Equador: indígenas voltam a paralisar país contra governo
No Equador, como em poucos lugares da América Latina, se os indígenas protestam, o governo treme. E não foi diferente desta vez: nesta segunda-feira (13), um novo paro nacional foi convocado pela poderosa Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Desde 1990, a entidade organiza levantes semelhantes: bloqueou estradas em diversos pontos do mapa e rapidamente conquistou a adesão de outros setores sociais, prometendo rumar à capital. Em um dos atos de maior repercussão, Leónidas Iza, o líder máximo da Conaie, chegou a ser preso – e logo liberado, depois que as manifestações se intensificaram pedindo sua soltura. A pauta original não é inédita, e está conectada à fúria pela alta dos preços de combustíveis, que provoca carestia geral. A revolta é ainda maior por se tratar de um país exportador de petróleo.
A nova rodada de paralisações da Conaie ecoa o movimento que já havia trazido problemas para o presidente Guillermo Lasso entre outubro e novembro de 2021 (relembre no GIRO #105). Na época, as lideranças indígenas também bloquearam rotas e marcharam pelo país, chegando a uma proposta com 10 pontos principais que o governo prometeu atender, mas segue ignorando, o que motivou a volta dos protestos nos últimos dias. Além de um congelamento dos preços dos combustíveis em um valor inferior ao que é cobrado hoje, a agenda da Conaie inclui subsídios para cerca de 4 milhões de famílias de baixa renda, a renegociação de taxas de juros para equatorianos endividados, a redução de preços para insumos agrícolas e uma revisão das leis trabalhistas que ajude a combater a crescente precarização, entre outras medidas – quase sempre bem distantes da agenda liberal que o ex-banqueiro Lasso prometeu colocar em vigor quando foi eleito.
Mais do que a memória dos protestos de 2021, porém, o que assusta o governo e seus apoiadores é a recordação também fresca do levante de outubro de 2019, quando o então presidente Lenín Moreno (2017-2021) flertou com a derrubada e, acossado, precisou até mudar provisoriamente a sede do governo de Quito para Guayaquil. A repressão subsequente, enquanto o país esteve sob estado de exceção, exigiu até a instalação imediata de uma Comissão da Verdade que investigou mais de 200 casos de violações de direitos humanos e seis execuções extrajudiciais por agentes do Estado. Lá, antes da pandemia e da guerra russo-ucraniana, também os combustíveis foram a pauta prioritária que levou os indígenas às ruas: tentando impor medidas de austeridade como parte de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo queria dar fim ao histórico subsídio que garantia preços baixos nas bombas de gasolina, e viu-se obrigado a recuar após as manifestações. Não fossem suficientes os paralelos, vale lembrar que Lasso se tornou ele próprio mais um mandatário a alcançar acordos bilionários de empréstimo com o mesmo FMI nos meses recentes de crise, reacendendo ainda mais a velha chama – já que as contrapartidas de aperto fiscal por parte do Fundo seguem irredutíveis.
Em 2019, durante a paralisação de 11 dias, estimaram entidades empresariais na época, a economia equatoriana perdeu US$ 800 milhões – um número que agora volta a ser martelado na cabeça de Lasso para que encontre uma saída mais rápida para a crise. Em 2022, os bloqueios já vêm causando transtornos: o próprio governo calcula que os primeiros quatro dias úteis de paralisações desta semana teriam deixado prejuízo de US$ 50 milhões e, em Guayaquil, o comércio atacadista já registra falta de produtos vindos de outras províncias e a necessidade de controle oficial para evitar açambarcamento e vendas majoradas no mercado paralelo.
Enquanto o governo Guillermo Lasso, com popularidade em queda e há meses em guerra aberta com o Congresso, ainda não oferece uma solução que agrade à Conaie, estudantes, professores e transportistas são alguns dos setores que se aglutinam em torno das demandas. Leónidas Iza, detido em Cotopaxi – 75 km ao sul de Quito – no início da madrugada de terça-feira (14) sob a acusação de organizar “bloqueios ilegais”, foi liberado menos de 24 horas depois por ordem judicial, e ganhou ainda mais força para aumentar sua influência após o episódio. Tratado como herói por seus pares e repetindo a todo momento que os policiais só encontraram em seus bolsos “uma fita métrica, US$ 1,55 em dinheiro e uma moeda de dois euros”, Iza definiu sua prisão como um “sequestro político” e pediu cuidado redobrado aos correligionários: o governo, afirma ele, quer vender o movimento indígena como violento e composto por vândalos, e pode infiltrar pessoas para ajudar a fortalecer essa imagem. Depois, brincou: “o lado bom da minha prisão foi aprender como é andar de helicóptero”, fazendo referência à forma como foi transferido.
Com a luta contra a carestia como bandeira, Iza ironizou o argumento de Lasso de que os protestos só teriam como objetivo a desestabilização do governo e não contariam com um estopim claro: “certamente, senhor presidente, o senhor diz isso porque não compra no mercadinho da esquina”. Na sexta (17), a Conaie deu a si mesma 48 horas para organizar a logística do deslocamento rumo a Quito, dando ao governo uma última chance de evitar a escalada dos protestos: adotar a agenda de 10 pontos negociada em 2021 antes que os dois dias se passem.
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DESTAQUES
🇨🇴 Colômbia chega ao dia do 2º turno com empate técnico – O empresário Rodolfo Hernández e o economista Gustavo Petro se enfrentam neste domingo (19) para o 2º turno de uma eleição acirrada na Colômbia. Os dois estão tecnicamente empatados nas pesquisas. Antes da realização do pleito, os últimos dias foram marcados pelo fogo cruzado entre ambas campanhas e muita briga na Justiça. Do lado de Petro, o esquerdista teve que dar explicações sobre gravações de trechos de reuniões com correligionários. Nos vídeos, são discutidas as estratégias de ataque a outros presidenciáveis, a visita da senadora eleita Piedad Córdoba a presos à beira da extradição, e possíveis doações irregulares à campanha. O Ministério Público abriu investigação para apurar o caso; Petro disse que as conversas não mostram qualquer ilegalidade e que as gravações – estas sim – seriam fruto de espionagem criminosa. Do lado de Hernández, mais problemas: um áudio revelado nesta semana mostra um advogado dele pressionando um juiz para adiar a audiência de um processo trabalhista, na tentativa de abafar o caso até o 2º turno das eleições. O juiz não cedeu e, no início do mês, condenou a empresa da família Hernández ao pagamento de 176 milhões de pesos (cerca de R$ 230 mil) por danos morais a Celestino Flórez, 81 anos, ex-vigilante da empresa que não conseguiu se aposentar devido a atrasos nos pagamentos dos empregadores. E, por fim, o puxão de orelha da Justiça: o Tribunal Superior de Bogotá determinou que os candidatos realizassem um debate até a noite de quinta-feira (16) – o que não ocorreu, porque Hernández descumpriu a ordem. O empresário enviou uma carta a Petro impondo condições para sua participação, como a mediação de jornalistas escolhidas por ele, na cidade dele e com os temas que ele propôs. Mesmo com o aceno favorável do rival a todas as exigências, Hernández desistiu do debate e voou de helicóptero para uma igreja em Chiquinquirá, a 130 km da capital. Na BBC.
🇦🇷 Avião com iranianos gera intriga transnacional – Um avião venezuelano com destino a Aruba, vindo do México, com tripulantes iranianos, preso em território argentino – após ser impedido de pousar no Uruguai. Parece um filme de 007, mas é apenas a nova e misteriosa história em Buenos Aires. Tudo começou no último dia 6, quando um Boeing 747 – supostamente carregando apenas cigarros – foi descoberto com cinco cidadãos iranianos e 14 venezuelanos. O detalhe: a tripulação, além de numerosa demais para um voo de carga, não havia sido inteiramente registrada. Segundo fontes locais, em um dado momento a aeronave também teria desligado o sistema de rastreamento obrigatório. Não fosse suspeito suficiente, o avião foi detido justamente na Argentina, país que conserva um histórico de tensões com a nação persa – sobretudo envolvendo assuntos relacionados a terrorismo, agora em pauta novamente: em 1994, 85 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas na capital portenha após um atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia). O caso nunca foi totalmente solucionado, ainda que o crime tenha sido reivindicado por um braço paramilitar do Hezbollah, de origem islâmica e xiita – assim como o governo em Teerã. Entenda toda a densa trama aqui. Diante desses fantasmas, não demorou para um clima suspeito vir à tona: na terça (14), após uma intensa operação de busca e apreensão, a Justiça argentina proibiu que os tripulantes estrangeiros deixem o país. O argentino Clarín também mostrou que o piloto iraniano Gholamreza Ghasemi é observado por serviços de inteligência e investigado pela justiça argentina por possíveis relações com a Força Quds, a Guarda Revolucionária de Teerã. O governo do Irã discorda, chamando toda a trama de uma “operação de propaganda”, enquanto outra versão da história diz que tudo se tratou de uma “operação normal”. Na sexta, após os próprios argentinos considerarem que Ghasemi seria apenas um “homônimo”, o ministro de Inteligência do Paraguai (mais um país nessa história), Esteban Aquino, voltou a colocar lenha na fogueira: “ele esteve aqui” e “trata-se de uma pessoa vinculada ao Quds, sem nenhuma dúvida”. Na BBC.
🇲🇽 México quer processar mineradora por destruição ambiental – “Catástrofe ecológica” é como o governo mexicano define as consequências das atividades da mineradora estadunidense Vulcan Minerals e sua filial Calica, que operava em Playa del Carmen, na região turística de Yucatán conhecida como “Riviera Maia”. Agora, o presidente López Obrador promete apresentar uma denúncia internacional contra as companhias, embora sem deixar claro a que instância levará o processo. A operação de extração de calcário começou na região em 1986 e só foi encerrada no último mês de maio, após o governo AMLO considerar que a atividade gerava danos graves aos ecossistemas da zona, tudo para “construir estradas nos Estados Unidos”, segundo as palavras do presidente. O caso deve se arrastar: enquanto o México quer indenização pelo estrago ambiental, a Vulcan diz que o fechamento forçoso da planta foi “ilegal” e suas décadas de operação ocorreram com as “licenças necessárias”. Via AFP.
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REGIÃO 🌎
Semana repleta de definições para os latino-americanos de olho na Copa do Mundo – e não apenas a que acontece neste ano. Para o torneio marcado para 2022, no Catar, duas seleções daqui disputaram as últimas repescagens para fechar a lista de participantes, com 50% de aproveitamento: o Peru acabou eliminado pela Austrália nos pênaltis (com direito a participação folclórica do goleiro oceânico), enquanto a Costa Rica avançou para sua terceira Copa consecutiva, uma façanha inédita para o país, ao eliminar a Nova Zelândia – agora, os ticos dividirão grupo com Alemanha, Espanha e Japão. Já de olhos no futuro, a FIFA também anunciou a escolha das cidades-sede do Mundial de 2026, marcado para acontecer nos três países da América do Norte: embora os EUA centralizem a ação com 11 das 16 cidades escolhidas, ainda há duas sedes canadenses, e os mexicanos também receberão jogos em Guadalajara, Monterrey e na Cidade do México. Sede dos torneios de 1970 e 1986, o México se tornará o primeiro país a receber três Copas. Por fim, olhos em 2030, quando a Copa do Mundo de futebol masculino completará seu primeiro centenário: Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai formalizaram sua candidatura conjunta para receber a competição, em um esforço iniciado anos atrás pelos uruguaios, que sediaram o torneio inaugural em 1930 – mas, hoje, não teriam mais capacidade de organizar sozinhos uma competição que reunirá 48 equipes a partir da próxima edição. Além dos obstáculos econômicos, também um desafio na política da bola: se a Copa de 2030 viesse para a América do Sul, seria a primeira vez na história que três torneios seguidos aconteceriam longe da Europa. E o Velho Continente, é claro, também deve lançar candidatos: Espanha e Portugal prometem sua própria candidatura em conjunto. A escolha deve sair no final do ano.
Em solidariedade ao governo da Ucrânia, vários países latino-americanos se tornaram signatários de um documento anunciado no último domingo (12), durante a abertura da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na Suíça. O acordo contou com o endosso de Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Diversos países membros da União Europeia também assinaram a declaração de solidariedade, sinalizando que “estão tomando todas as medidas possíveis para apoiar a economia da Ucrânia”. Na Band.
ARGENTINA 🇦🇷
Diferentes locais no país realizaram atos em homenagem aos veteranos e mortos na Guerra das Malvinas (1982), cujo cessar-fogo completou 40 anos na terça-feira (14) – uma data que, hoje, é conhecida como “Dia da Máxima Resistência” na Argentina. Do outro lado do oceano, no Reino Unido, a data que marcou o fim da curta empreitada militar de uma Argentina sob regime ditatorial também rendeu celebrações e homenagens. O conflito durou apenas 74 dias, deixando, pelo lado sul-americano, um rastro de 649 mortos e 1.650 feridos em combate. O desastre da guerra também é creditado por precipitar o final da ditadura, que acabou entregando o poder já em 1983. No Clarín.
BOLÍVIA 🇧🇴
Após a Justiça condenar Jeanine Añez a 10 anos de prisão pela participação no golpe que a levou ao poder (leia na edição extra do GIRO enviada na sexta passada), apoiadores e a família da ex-presidenta anunciaram que vão recorrer da decisão em todas as instâncias judiciais na Bolívia, e também, à Justiça internacional. A filha de Áñez, Carolina Rivera, afirmou que “na Bolívia não há justiça. O órgão de justiça está submetido ao poder político. Não se pode ir a nenhuma instância do Estado porque todas estão tomadas pelo Movimento ao Socialismo (MAS)”, o partido de Evo Morales e do atual presidente Luis Arce, sacado à força pelos golpistas e devolvido ao Executivo com uma vitória acachapante nas urnas um ano depois. A condenação promoveu protestos de diferentes reivindicações: os grupos que organizaram vigílias para vítimas do governo de Jeanine e aguardaram sua sentença, clamando pela prisão, e os que pediam sua liberdade, alegando “perseguição política”. O Ministério Público considerou a pena insuficiente: pede uma sentença de 15 anos e afirmou que também vai recorrer. No Télam.
Un nombre:
Apthapi – Costume ancestral andino em que as comunidades originárias compartilham alimentos que produziram em suas colheitas, selando o compromisso de partilhar frutos, conhecimentos e ideias – tudo em torno da comida, que é considerada sagrada. O Apthapi é uma prática aberta e democrática e até mesmo turistas e pessoas que não contribuíram podem participar. Aguayos (mantas andinas) são colocados no chão, e as melhores batatas, quinoas e frutos da colheita são dispostos para que todos se sirvam.
CHILE 🇨🇱
A promessa não é nova, mas agora há um prazo informal autoimposto: de olho nos 50 anos do golpe de Estado de 1973, que se completam em setembro do ano que vem, o presidente Gabriel Boric quer encontrar solução o quanto antes para o caso de 1.162 desaparecidos políticos da ditadura pinochetista (1973-1990), que continuam sem identificação. Entre os projetos anunciados, estão o uso de novas tecnologias e a ampliação de bancos de dados genéticos pelo país, com mais subsídios à campanha conhecida como “Uma gota de sangue pela verdade e pela justiça”, que coleta amostras em todo o país para checagens de DNA com fragmentos que – acredita-se – seriam de corpos de vítimas. Mesmo com os esforços, porém, é improvável que o Chile consiga zerar sua lista de dúvidas sobre o paradeiro dos desaparecidos, já que muitos foram atirados ao mar e as Forças Armadas historicamente mentiram sobre o destino dos perseguidos, mesmo quando acenaram com colaboração junto aos governos democráticos. Em El País.
COLÔMBIA 🇨🇴
Leider Johany Noscue, apontado como um dos líderes das dissidências das FARC, foi morto em uma operação militar, disse o presidente Iván Duque nesta segunda-feira (13). Também conhecido como “Mayimbú”, o guerrilheiro foi localizado no município de Suárez, no Vale do Cauca. De acordo com as autoridades, ele seria reponsável pelo assassinato de soldados e líderes socais na região, com atuação no tráfico de drogas em parceria com os cartéis mexicanos e controle de rotas do tráfico pelo Oceano Pacífico. Via AFP.
COSTA RICA 🇨🇷
A autorização para tropas russas entrarem na Nicarágua (leia mais na seção do país) incomoda o presidente Rodrigo Chaves: “neste momento, estamos preocupados com a Nicarágua [...] Não temos Exército desde 1949. Imagine como nos sentimos: preocupados, com razão”, argumentou o presidente empossado há poucos meses, também negando relações com seu homólogo vizinho. “Não veio à posse, não temos contato. Neste momento, a Costa Rica tem um embaixador nicaraguense, mas não enviamos um embaixador à Nicarágua”. No Confidencial.
CUBA 🇨🇺
Tradicional locomotiva econômica da ilha, a indústria açucareira agora registra a pior safra em mais de 100 anos. Segundo Dionis Pérez, diretor de comunicação da Azcuba, agência governamental que regula a produção de açúcar, o país produziu apenas cerca de metade do que esperava nesta temporada – o número também representa 50% das 800 mil toneladas colhidas no período anterior, entre 2020 e 2021. Na década de 1980, por exemplo, Cuba produzia até 8 milhões de toneladas do produto por ano. Pérez declarou que as razões para a baixa produtiva incluem falta de herbicidas e fertilizantes (também efeito de sanções), atraso no início de usinas de açúcar e até falta de oxigênio – repassado ao setor de saúde durante a pandemia. Via AP.
140.602 é o número de migrantes cubanos que chegaram aos EUA desde o início do atual ano fiscal, em outubro de 2021, até o final de maio de 2022, segundo dados revelados pelo Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) do país ao norte. O índice reflete uma das maiores crises migratórias do país, superando os 125 mil cidadãos da ilha que chegaram aos EUA em 1980. A pesquisa indica, ainda, que somente durante o mês de maio o número de migrantes atrás de asilo superou a casa dos 25 mil. No Cuba Net.
Ecos dos protestos de 2021, 381 pessoas foram condenadas por participar das manifestações contra o governo em julho do último ano, sendo que 297 receberam sentenças de 5 a 25 anos de prisão por crimes de sedição, sabotagem, roubo e desordem pública, segundo a Procuradoria-Geral da República em comunicado divulgado à mídia estatal. Opositores dentro da ilha, os EUA, a União Europeia e diferentes entidades de direitos humanos acusaram os julgamentos de não prezarem pela transparência e incorrerem em condenações arbitrárias. Via Reuters.
EL SALVADOR 🇸🇻
Com prejuízo de quase 50% do valor aplicado na compra de bitcoins em 2021, o governo salvadorenho está em uma encruzilhada: ainda que a desvalorização seja parte da gestão de uma moeda com alta volatilidade, o dinheiro usado por San Salvador para investir no criptoativo é público. Antes totalmente confiante, o presidente Nayib Bukele criticava os que discordavam de sua ousadia. Agora, já admite que apenas acredita em uma futura valorização – ao passo que seu ministro das Finanças fala em “risco mínimo” de uma crise fiscal causada pela aventura. O problema: caso o país centro-americano perca esse dinheiro de fato, pode ficar sob ameaça de perder liquidez. Em UOL e BBC.
Segundo os últimos balanços oficiais, chegou a 41.486 o número de pessoas detidas em El Salvador durante a última leva de prisões massivas capitaneada pelo presidente Nayib Bukele, diz o procurador-geral Rodrigo Delgado. Do total de supostos membros de gangues presos, o Ministério Público conseguiu que mais de 33 mil “ficassem detidos provisoriamente” por um período de seis meses. E assim opera a máquina de Bukele: ainda que o país enfrente, sim, um problema de violência urbana associado ao forte domínio das pandillas, o presidente teve na pauta de segurança pública o gatilho perfeito para ampliar poderes e ser respaldado por isso. Mas não sem antes atropelar direitos humanos: como contamos em nossa 127ª edição, o prende-prende do presidente sem restrições teve abusos, violações, mortes nas mãos da polícia sem investigação das autoridades e detentos sem comida – além de várias denúncias de prisões arbitrárias de pessoas sem envolvimento com as temidas gangues. No UOL.
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GUATEMALA 🇬🇹
Temporada de furacões é, necessariamente, época de tempestades na América Central, mesmo quando os ventos não atingem velocidades maiores. Na Guatemala, desta vez, os estragos começaram até mais cedo: desde o início de maio, um mês antes da temporada mais ativa, as fortes chuvas que castigam o país já afetaram mais de meio milhão de pessoas, especialmente em comunidades indígenas que vivem em áreas com menos infraestrutura. Segundo a Defesa Civil, ainda houve 15 mortes no período. Via AFP.
HAITI 🇭🇹
O encontro entre o premiê Ariel Henry e o presidente dominicano Luis Abinader, que aconteceu durante a Cúpula das Américas (reveja no GIRO #135), rendeu uma notícia falsa difundida pelo próprio governo haitiano: logo após a conversa, o Ministério de Comunicação de Henry comemorou que a nação vizinha regularizaria todos os imigrantes vindos do Haiti, além de apoiar a candidatura haitiana à secretaria-geral da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Imediatamente, os dominicanos disseram que não era bem assim: a regularização dependeria do próprio governo em Porto Príncipe, que precisa fornecer os documentos aos seus cidadãos; já o apoio à vaga na Opas não seria formalizado, pois o também aliado Panamá é outro candidato e a República Dominicana não firmou voto para nenhum dos lados. No fim, as maiores conquistas celebradas por Henry após a conversa viraram pó, e o contestado primeiro-ministro resumiu-se a lamentar “alguns mal-entendidos registrados”. No Diario Libre.
HONDURAS 🇭🇳
Olivia Marcela Zúniga Cáceres, filha da ativista indígena Berta Cáceres, morta em 2016, foi designada como nova embaixadora de Honduras em Cuba. O novo posto foi confirmado em cerimônia diante da presidenta Xiomara Castro e do chanceler Eduardo Enrique Reina, quando outros postos diplomáticos foram definidos. Para Zúniga, o momento é oportuno para renegociar acordos sanitários entre os países, a fim de aprofundar o apoio de Havana a Tegucigalpa; antes de chegar ao novo cargo, ela também havia tentado um posto no Congresso. Na Prensa.
MÉXICO 🇲🇽
Era fácil, virou um inferno: desde que o México voltou a exigir visto para brasileiros entrarem no país – uma das formas de atender a um pedido dos EUA para barrar a crescente imigração irregular – novos entraves surgiram na vida de quem deseja viajar para lá. Desde o final de maio, o impedimento é o sistema de autorização eletrônica, que está fora do ar e pegou muitos de surpresa. Sem previsão de volta à normalidade, os brasileiros foram orientados a solicitar um visto no Consulado, só que o tempo de espera de sete dias frustrou planos de quem deixou para resolver a questão em cima da hora. O México voltou a exigir visto de brasileiros em dezembro, mas ainda havia a possibilidade de utilizar o sistema de autorização eletrônica como uma forma de agilizar o processo – até ele sair do ar na virada do mês. O Itamaraty cobrou providências. Na CNN.
Fake news circuladas no WhatsApp acabaram com a morte cruel de um homem em Papatlazolco, 200 km a nordeste da Cidade do México: o advogado Daniel Picazo, de 31 anos, foi acusado de estar no local para sequestrar crianças, e a mentira disseminada nas redes culminou com um linchamento público que reuniu uma multidão de 200 pessoas. Além da brutalidade do episódio, o caso – que ocorreu no último dia 9 – ganhou notoriedade porque Picazo foi, até março, assessor da Câmara dos Deputados do país, que nesta semana divulgou nota lamentando o episódio. Na BBC.
Grupos armados se enfrentaram na terça (14) em San Cristóbal de las Casas, no estado de Chiapas, pelo controle do maior mercado da cidade. Mais de 100 homens trocaram tiros por cerca de quatro horas enquanto os habitantes tentavam se proteger dentro de casas, lojas e hotéis. As ruas foram bloqueadas com veículos incendiados. As forças de segurança só chegaram depois que tudo havia acabado. De acordo com o presidente Andrés Manuel López Obrador, pelo menos uma pessoa morreu. O confronto, diz AMLO, se trata de uma disputa envolvendo atividades legais e ilegais no estabelecimento. Na AJ+.
NICARÁGUA 🇳🇮
Como arrumar mais problemas diplomáticos? Autorizando a entrada de efetivos militares russos, é claro. Assim decidiu o presidente Daniel Ortega, abrindo as portas do país para um enorme contingente bélico de Moscou para a realização de “missões humanitárias”. A manobra preocupa vizinhos e a comunidade internacional: logo ao lado, o governo da Costa Rica se disse “preocupado” pelas manobras (saiba mais na nota do país); já os EUA, que vivem há anos em franca tensão com Manágua, entendem tudo como um ato de “provocação”. Outros especialistas também apontam que a investida tenha como finalidade ações de espionagem e trabalhos de inteligência. Via AP.
Una palabra:
Tarjetón – É o nome popular da cédula eleitoral em vários países latinos. O aumentativo de tarjeta (“cartão” em espanhol) tem uma explicação: o papel geralmente de tamanho maior a uma folha de ofício precisa comportar, de forma legível, todos os candidatos dos diversos partidos e coalizões, tanto no Legislativo quanto no Executivo. No caso da Colômbia, a ordem das chapas que aparecem no tarjetón é escolhida por sorteio e, neste segundo turno, a chapa de Rodolfo Hernández e Marelen Castillo aparece à esquerda, enquanto a de Gustavo Petro e Francia Márquez estão à direita – ironicamente ao contrário de suas posições no espectro político.
PANAMÁ 🇵🇦
O bitcoin derreteu e o mercado está apavorado – mas, mesmo assim, legislações para regulamentar o uso do criptoativo seguem em pauta em vários países latino-americanos. E restrições aparecem: durante a semana, quem fez vetos parciais e devolveu a chamada “Ley Cripto” ao Congresso foi o presidente panamenho Laurentino Cortizo, que segue com ressalvas à legislação. Antes de ratificar a medida, “Nito” apontou mudanças no texto, incluindo ajustes de acordo com normativas internacionais que querem fortalecer a luta contra a lavagem de dinheiro. No Criptonoticias.
PARAGUAI 🇵🇾
Com eleições presidenciais marcadas para 2023, o país pode estar diante de uma união de forças oposicionistas para tentar quebrar a hegemonia histórica do conservador Partido Colorado, a costumeira legenda governista. Líderes de diversos grupos políticos anunciaram durante a semana que devem apoiar uma chapa única contra o PC, acreditando que o consenso pode ser o caminho para destronar a sigla mais forte da política guaraní. O documento assinado pelas partes precisa ainda ser aprovado pela mais alta corte eleitoral do país, ao passo que todos se preparam para as primárias eleitorais em dezembro deste ano. E essa não é a única novidade envolvendo o calendário eleitoral por lá: o ex-goleiro José Luis Chilavert, conhecido dos brasileiros e que já havia prometido empreitadas desse calibre, formalizou nesta semana que será de fato um dos candidatos à Presidência. Na teleSUR.
PERU 🇵🇪
Um stripper brasileiro “interrompeu” a audiência judicial online que investiga supostos crimes de corrupção envolvendo o presidente Pedro Castillo. Seminu, vestindo uma sunga fio-dental com a bandeira dos Estados Unidos e de bandana vermelha na cabeça, o vídeo de Ricardo Milos, viralizado em 2018, foi reproduzido no momento em que se apresentariam as justificativas para iniciar uma investigação contra o mandatário. Pelo Twitter, o advogado do presidente afirmou que as audiências peruanas são vítimas de invasões “sistemáticas”, e listou episódios similares registrados nos últimos anos. A gafe, porém, não escapou dos memes. Via Reuters.
PORTO RICO 🇵🇷
À medida que se aproxima do plebiscito que a deixará entre a independência e a integração à União (EUA), a ilha caribenha vê um de seus principais partidos dizer que pedirá a seus membros que reconsiderem – ou reafirmem – sua posição sobre o futuro político do território, realizando uma votação entre todos os habitantes. O anúncio de José Luis Dalmau, presidente do Partido Democrático Popular, segue uma proposta de um grupo de legisladores dos EUA de realizar um plebiscito vinculante dando aos porto-riquenhos três opções: tornar-se o 51º estado, tornar-se totalmente independente ou optar pela independência com liberdade associação – possivelmente mantendo a cidadania dos EUA e outros laços com o gigante ao norte, em situação não muito diferente da atual. A decisão pode ameaçar o futuro do partido de Dalmau, fundado na década de 1930 e definido por seu apoio ao status atual. Via AP.
Após um recorde de turistas em 2021, as consequências em 2022: a destruição de manguezais, pântanos e outras áreas costeiras, tudo por conta de projetos generalizados de pequena escala para atender à alta demanda da indústria de hospitalidade. Sob o slogan “Las playas son del pueblo!”, ativistas estão pedindo ao governador Pedro Pierluisi que declare moratória em todas as construções costeiras – demanda, no entanto, que o mandatário máximo da ilha vê como “excessiva”. Os moradores denunciam que as comunidades rurais costeiras precisam competir por espaço e recursos contra o desenvolvimento do turismo e seus impactos ao meio ambiente; também alegam que os efeitos dessa atividade predatória não são compatíveis com os modos de vida locais. No Conversation.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Polêmica à vista: órgãos de imprensa e de direitos humanos seguem preocupados diante da iminente promulgação de um projeto de lei que regula o “direito à intimidade e à honra” – o que, na visão dos críticos, pode dificultar a transparência em cargos públicos. A Sociedade Dominicana de Jornais disse por meio de seus representantes que a nova legislação é subjetiva e pode comprometer o trabalho jornalístico, aumentando um cenário de incerteza para a liberdade de imprensa no país. “Há pelo menos seis artigos que ameaçam a liberdade de expressão e, sobretudo, colocam em risco o trabalho da prática jornalística”. No Hoy.
URUGUAI 🇺🇾
Pouco entusiasmo com os EUA na recente Cúpula das Américas (saiba mais no GIRO 135#), acertos bilaterais entre latinos. Dias após o fiasco ianque em Los Angeles – em um encontro ao qual o próprio presidente Luis Lacalle Pou não pôde comparecer, após positivar para covid –, chanceleres de Uruguai e Brasil apertaram as mãos em um acordo de tarifa zero em zonas de livre comércio e áreas alfandegárias especiais, tratativa válida por um período de tempo ilimitado. As negociações haviam começado há algumas semanas e ganharam força após os chanceleres Francisco Bustillo e Carlos França assinarem a papelada na Cúpula. Entre as novidades, agora o paisito poderá, por exemplo, importar a famosa erva-mate “nos casos em que se encontrem limites máximos de cádmio”, isentando o produto de um padrão sanitário do Mercosul. O novo pacto comercial não acontece à toa: o governo Lacalle Pou vem tecendo duras críticas ao bloco sul-americano que integra ao lado de Brasil, Argentina e Paraguai, prometendo seguir negociações paralelas caso o modelo – que acredita ser “fechado” – não se altere. No Mercopress.
VENEZUELA 🇻🇪
Em busca de reforçar relações existentes e também aproveitar o contexto econômico e geopolítico favorável para refazer laços rompidos, o presidente Nicolás Maduro embarcou em um tour pelo Oriente Médio, passando por países como Catar, Irã e Kuwait. Além da charla diplomática, os encontros tiveram um tema em destaque: energia. Produtores de petróleo, a nação caribenha e os países anfitriões têm interesse em pensar em novas novas soluções para o comércio de commodities, sobretudo no momento em que o mundo tem fechado as portas para o produto russo. O líder chavista não voltará de mãos vazias: em solo irianiano, assinou um acordo de cooperação com validade de 20 anos, reforçando o interesse mútuo em contornar sanções dos EUA. Já no Catar, agora fora do campo energético, Maduro anunciou uma rota área entre Caracas e Doha. O motivo? A Copa do Mundo de 2022, é claro, mesmo que a Venezuela não tenha se classificado para o torneio – aliás, permanece como a única seleção da Confederação Sul-Americana que jamais disputou a Copa. Via AP
Juan Guaidó, um dia o cavaleiro da esperança da oposição, foi hostilizado e expulso aos empurrões de um restaurante – além de ser tirado do estabelecimento, o claudicante líder antichavista também foi alvo de objetos arremessados. O Centro Nacional de Comunicação, conta oficial de imprensa da oposição, disse que o ataque “de quadrilhas chavistas armadas” teria sido liderado por um ex-deputado governista. Apesar das agressões, Guaidó seguiu seu esvaziado tour nacional, ainda tentando recuperar o prestígio político perdido nos últimos anos. No UOL.
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