Colômbia: militares confessam massacres de civis
E mais: GIRO participa do 'Medo e Delírio em Brasília' para falar de militares colombianos e política. Escute em 'Un sonido'
“Montamos um teatro para mostrar um suposto combate, pela pressão dos altos comandos. Assassinei familiares dos que estão aqui”, confessou o ex-cabo colombiano Néstor Guillermo Gutiérrez em audiência realizada pela Jurisdição Especial para a Paz (JEP), órgão responsável pela reparação das vítimas do conflito armado na Colômbia. As inéditas confissões de 10 militares nesta semana abriram um novo capítulo no escândalo dos “falsos positivos” – o assassinato de pelo menos 6.402 civis dados como baixa de guerra pelo Exército durante 2002 e 2008, no governo de Álvaro Uribe Vélez. A política de extermínio premiava o desempenho de militares com base no número de guerrilheiros mortos. Os fardados revelaram como forjaram as mortes de camponeses, falsificaram documentos de inteligência, colaboraram com grupos paramilitares e colocaram roupas e armas para identificar os mortos como integrantes de guerrilhas. Apesar das descrições chocantes, os depoimentos dos militares deixaram dúvidas em aberto: durante as sessões, os familiares das vítimas levantaram cartazes com os dizeres “aqui faltou verdade” e “quem deu a ordem?”, em referência à responsabilização dos comandantes do alto escalão e do próprio Uribe pelos massacres.
As audiências da JEP ocorreram entre terça (26) e quarta (27) na cidade de Ocaña, na região de Catatumbo – zona de fronteira com a Venezuela e onde o Exército e os grupos armados se enfrentam há décadas, com um vasto histórico de abusos aos direitos humanos. Foi nesse palco que os militares chamados à tribuna assumiram a implicação na morte de 120 civis durante sua atuação em Catatumbo. “Foram assassinatos cometidos contra seres humanos inocentes, que não tinham qualquer vínculo com grupos à margem da lei”, admitiu o ex-sargento Mauricio Pérez Contreras. Apenas um militar de alta hierarquia participou das sessões: o general Paulino Coronado, que foi questionado pela juíza Catalina Díaz por não ter investigado as denúncias dos falsos positivos mesmo após as reuniões com líderes comunitários. Coronado deu uma declaração ambígua, aceitando a falta de iniciativa para apurar os crimes de guerra, mas ressaltando que não planejou nem ordenou os assassinatos cometidos pelos subalternos.
As feridas do conflito armado reabertas nesta semana somam-se às denúncias de um novo massacre em Putumayo, na tríplice fronteira com Peru e Equador (como contamos no GIRO #128). Na manhã do dia 28/3, uma operação militar deixou ao menos 11 pessoas mortas, incluindo um menor de idade e uma mulher grávida, em uma comunidade quéchua em Puerto Leguízamo. O evento por si só mostra como o problema segue latente: os familiares das vítimas asseguram que os mortos eram civis – e não guerrilheiros, como tinham dito as autoridades. Nesta terça (26), o ministro da Defesa, Diego Molano – que, na ocasião do ataque, celebrou a operação militar –, encarou uma moção de censura na Câmara pela chacina. Deputados da oposição criticaram as inconsistências na lista de mortos apresentada pelas Forças Armadas, com dois nomes a menos em relação ao que consta no relatório da Defensoria Pública. É a sétima vez que a oposição pede a renúncia de Molano, defendido pelos parlamentares governistas. O resultado da moção será conhecido na próxima semana.
No Congresso, ao lado do ministro, estava o general Eduardo Zapateiro, Comandante do Exército e recentemente envolvido em um bate-boca no Twitter com o presidenciável de esquerda Gustavo Petro (este foi o tema da coluna do GIRO no Podcast Medo e Delírio em Brasília, indicado em Un sonido). O general se irritou com as declarações de Petro sobre o suposto envolvimento do alto escalão militar com narcotraficantes. Em uma thread, Zapateiro disse ao presidenciável para deixar de lado a “politicagem com a morte de nossos soldados” e insinuou que o corrupto seria o próprio candidato da esquerda. “Não vi nenhum general na televisão recebendo dinheiro ilícito. Os colombianos viram você receber dinheiro em um saco de lixo”, escreveu na resposta. A declaração faz referência a um vídeo de 2005 em que Petro foi filmado recebendo maços de dinheiro em sacos pretos. No ano passado, a Corte Suprema mandou arquivar o caso, concluindo que não havia comprovação de origem ilícita do dinheiro; de qualquer forma, o crime já teria prescrito.
Diversos políticos se manifestaram sobre as declarações do general. O candidato centrista Sergio Fajardo disse que “nem o general Zapateiro e nem o presidente da República podem participar em política”. O artigo 219 da Constituição colombiana proíbe o voto e a participação política de membros ativos das forças públicas, enquanto uma lei de 2005 impede o presidente em exercício de se referir a candidatos nos quatro meses anteriores ao pleito. Os membros das forças públicas também não podem intervir “em atividades ou debates de partidos ou movimentos políticos”. Após as declarações do general, o Ministério Público abriu uma investigação preliminar para determinar se os tuítes de Zapateiro podem ser caracterizados como participação política. E lembrou que “as Forças Militares e Pública não são deliberantes”.
A efervescência de assuntos militares a um mês do primeiro turno da eleição presidencial – até agora, com Petro como favorito – também é um recado para o próximo presidente colombiano: o novo governo terá que decidir se faz uma reforma profunda na formação das Forças Armadas ou se continua endossando a política beligerante dos falsos positivos, dos massacres, da guerra contra as drogas e da violação aos direitos humanos.
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Un sonido:
O GIRO participou pela primeira vez do podcast Medo e Delírio em Brasília, conduzido pelo Cristiano Botafogo. Nosso editor Juan Ortiz falou sobre como o Brasil precisa olhar para a Colômbia quando o assunto é interferência dos militares na política.
DESTAQUES
🇵🇪 Aliados sugerem encurtar mandato de Castillo – Até a base aliada agora começa a vislumbrar alternativas para encerrar precocemente o mandato de Pedro Castillo, engolido em crises e eternas tentativas de derrubada: nesta semana, parte da bancada do Perú Libre, legenda do presidente, apresentou um projeto de reforma constitucional que encerraria o mandato do líder do Executivo e os mandatos do Congresso em julho de 2023. Tanto o presidente quanto os legisladores têm, pelas regras atuais, direito a permanecer em seus cargos até metade de 2026. A proposta de encerrar todo o ciclo político três anos mais cedo seria uma tentativa “constitucional” de resolver o impasse dos últimos meses: a oposição tem maioria no Congresso e inviabiliza uma série de iniciativas do governo, mas, ao mesmo tempo, não dispõe dos votos necessários para fazer avançar uma moção de vacância (processo semelhante ao impeachment) que poderia tirar Castillo do cargo – ele já sobreviveu, inclusive, a duas moções do tipo nos nove meses desde que tomou posse. A nova proposta – assinada por oito dos 33 congressistas do Perú Libre – é justificada pela constatação de que “a desaprovação tanto do Presidente da República quanto do Congresso é alta”, concluindo que “a solução seria a realização de novas eleições gerais”. Em La Jornada.
🇨🇷 Hackers agora miram setor privado – A Costa Rica segue lidando com os impactos do ciberataque sofrido na semana passada (leia no GIRO #128) e passou a colocar em prática planos de contingência para garantir a normalidade dos pagamentos de pensões, dívidas, bolsas, salários e outras operações financeiras do governo, após uma série de prejuízos milionários causados pela impossibilidade de utilizar os sistemas hackeados do Fisco e de aduanas. Sem negociar com o grupo Conti, acusado pelos ataques, a Costa Rica viu os documentos sequestrados seguirem sendo vazados nas redes, e diz que segue em “estado de alerta”, mas sem observar novas invasões nos últimos dias. Enquanto isso, o próprio Conti voltou atrás em uma afirmação anterior e anunciou uma “mudança de tática”, dizendo que passaria a atacar o setor privado do país, mas sem anunciar publicamente quais seriam as vítimas em potencial. No CRHoy.
🇨🇱 Constituinte debate eutanásia – A Convenção Constitucional do Chile aprovou o texto sobre direito à “morte digna”. Desde 2014 em espera pela avaliação do Legislativo, a proposta recebeu 116 votos a favor e 24 contra, afirmando que “todas as pessoas têm direito a uma morte digna”, com a determinação de que “o Estado garante o acesso a cuidados paliativos a todas as pessoas com doenças crônicas avançadas, progressivas e limitadoras da vida”. A Constituinte, porém, não aprovou a parte do texto que abria caminho para “tomar decisões livres e autônomas” sobre a vida, formulação vista como a porta para liberar a eutanásia – embora a hipótese não tenha sido totalmente encerrada, a limitação à “morte digna” tornou o tema mais ambíguo e pendente de deliberações posteriores. Caso o dispositivo passe a valer um dia, o país pode se tornar o segundo da América Latina a legalizar a eutanásia, atrás da Colômbia, que despenalizou o procedimento em 1997 (mas só o regulamentou em 2015), em pacientes com doenças terminais. Na CNN Chile.
🇪🇨 Ex-presidente vira oficialmente refugiado; Justiça quer extradição – Semana agitada para o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017): de um lado, o Tribunal Nacional de Justiça assinou uma ordem para dar início ao processo de extradição do ex-mandatário, que hoje vive exilado na Bélgica – para onde se mudou tentando evitar uma ordem de prisão de oito anos que, segundo ele, é produto de “lawfare”. Mas, enquanto as pressões judiciais contra Correa seguem firmes em solo equatoriano, a semana mostrou que sua prisão segue improvável: o líder, agora, tem condição oficial de refugiado, status concedido dias antes da ordem de extradição ser confirmada. “Vão passar vergonha novamente”, disse Correa, ressaltando que as últimas decisões em Quito reforçam que ele está sendo perseguido. Em entrevista à agência AP, o ex-presidente não tirou de cena a possibilidade de ainda voltar ao país por meio da política – em 2021, ele chegou a ser lançado como candidato a vice na chapa derrotada de Andrés Arauz, mas, estando na Bélgica, teve o nome rejeitado pela comissão eleitoral por não fazer sua inscrição presencialmente. A chancelaria equatoriana, por sua vez, diz que segue à espera da confirmação da mudança de status por parte de uma fonte oficial em Bruxelas. Em El Comercio.
🌎 Casos de racismo explodem no futebol sul-americano – Não um, não dois, não três, mas pelo menos cinco episódios de racismo foram registrados contra torcedores brasileiros durante a 3ª rodada da Copa Libertadores, que aconteceu durante a semana. E – contrariando um infeliz estereótipo platino – os atos criminosos não vieram só de argentinos: além dos casos envolvendo torcedores de River Plate (que recebeu o Fortaleza), Estudiantes (também local contra o Bragantino) e Boca Juniors (que veio a São Paulo enfrentar o Corinthians), os episódios lamentáveis – em sua maioria pessoas imitando macacos – foram repetidos por equatorianos do Emelec, que recebeu o Palmeiras, e por chilenos do Universidad Católica, anfitriã do jogo contra o Flamengo. Após os atos, mais do mesmo: torcedores cobrando um posicionamento da Conmebol, os clubes atacados lamentando o ocorrido e nenhuma punição mais dura. O caso que ganhou maior destaque, porém, aconteceu em São Paulo: um dos hinchas xeneizes que destilou seu racismo contra torcedores do Corinthians chegou a ser preso pela polícia, mas saiu horas depois após pagar fiança – valor que, segundo o delegado responsável, teria sido desembolsado por alguém do Consulado argentino, ainda que a sede diplomática negue a informação. Já com o torcedor em liberdade, um amigo dele debochou da detenção: “aqui não deu em nada”, escreveu, usando um emoji de um macaco e postando uma foto junto ao colega recém-liberado. A polícia prometeu novas investigações. Após a repercussão dos casos, a Conmebol divulgou, na sexta (29), uma nota prometendo “aumentar e endurecer” as punições em casos de racismo, sem detalhar como fará isso – hoje, seu Código Disciplinar prevê uma multa mínima de US$ 30 mil para episódios de racismo, valor considerado irrisório no futebol.
Un clic:
MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) confirmou que mais de dois terços da população latino-americana já receberam pelo menos duas doses da vacina contra a covid-19, fazendo da região a vencedora da “corrida” vacinal no mundo. Apesar dos bons números, a entidade aponta que alguns países da região – como Haiti e Honduras – ainda não chegaram sequer à meta de imunizar 50% de seus cidadãos. A diretora da organização, Carissa Etienne, exaltou a importância da vacina: “funcionam e são muito seguras”. No portal da Opas.
ARGENTINA 🇦🇷
A pior inflação desde a crise de 2002 está fazendo o governo buscar maneiras de subsidiar alguns itens essenciais para a população com mais dificuldades – o que, na Argentina, inclui também o financiamento da erva-mate para preparar a bebida que é uma paixão nacional. O Ministério de Seguridade Social aprovou a compra de 1.600 toneladas do produto por 643 milhões de pesos (R$ 27 milhões no câmbio oficial). Estima-se que os argentinos bebam, em média, 100 litros de mate a cada ano, e o preço do quilo da erva subiu 4,2% só no mês passado. Ao todo, a inflação mensal na Argentina bateu em 6,7% em março, com projeção de uma situação ainda pior na sequência do ano. Em El País.
BOLÍVIA 🇧🇴
A economia mundial já vinha dando sinais de crise mesmo antes da pandemia. Com a crise sanitária e a subsequente guerra na Ucrânia, índices inflacionários dispararam ao redor do continente – mas não tanto para a Bolívia, um dos países que mais cresceu economicamente no pré-coronavírus. Com uma política monetária forte, subsídios e restrições à exportação, o país do altiplano tem conseguido uma verdadeira façanha em meio a uma América Latina de preços que sobem a todo instante e até aqui não vive uma escalada na inflação, como detalha a BBC.
Com direito a atrações internacionais, trono e bebidas atiradas ao chão para la pachamama (um costume andino que consiste em umedecer o solo ou espaço a pedido de algo, fortuna ou proteção, para a mãe terra, pachamama), uma festa quinceãnera, ou baile de 15 anos, movimentou a comunidade boliviana de São Paulo. Não é pra menos: estima-se que a festa da adolescente Lizti Rivera reuniu por volta de 6 mil bolivianos. Além dos tantos convidados, a quince promoveu shows internacionais latinos, como o grupo peruano Titanios, o Jambao, famoso representante da cumbia argentina, e a cumbia sureña (do sul do Peru) do grupo Los Capos, cujo integrante Claudio Armando foi escolhido como o príncipe de valsa de Litzi. No UOL.
CHILE 🇨🇱
Em menos de dois meses na presidência, o presidente Gabriel Boric passa por desafios bem conhecidos pelo seu antecessor Sebastian Piñera: baixos índices de popularidade e uma intensa paralisação dos caminhoneiros por todo o país. No cenário de bloqueios nacionais, os transportistas exigem maior segurança e policiamento nas estradas, reivindicação antiga que ganhou mais força nos protestos após um caminhoneiro ter sido baleado na cabeça na região sul do país. Além do episódio, o reajuste nos preços dos combustíveis também é uma das pautas das manifestações, que interrompeu o trânsito em estradas de todo o Chile. Reflexo das manifestações e crises em um país que aguarda pela nova Constituição, a popularidade de Boric despencou de 50% para 36% desde que assumiu o cargo, há 50 dias. No G1.
Dale un vistazo:
📽️ Manco Cápac – O filme Manco Cápac, referência ao nome do fundador do Império Inca, tem a cidade de Puno (capital folclórica do Peru) como cenário para a produção e retrata uma realidade conhecida por muitos andinos: a de migração. Indicado para ser o representante do Peru no Oscar 2022, o longa-metragem conta a história do jovem camponês Elisban, que migra para a cidade grande em busca de uma vida melhor. Melancolia, desesperança e solidão são características da narrativa que procura, através de Elisban, mostrar a realidade social de milhares de pessoas invisibilizadas em todo o país, em uma rotina de sofrimento e luta pela sobrevivência. O filme pode ser alugado pelo Vimeo.
📽️ ‘Manco Cápac’ (Peru, 2020). 92 minutos. Dir.: Henry Vallejo.
COSTA RICA 🇨🇷
Com posse marcada para 8/5, o presidente eleito Rodrigo Chaves deve apostar em uma guinada diplomática estratégica: retomar relações com lideranças latino-americanas que vinham sendo alvo de rechaço por parte do governo de Carlos Alvarado. Ainda que conservador e obviamente à direita do social-democrata que deixa o poder na próxima semana, Chaves, economista, quer se reaproximar do governo vizinho de Daniel Ortega, com quem os ticos têm relações econômicas contundentes. No campo diplomático, porém, a coisa degringolou após 2018, ano em que a crise sociopolítica sob Ortega se acirrou: além de condenar a repressão política dos sandinistas, San José passou a receber milhares de nicaraguenses que fugiam da crise, o que só dificultou o contato entre os dois países. Quanto à Venezuela, cujo governo a Costa Rica sequer reconhece, o novo governo diz que retomar contatos ainda é uma “possibilidade” em avaliação. No Nación.
CUBA 🇨🇺
Nem uma semana se passou desde o mais alto encontro diplomático entre Havana e Washington desde o governo Obama (2009-2017) e as fagulhas já voltaram. Na semana seguinte à conversa entre as partes, o governo cubano acusou os EUA de excluírem a ilha dos preparativos da nona Cúpula das Américas, que será realizada em junho, em Los Angeles. Em tom crítico, o chanceler Bruno Rodríguez exortou “respeitosamente” o secretário de Estado Antony Blinken a dizer se Cuba será ou não convidada. Via EFE.
De olho no crescente mercado de criptoativos, o Banco Central da ilha vai passar a emitir licenças para empresas que operam no setor a partir de 16/5. Segundo autoridades financeiras em Havana, a intenção é acompanhar o setor de perto. A medida vai valer “para operações relacionadas a atividades financeiras, cambiais e de cobrança ou pagamento, dentro e fora do território nacional” e leva em conta a “legalidade, oportunidade e interesse socioeconômico da iniciativa”. No Finbold.
EL SALVADOR 🇸🇻
O estado de exceção motivado pelo pico de violência de semanas atrás (saiba mais na edição #127) não vai acabar tão cedo: na segunda (25), o Congresso controlado pelo presidente Nayib Bukele aprovou em sessão extraordinária a prorrogação do status excepcional por pelo menos mais 30 dias. Com a decisão, garantias constitucionais básicas seguem anuladas, dando margem para que sérias violações aos direitos humanos sigam acontecendo. Além dessa medida, a Casa também deu luz verde para um decreto que autoriza o governo a ignorar os procedimentos para compras e contratos públicos durante o exercício do estado de exceção – uma permissão similar foi aprovada durante a pandemia, o que, apesar de facilitar a relocação de recursos para saúde, deu brecha para uma série de irregularidades. Em El Faro.
EQUADOR 🇪🇨
A um mês de completar seu primeiro ano no cargo, no próximo 24/5, Guillermo Lasso deve reformular seu gabinete: o presidente pediu que seus ministros deixassem os cargos à disposição do governo, sem precisar quais serão efetivamente mudados. A Presidência “está realizando uma avaliação de todo o seu gabinete e efetuando as mudanças que considera pertinentes”, limitou-se a dizer a secretaria de Comunicação, nas redes. Mudanças já foram anunciadas nas pastas de Defesa, de Energia e Minas, de Agricultura e Pecuária, e de Direitos Humanos. Uma das situações mais graves do ano inaugural de Lasso foi o aumento da violência relacionada ao narcotráfico, com registro de vparuis massacres em prisões do país que rapidamente figuraram entre os piores do continente. Não à toa, o Ministério de Defesa puxou a fila nas substituições: saiu o general Luis Hernández e entrou o também general reformado Luis Lara, ex-chefe do comando conjunto das Forças Armadas (2019-2021). Em La Tercera.
Un hilo:
GUATEMALA 🇬🇹
O país voltou a ver bloqueios de estradas e protestos massivos convocados pelo Comitê de Desenvolvimento Campesino (Codeca), órgão que representa os interesses de grande parte dos povos indígenas do interior guatemalteco. Manifestações foram registradas durante a semana em quase todos os 22 departamentos do país centro-americano, interrompendo o tráfego em estradas importantes que ligam a Guatemala aos vizinhos México e El Salvador. Entre as pautas da Codeca, a defesa dos territórios ancestrais e a oposição à privatização de bens e serviços, além de demandas contra a corrupção em um contexto em que o presidente Alejandro Giammattei está cogitando renovar o mandato da controversa procuradora-geral Consuelo Porras, acusada de desmantelar operações que implicavam o governo em escândalos. Outro estopim da nova rodada de protestos, como vem acontecendo em toda a região, é a inflação: “não é possível aguentar mais o alto custo da cesta básica e do combustível”, afirmou Manuel Marroquín, representante da entidade no departamento de Sololá. No Infobae.
Em tempos de isolamento diplomático, o governo Jair Bolsonaro tem acenado para a Guatemala, sobretudo pelas afinidades ideológicas com o homólogo e também ultraconservador Alejandro Giammattei. Além de ter enviado a ministra Damares Alves à capital guatemalteca, que no mês passado sediou o Congresso Ibero-Americano pela Vida e a Família (com conhecidas pautas da direita), o governo brasileiro também vem mantendo conversas entre as respectivas chancelarias. E, segundo as partes, o contato marca um “excelente momento das relações bilaterais” entre os dois países. Na Folha.
HAITI 🇭🇹
O governo brasileiro renovou o prazo para concessão de visto temporário e autorização de residência humanitária a haitianos, decisão publicada no Diário Oficial na terça (26) e que vale até dezembro. O Brasil alega que a medida garante “a continuidade da política de acolhida adotada pelo país desde o ano de 2012, motivada pela situação de calamidade de grande proporção e de desastre ambiental, com o agravamento da situação humanitária” no país caribenho. Em agosto passado, apenas um mês após ver seu presidente ser assassinado, o Haiti sofreu com um terremoto de magnitude 7,2 que varreu milhares de casas e deixou mais de mil mortos. Via Agência Brasil.
Do lado haitiano, as notícias seguem ruins e é certo que o êxodo populacional pode seguir crescendo: tomada por um contexto inesgotável de violência urbana, a capital Porto Príncipe vive uma nova onda de mortes em regiões periféricas nos últimos dias. A série de ataques da vez tem relação com um enfrentamento entre dois grupos armados que brigam pelo controle da região, uma tendência que vem na esteira do vazio de poder após a morte (ainda cheia de pontas soltas) do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021. Até aqui, pelo menos 18 pessoas morreram no conflito mais recente, e o número de moradores obrigados a fugir de suas casas já chegaria aos milhares. Na RFI.
HONDURAS 🇭🇳
“Não sou levado em conta”. A queixa é do vice-presidente Salvador Nasralla, líder do partido que ajudou a presidenta Xiomara Castro a costurar acordos para resolver uma tensa crise no Congresso pouco após receber a faixa presidencial (entenda o terremoto político no GIRO #116). Segundo Nasralla, nesses primeiros três meses de nova administração suas opiniões não vêm sendo consideradas na alta cúpula de decisões de Tegucigalpa. Reafirmando que entende que a decisão final será sempre de Xiomara – e que seu marido e ex-presidente, Manuel Zelaya, faz um bom papel como assessor político – o vice diz, no entanto, que para temas como geração do emprego, por exemplo, é necessário ouvir especialistas. “E entre esses especialistas, considero eu mesmo”. Além da importância para resolver a crise legislativa que antecedeu a posse de Xiomara, Nasralla foi decisivo durante a campanha presidencial: desistiu de sua própria campanha e se juntou à chapa como vice em um esforço bem-sucedido para garantir a vitória contra os governistas em um pleito que por lá tem turno único. Na Prensa.
Já extraditado aos EUA, onde enfrentará os tribunais por crimes de tráfico de drogas, o ex-presidente Juan Orlando Hernández (2014-2022) terá uma rotina restrita nas prisões federais estadunidenses: familiares, advogados e não mais que 10 amigos têm direito a visitar o antigo mandatário presencialmente. E, enquanto o julgamento não acontece, mais uma novela se desdobra do caso: segundo um furo da AFP, o detetive particular de JOH, Ángel Martínez, apresentou à Justiça dos EUA uma queixa contra o atual presidente do Congresso hondurenho, Luis Redondo, além de outros membros da administração Xiomara Castro. Segundo Martínez, que cobra uma indenização milionária, as duas autoridades “orquestraram uma perseguição” contra o próprio detetive, que foi acusado – segundo ele, de forma infundada – de ter ligações com o narcotráfico (o que o colocaria no mesmo balaio criminal do próprio ex-presidente extraditado que ele hoje representa).
Un nombre:
Napalpí – na língua do povo qom, no Chaco argentino, significa “lugar dos mortos” ou “cemitério”. A redução onde as populações originárias viviam por ali já carregava esse nombre macabro quando Napalpí passou a ser também, em uma triste coincidência, o local de um dos mais brutais massacres vividos por indígenas argentinos no século 20: em 19 de julho de 1924, mais de 400 pessoas dos povos moqoit e qom foram assassinadas por policiais civis e militares, além de latifundiários da região. A chacina de Napalpí voltou ao noticiário quase um século mais tarde porque, no último dia 19, a Justiça argentina deu início ao primeiro “julgamento pela verdade” do país: um processo que não tem acusados, pois todos já morreram, mas busca determinar oficialmente o que ocorreu e quais as responsabilidades históricas do Estado no episódio.
MÉXICO 🇲🇽
Novos dados oficiais divulgados pelo governo dão conta que o número de homicídios dolosos caiu de forma inesperada no primeiro trimestre de 2022 – 12,6% em relação a 2021 e mais de 16% se comparado ao mesmo período em 2020. Apesar da aparente melhora nos números gerais, porém, autoridades dizem que não há muito a celebrar: ainda que o último mês de março seja o menos violento desde 2017, também apresentou o mais alto patamar de homicídios nos últimos quatro meses. O último relatório revelou, ainda, que apenas seis regiões do país concentram metade das mortes violentas. No Animal Político.
Reforma eleitoral é a nova meta do presidente Andrés Manuel López Obrador, que apresentou uma série de propostas de mudança na quinta-feira (28): o plano incluiria o enxugamento do Legislativo (passando de 500 para 300 deputados e de 128 para 96 senadores), a substituição do atual órgão que coordena as eleições, a diminuição de legislaturas locais, mudanças no financiamento de campanha para não permitir mais aportes privados, a implementação do voto eletrônico em todas as áreas com acesso à internet, entre outras medidas – como, por exemplo, a redução da participação mínima para que o resultado do referendo de revogação do mandato do presidente tenha caráter vinculante; hoje, é preciso 40% de comparecimento, e a proposta quer reduzir para 20%. “Que deixemos para trás de uma vez por todas a história de fraudes”, bradou AMLO ao apresentar as sugestões. Por ter caráter de reforma constitucional, porém, a proposta presidencial só conseguiria entrar em vigor com uma supermaioria de dois terços dos votos do atual Congresso, uma proporção que a base aliada, embora majoritária, não possui. Em El Financiero.
Acabou a pandemia no México, ao menos no que diz respeito à definição de políticas públicas para lidar com o coronavírus: desde terça (26), o país se juntou à lista daqueles que consideram a covid-19 uma doença endêmica, a ser abordada de acordo com as expectativas sazonais de aumento de contágios. “No México estamos fechando o ciclo epidêmico e transitando para o estado endêmico”, explicou o subsecretário de Prevenção e Promoção da Saúde, Hugo López-Gatell, citando os baixos números de mortes e ocupação de leitos, e o alto índice de vacinação. No Expansión.
NICARÁGUA 🇳🇮
Seguindo a linha de uma decisão de novembro de 2021, o país anunciou durante a semana a expulsão de representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA), bem como a expropriação do escritório da entidade no país. Segundo o governo Daniel Ortega, que tem endurecido o discurso contra organismos estrangeiros – a quem acusa de desestabilizar seu domínio político – a OEA não passaria de um “instrumento político de dominação e intervenção” dos EUA. A determinação não assusta: no último mês, o então representante nicaraguense na entidade (que caiu logo em seguida), Arturo Yescas, quebrou o silêncio diante de seus pares e do mundo e, em uma mudança drástica de discurso, condenou a “ditadura” Ortega, as violações de direitos humanos e a repressão a presos políticos. No Sputnik.
PANAMÁ 🇵🇦
Após sofrer uma queda econômica brusca em 2020 (com o PIB caindo quase 18%, um dos maiores tombos da região), o país começa a ver os motores religarem: segundo o FMI, o Panamá verá um crescimento de 7,5% em 2022, seguindo números de retomada que já estavam entre os maiores no último ano após o afrouxamento das restrições. Um dos elementos que explica fortes variações negativas e positivas da economia panamenha é a grande dependência no Canal – cerca de 10% do PIB do país gira ao redor da ligação interoceânica –, por sua vez sensível às oscilações econômicas causadas pela crise sanitária. Na Prensa.
Ainda no campo econômico, novidades: a semana também viu o Congresso aprovar uma lei que regula o uso facultativo de criptomoedas. Um assunto ainda delicado, porém, já que a pequena nação centro-americana tenta se livrar da sanha de ser um paraíso fiscal muito procurado pelos ricaços que tentam esconder seus fundos em offshores. Em La Estrella de Panamá.
PARAGUAI 🇵🇾
Não é novidade que alemães vejam no distante Chaco paraguaio uma oportunidade de fugir da vida urbana e criar assentamentos dignos do século 19. Mas a nova onda de imigração germânica no Paraguai, com números que cresceram rapidamente em 2021, também acontece por outras razões: a BBC foi até as colônias remotas e mostrou, em um curto documentário, que muitas famílias endinheiradas viajam de mala e cuia para o interior do pequeno país sul-americano trazendo na bagagem discursos antivacina e (ironicamente) anti-imigração.
Una palabra:
Chakana – a união de dois termos do idioma originário quéchua forma a etimologia da palavra chakana: Chaka (ponte, de ligação) e Hanã (alto, grande). A chakana representa um meio de união entre o mundo humano e Hanan Pacha (o plano superior). Também chamada de “cruz andina”, o símbolo carrega muitos significados em todo o altiplano sul-americano, compondo a identidade dos povos andinos desde os tempos pré-colombianos. Sua forma lembra uma pirâmide com escadas em quatro lados, tendo um centro circular, em uma imagem que faria referência ao sol e à constelação do Cruzeiro do Sul. Segundo as cosmovisões andinas, a Chakana seria uma “ponte” rumo à sociedade ideal, uma conexão entre o que está em cima e embaixo, a terra e o sol – em suma, a humanidade e aquilo que é divino.
PERU 🇵🇪
“Estamos tentando fazer com que esse país não se torne uma Cuba ou Venezuela” foi o argumento usado por María del Carmen Alva, líder do Congresso peruano, ao descartar a proposta do presidente Pedro Castillo sobre consulta popular a fim de escrever uma nova Constituição. Proposta muito anunciada durante a campanha eleitoral, a reforma constitucional foi abandonada por Castillo em meio às várias crises que vêm paralisando seu governo, mas – ainda que a situação política não tenha exatamente melhorado – voltou a ser ventilada nos últimos dias. No Gestión.
PORTO RICO 🇵🇷
A ilha realizou no início da semana a primeira audiência pública sobre um projeto de lei que pode fazer a legislação do aborto andar para trás, consultando sobre um possível aumento de restrições relacionadas à interrupção da gravidez. Acredita-se que a ideia ande em sintonia com retrocessos apoiados por grupos conservadores nos EUA. Se aprovada, a medida vai proibir procedimentos a partir de 22 semanas de gestação ou no caso de um médico atestar a viabilidade do nascimento. A única exceção, comum mesmo em países latinos onde o acesso ao aborto é restrito, acontecerá caso a mulher corra risco de morte. Ao contrário do que acontece em outros estados dos EUA (sendo a ilha um estado livre associado à nação ao norte, com status diferenciado), a lei porto-riquenha atual não estabelece limite de prazo sobre esse direito reprodutivo. Na NBC.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
As autoridades confiscaram cerca de 1,4 tonelada de cocaína durante a semana, em uma das maiores operações antidrogas do ano, que manteve o padrão de envolvimento transnacional dos narcos: entre os detidos com os pacotes, havia cinco venezuelanos, um colombiano e dois cidadãos da própria República Dominicana. De acordo com a Direção Nacional de Controle de Drogas, só em abril já foram apreendidas quase cinco toneladas da droga, número próximo do primeiro trimestre inteiro, quando foram 5,9 toneladas. Segundo a versão oficial, o aumento não necessariamente estaria relacionado a um incremento do tráfico, mas a uma política de vigilância mais eficiente em parceria com “países amigos”. Via EFE.
URUGUAI 🇺🇾
Cenas macabras ao longo da rambla, a famosa avenida que margeia o Rio da Prata em Montevidéu: desde a semana passada, diferentes partes de um corpo humano foram sendo encontradas à beira da água. Primeiro, um torso. Depois, uma perna e um braço. E, finalmente, uma cabeça encontrada por pescadores próxima à badalada zona de Punta Carretas. Na quinta-feira (28), uma semana após o primeiro membro com pedaços de roupa aparecer, a polícia uruguaia realizou uma operação de busca e apreensão em uma casa no Barrio Sur a 200 metros da própria rambla, e deteve um homem que estava lá. Os investigadores acreditam que o homem foi esquartejado – talvez na própria casa – e depois lançado às águas. A suspeita sobre o local veio após câmeras de vigilância revelarem um grupo de pessoas empurrando um carrinho de supermercado nas cercanias, dentro do qual, acredita-se, já estavam os pedaços da vítima. As informações divulgadas oficialmente apontam que o morto era um homem de 44 anos que trabalhava com revenda de veículos e tinha um único antecedente criminal, em 2003, quando foi detido por tentativa de furto. Uma das linhas de investigação trabalha com uma possível conexão com o narcotráfico. No Telenoche.
O histórico conflito entre turcos e armênios acabou ganhando um novo episódio que respingou diretamente no governo uruguaio: em visita a Montevidéu, o chanceler turco Mevlüt Çavuşoğlu foi alvo de protestos da comunidade armênia e reagiu com um gesto associado a um grupo ultranacionalista de seu país. Após tomar conhecimento do caso, que ficou registrado em vídeo, o presidente uruguaio Luis Lacalle Pou afirmou que o gesto “deve ser fortemente criticado” e convocou o embaixador da Turquia no Uruguai para esclarecimentos. Çavuşoğlu estava no paisito no último final de semana para a inauguração da nova embaixada turca e os descendentes de armênios ficaram particularmente ofendidos com a data da visita: a véspera do aniversário de início do genocídio armênio nas mãos do então Império Otomano (que existiu no território onde hoje está estabelecida a República da Turquia), em 24 de abril de 1915. Via EFE.
VENEZUELA 🇻🇪
A Assembleia Nacional, controlada pelo chavismo, nomeou na terça-feira (26) os 20 magistrados que vão compor o renovado Supremo Tribunal de Justiça do país. Em janeiro, foi aprovada a redução no número de integrantes da Corte, que contava com 32 juízes, – pelo menos metade dos membros do novo Supremo já estava lá desde 2015. Em tese, o mandato dos juízes tem 12 anos de duração, embora o recente enxugamento do tribunal possa mudar esse quadro. A Justiça venezuelana é denunciada pela oposição e pelas Nações Unidas como um braço do governo na repressão e nas violações de direitos humanos no país. Via Reuters.
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