – e a greve chegou ao fim já na quinta (23). Em El Mostrador.
Não deu certo: o Chile bem que tentou, mas não conseguiu extinguir definitivamente o posto de primeira-dama – Irina Karamanos, a companheira do presidente Gabriel Boric, disse desde a época da campanha ser contrária à existência do cargo, que, a rigor, é meramente simbólico. Na terça (21), a oposição finalmente se deu conta de um decreto datado de 30/3 que extinguiu o posto. O problema: sem boas ideias para renomear a função, o Gabinete da Primeira-Dama foi convertido simplesmente em Gabinete Irina Karamanos. Após uma chuva de críticas pela denominação “personalista”, o governo rapidamente corrigiu o que definiu como “erro administrativo” – agora, Karamanos ocupa a rebatizada “Coordenação Sociocultural da Presidência da República”. Na Biobío.
COLÔMBIA 🇨🇴
Dois dias se passaram até que, na terça (21), o governo brasileiro parabenizasse Gustavo Petro pela histórica vitória nas urnas colombianas no último final de semana. Prometendo manter o “aprofundamento de relações bilaterais” com o país, o Itamaraty se limitou a desejar “êxito nas funções” ao eleito. De Jair Bolsonaro, porém, só comentários pejorativos com erros de informação: não é novidade que o mandatário brasileiro ficou descontente com a vitória da esquerda em mais um país latino-americano – no caso chileno, o mais recente até então, Bolsonaro também revelou insatisfação. Também é improvável que o capitão compareça à posse de Petro, o primeiro presidente eleito de esquerda na história colombiana, marcada para acontecer em 7/8. Dentro de casa, porém, diálogo: dias após confirmar sua vitória nas urnas, Petro convidou o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) para uma conversa, chamando o aceno a um rival político de “era do diálogo”. Desprestigiado por problemas com a Justiça nos anos recentes e vendo seu movimento – o uribismo – não obtendo as mesmas vitórias de outras épocas, o líder conservador aceitou o convite, dizendo que são “visões diferentes sobre uma mesma pátria”. Na Silla Vacía.
Depois das audiências em que militares encararam os familiares dos civis mortos a sangue frio (leia no GIRO #129), agora foi a vez dos ex-guerrilheiros olharem nos olhos das vítimas. A Jurisdição Especial para a Paz (JEP) conduziu as audiências entre terça (21) e quinta (23) com a presença de sete integrantes das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), agora identificados como o partido político Comunes: Rodrigo Londoño Echeverry, Pablo Catatumbo Torres Victoria, Rodrigo Granda Escobar, Pastor Lisandro Alape Lascarro, Jaime Alberto Parra, Milton de Jesús Toncel e Julián Gallo Cubillos reconheceram a responsabilidade da organização nos mais de 21 mil sequestros e desaparições, além de crimes de guerra e lesa-humanidade. Algumas das vítimas relataram inclusive episódios de violência sexual: “lá esses senhores me prenderam e me estupraram. Ainda sinto medo, porque sempre lembro daquele estupro, foram três homens. Eles me amarraram pelos pés e pelas mãos, com uma corrente e um cadeado”, disse uma das vítimas, que falou por meio de uma gravação sem se identificar. Na JEP.
COSTA RICA 🇨🇷
Conflito de interesses? O presidente Rodrigo Chaves garantiu que sua decisão de prorrogar o contrato de concessão do porto de Caldera – o principal do país na costa do Pacífico – foi tomada unicamente para resolver a “saturação” do local, a pedido de empresários, supostamente sem qualquer tráfico de influência. O imbróglio: até 2021, a Sociedade Portuária Caldera (SPC), consórcio que explora economicamente o porto, tinha entre seus sócios Calixto Chaves. Embora esse outro Chaves não tenha parentesco com o presidente, ele é seu conselheiro e braço-direito. Ainda hoje, o filho de Calixto, José Pablo, continua acionista do grupo – além de ter financiado a campanha do partido de Rodrigo Chaves. Para o mandatário, a presença da família de Calixto no grupo é um “evento de casualidade” e as acusações são “verdades parciais”. Ainda assim, a indignação segue: o governo prometeu abrir uma licitação internacional para definir o novo operador do porto, mas, em vez disso, estendeu o prazo da concessão à SPC de 2026 para 2031. No Semanario Universidad.
CUBA 🇨🇺
Medalhista de ouro em Tóquio e campeão mundial de boxe, o cubano Andy Cruz, 26, chocou a todos ao decidir deixar a ilha antes mesmo do torneio de Playa Girón, considerado o mais importante da modalidade no país. Na segunda (20), Cruz postou em suas redes sociais que “às vezes tomamos decisões que muitas pessoas não gostam” e que, no entanto, correspondem apenas a ele e à família. Especula-se que o atleta, considerado um dos mais promissores de sua geração, esteja em trânsito rumo aos EUA. Mais cedo este ano, em maio, ele chegou a ser excluído de uma outra competição por problemas disciplinares. Via EFE.
Às vésperas do primeiro aniversário dos protestos de julho de 2021, considerados os maiores contra o governo socialista desde a Revolução de 1959, Cuba segue condenando opositores envolvidos nos atos públicos. Nesta quarta (22), foram anunciadas as sentenças de mais 74 pessoas, variando desde serviços comunitários até penas de 18 anos de cadeia – além de duas absolvições. O argumento oficial é “atentar contra a ordem constitucional” e a estabilidade do país em uma ação orquestrada por Washington; já opositores e os Estados Unidos denunciam violações de direitos de defesa e cerceamento à liberdade de expressão. Segundo a Procuradoria-Geral de Cuba, o número de condenados relacionados aos protestos já chega a 488. No G1.
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GUATEMALA 🇬🇹
O país teve o maior retrocesso da região no Índice de Capacidade para Combater a Corrupção (CCC), elaborado pelo grupo empresarial estadunidense conhecido como Conselho das Américas, que desde os anos 1960 faz lobby por acordos de livre-comércio. Em 13º lugar entre 15 países avaliados (à frente somente de Bolívia e Venezuela, segundo os critérios da entidade), a Guatemala despencou 0,46 pontos no ranking que avalia “capacidade jurídica”, “democracia em instituições públicas” e o “trabalho da sociedade civil e meios de comunicação”. Entre as razões para a piora, estão a maior blindagem aos políticos durante o governo de Alejandro Giammattei, com episódios notáveis como a recondução da procuradora-geral Consuelo Porras ao cargo, após acusações de que estaria interrompendo investigações e perseguindo quem tentasse fiscalizar suspeitas sobre os círculos de poder. Outras quedas significativas no ranking foram do Uruguai (-0,38 ponto), que apesar disso segue líder, e do Brasil (-0,31 ponto), em um modesto 10º lugar. Já o destaque foi a República Dominicana, que subiu 0,81 ponto nos critérios da avaliação e agora está em 5º lugar na região. Na Prensa Libre.
Você pagaria R$ 250 em uma pizza? E se ela fosse assada nas pedras quentes de um vulcão? Na Guatemala, isso é possível: ativo, o vulcão Pacaya, que fica a 50 km ao sul da capital, é um dos mais conhecidos pontos turísticos do país e agora virou um roteiro gastronômico inusitado. Ao perceber que muitas pessoas usavam o calor natural das rochas para esquentar alimentos, um habitante local teve uma ideia: por que não levar a massa pronta e preparar as pizzas ali mesmo? A ideia virou um sucesso entre turistas. Mas atenção: como Pacaya está constantemente em risco de erupção, é possível que seu jantar rústico seja adiado por uma evacuação de emergência. Na Band.
HAITI 🇭🇹
Não surpreendeu, mas foi uma nova derrota da oposição: o primeiro-ministro Ariel Henry e o grupo conhecido como Acordo de Montana não se reúnem desde 15/5. Na ocasião, a organização formada no segundo semestre de 2021 havia dado um “ultimato” até o final de maio para que Henry propusesse soluções ao combalido país, mas o prazo passou, quase outro mês inteiro se foi, e nenhuma novidade foi registrada nas negociações políticas. Em julho, o assassinato do presidente Jovenel Moïse completa um ano, e Henry, que assumiu o poder em meio a um vazio sucessório, vem protelando a realização de novas eleições frente a um cenário de crise econômica e explosão da violência urbana em todo o país. O incômodo, agora, estaria chegando também a aliados de Henry, como o Setor Democrático e Popular (SDP), que emitiu nota definindo o governo como “muito fraco para enfrentar os tempos difíceis que virão”. No Nouvelliste.
A Guarda Costeira dos EUA revelou na quarta (22) o resgate de pelo menos 27 haitianos que estavam em uma remota ilha desabitada entre Porto Rico e República Dominicana. A operação durou dois dias e foi motivada após suspeitas: segundo autoridades estadunidenses, a região caribenha é uma zona de muitos barcos de contrabandistas; três deles foram presos entre os resgatados. Entre outubro passado e maio de 2022, cerca de 64 embarcações, com imigrantes e contrabandistas, foram detidas pela Guarda Costeira. Na ABC.
HONDURAS 🇭🇳
Durante viagem à Espanha para compromissos diplomáticos, o chanceler hondurenho Eduardo Enrique Reina negou, na quinta (23), que sua gestão tenha qualquer tipo de participação no processo que concedeu cidadania nicaraguense a dois ex-colaboradores da administração do presidente Juan Orlando Hernández (2014-2022), extraditado aos EUA para enfrentar processos por tráfico de drogas (relembre aqui). Ao contrário do que diz a Constituição hondurenha, na vizinha Nicarágua um cidadão “não pode ser objetivo de extradição em território nacional”, o que daria às duas figuras ligadas a Hernández (que não teve a mesma sorte) a chance de escapar da Justiça estadunidense. Na Prensa.
Condenado no ano passado por ser o mentor do assassinato da indígena lenca e ativista ambiental Berta Cáceres, Roberto David Castillo Mejía finalmente conheceu na segunda (20) sua sentença: 22 anos de prisão por comandar os bastidores do crime – pena, no entanto, abaixo da punição máxima esperada pela família de Cáceres, que classificou a decisão como “ultrajante” e prometeu buscar “penas mais severas”. Em 2016, a ativista foi morta por sicários treinados por liderar uma militância local contra a construção de uma barragem de uma multinacional; o projeto era apontado como prejudicial ao meio ambiente e à vida de comunidades originárias. Em dezembro de 2019, sete homens, esses autores materiais do crime, foram condenados pelo crime, todos com penas superiores à que foi lida pelo juiz no caso de Castillo Mejía. Via AP.
MÉXICO 🇲🇽
A cada semana a violência mexicana dá um jeito de fazer diferente: dessa vez, as vítimas são dois padres jesuítas, mortos na noite de segunda (20) em uma igreja em Cerocahui, no violento estado de Chihuahua. Javier Campos e Joaquín Mora, de 78 e 80 anos, respectivamente, morreram ao tentar proteger um guia turístico da comunidade que fugia de uma pessoa armada – o guia também morreu. Conhecido como “El Chueco”, o procurado pelo homicídio já estava na mira das autoridades por ser o principal suspeito de matar um turista em 2018 e agora segue procurado sob uma recompensa de US$ 250 mil. Os três corpos desapareceram e só foram encontrados depois de dois dias de buscas. Segundo representantes do Alto Comissariado das ONU para os Direitos Humanos no México, os dois sacerdotes faziam um importante trabalho social com comunidades indígenas da região. O papa Francisco e o presidente Andrés Manuel López Obrador condenaram a matança. Na BBC.
Pela primeira vez, uma mulher nascida no México será congressista nos Estados Unidos: Mayra Flores tomou posse na terça-feira (21) para um mandato-tampão de sete meses, representando o 34º distrito do Texas em Washington. Natural de Burgos, no estado mexicano de Tamaulipas, Flores emigrou com a família aos seis anos, no início da década de 1990, e obteve a cidadania estadunidense aos 14. Mayra Flores é republicana e segue a trajetória de muitos imigrantes conservadores nos EUA: apoiou Donald Trump, difundiu teorias da conspiração sobre a tentativa de golpe no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, e utilizou hashtags relacionadas ao movimento conspiracionista QAnon, em postagens que depois foram deletadas. Ela promete concorrer novamente nas eleições de novembro, agora para um mandato integral. No G1.
Un nombre:
Cutuglagua – Nome dado à região que fica no limite entre Quito, a capital do Equador, e o município de Mejía, ao sul. Cutuglagua virou um campo de batalha no início da semana, como um dos pontos de entrada da manifestação indígena na principal cidade do país. O nome sonoro desse local próximo ao vulcão Atacazo tem dois possíveis significados, dependendo da interpretação dos vocábulos: uma versão diz que o nome seria algo como “panelinha (ollita) grande resplandecente para todos”, dividindo a palavra em cu-tug-la-gua, enquanto outra sugere que os termos originais seriam apenas cutu e gua, significando “lugar pequeno cheio de água”.
NICARÁGUA 🇳🇮
Só “missão humanitária” – não para fixar bases militares estrangeiras no país. É o que disse o ministro das Relações Exteriores Denis Moncada na terça (21), chamando de “elucubração infundada” as afirmações de que a autorização nicaraguense para a entrada de tropas e armamento russos em um momento de tensão mundial contra Moscou tenha segundas intenções. “São elucubrações sem razão, sem fundamento, porque nossa Constituição estabelece que bases militares estrangeiras não são permitidas na Nicarágua”, disse. No início de junho, de forma simultânea à realização da Cúpula das Américas – da qual Manágua foi sumariamente excluída – Ortega anunciou um decreto que, de julho a dezembro, abria as portas do país a militares russos e de outros países latino-americanos aliados, como Cuba e Venezuela. A decisão vem sendo criticada por EUA e União Europeia, que prometem novas sanções. Na Prensa.
PARAGUAI 🇵🇾
Enquanto a Colômbia condenou, na sexta passada (17), quatro pessoas envolvidas no assassinato do promotor paraguaio Marcelo Pecci, a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), considerada a mandante do crime, seguia estendendo seus tentáculos sobre o pequeno país no centro da América do Sul (leia mais sobre o caso no GIRO #135). Nesta longa reportagem em inglês, o Guardian esmiúça como o PCC se tornou uma das maiores organizações do narcotráfico na América Latina e vem aprofundando sua influência no Paraguai a ponto de fazer o país beirar a condição de um narco-Estado.
PERU 🇵🇪
Moradores da região que dá acesso à mina de cobre de Las Bambas concordaram, na quarta-feira (22), com uma trégua de uma semana para negociar saídas para o novo desdobramento de uma crise iniciada em abril. No último dia 10, a operação mineira ganhou luz verde para ser retomada após mais de 50 dias de paralisação por compromissos não cumpridos com trabalhadores e com a população local. Desta vez, a reclamação é diferente: por uma cobrança financeira para uso da estrada que atravessa o distrito de Mara, na região de Apurímac. “Se não encontrarmos uma solução, reiniciaremos o protesto”, prometeu Efraín Mercado, presidente da frente de defesa distrital, dizendo que os campesinos donos do terreno cortado pela rodovia só querem “um preço justo”. Via Reuters.
Arqueólogos confirmaram, na quarta-feira (22), o achado de um mausoléu da era incaica no subsolo de uma área residencial no bairro operário de San Juan de Lurigancho, nos arrabaldes de Lima. Repercutida na imprensa internacional, a descoberta de 500 anos de antiguidade começou há duas décadas e meia: Hipólito Tica, dono do terreno onde foram encontrados os “pacotes funerários” vinha pleiteando desde 1996 que as autoridades realizassem escavações na área, após encontrar uma galeria subterrânea quando cavava uma fossa séptica. Sem respostas, Tica só conseguiu que o local recebesse mais atenção após informar recentemente que iniciaria uma obra sobre o terreno, inviabilizando as pesquisas arqueológicas – o que, desta vez, mobilizou uma resposta rápida do Ministério da Cultura. De acordo com José Abanto Llaque, antropólogo que liderou a missão, o achado está associado a pessoas de elite da cultura ruricancha, imediatamente anterior à ocupação inca na região da atual Lima. Os pesquisadores agora querem a prorrogação do prazo de trabalho no terreno para “fazer estudos melhores, análises dos restos ósseos, raios X e tomografias computadorizadas dos pacotes”. Em La República.
PORTO RICO 🇵🇷
A Controladoria de Porto Rico divulgou um relatório, na quarta (22), listando uma série de compras “extravagantes, excessivas e desnecessárias” feitas pelo Senado da ilha. Embora em um valor irrisório frente à dimensão bilionária da dívida pública, o levantamento provocou indignação em um contexto de falência das contas porto-riquenhas. Entre os gastos vistos como desnecessários feitos entre 2013 e 2020, destaque para um sofá de US$ 2,5 mil, a compra de US$ 8,2 mil em camisetas para um evento esportivo que já contava com uniformes, US$ 16 mil em atualizações de software que nunca foram instaladas, e o gasto redundante de US$ 75 mil em seguro-saúde para guarda-costas de políticos que já contavam com o benefício através de seus contratos junto ao departamento de polícia. Via AP.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Um pequenino sapo dominicano de árvore, da espécie Osteopilus dominicensis, muito comum no país caribenho, foi parar do outro lado do mundo… em um cacho de bananas. O pobre viajante foi descoberto por um homem no Reino Unido, que estranhou quando viu uma coisa diferente nas frutas que comprou no mercado. Não pensou duas vezes: ao perceber que o anfíbio tinha uma pequena escoriação na perna, o britânico acionou entidades protetoras dos animais, que levaram o bicho para ser cuidado por especialistas. A complicada jornada de animais latino-americanos, porém, não é tão incomum: em 2019, um outro sapo – dessa vez, do Equador – atravessou o oceano num cacho e acabou em Northampton, também na Inglaterra. Em Um Só Planeta.
URUGUAI 🇺🇾
Com a alta dos preços, uruguaios têm enfrentado um dilema: como manter o tão querido consumo de carne no dia a dia? Para o governo do país, a solução mora ao lado. Com objetivo de ter “cortes de qualidade, porém mais acessíveis ao consumidor”, o paisito, histórico produtor do alimento, resolveu habilitar na quinta (23) a importação de carne com osso vinda do Brasil, a fim de aliviar o bolso de uma população que está entre as maiores consumidoras per capita de carne no mundo. Segundo o ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca, Fernando Mattos, a carne virá dos estados brasileiros do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso e Rondônia – regiões certificadas como “livres de febre aftosa”. Via EFE.
VENEZUELA 🇻🇪
“A Venezuela hoje pode dizer que merece o Prêmio Nobel de Economia porque avançamos sozinhos, humildemente sozinhos, com a agenda econômica bolivariana”, disse o presidente Nicolás Maduro ao se referir à inesperada melhora econômica de um país que, há anos, já não sabia o que isso significava. Mas o que de fato mudou? E quão verdadeira é essa maré de boas notícias na economia? Da dolarização à alta do preço do petróleo, das importações à diminuição de controles cambiais, a reportagem da BBC explica os mitos e verdades por trás da trégua financeira vivida pelo país sul-americano do último ano para cá.
Ainda em busca do tão sonhado acordo político, governo e oposição novamente se sentaram juntos no Fórum de Oslo, na Noruega, país neutro na discussão e que há anos atua como intermediador das pretendidas resoluções entre os dois lados do jogo. A última tentativa de diálogo datava de 2021, na Cidade do México – também neutro no conflito – mas acabou suspensa após os chavistas mostrarem insatisfação pela prisão e extradição de Alex Saab, apontado como suposto testa-de-ferro do presidente Nicolás Maduro. Dessa vez, a expectativa é positiva: o governo norueguês felicitou o encontro ocorrido na terça (21), que teve o governista e presidente da Assembleia Nacional Jorge Rodríguez de um lado e Gerardo Blyde, em nome da delegação da oposicionista Plataforma Unitária (a coalizão de Juan Guaidó), de outro. “Esperamos que os esforços continuem no curto prazo para retomar o diálogo e a negociação na Venezuela”, disseram os europeus. No Efecto Cocuyo.
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