EXTRA: Evo Morales renuncia
Pressionado por militares, Evo encerra a presidência mais longa da história da Bolívia
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Evo Morales não é mais presidente da Bolívia. Às 16:51 de La Paz (17:51 de Brasília), o mandatário mais longevo da história do país entrou em rede nacional de rádio e televisão para anunciar sua renúncia ao cargo máximo boliviano, dando fim a 13 anos, 9 meses e 19 dias de sucessivos mandatos que – após as eleições do último 20/10 – ele pretendia seguir, no mínimo, até 2025. A saída de Evo ocorre um dia após a auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) indicar fraude no pleito vencido por ele, e uma hora após Evo perder, definitivamente, o apoio das lideranças militares bolivianas, que vieram a público pedir sua saída do cargo. Os clamores por renúncia se fortaleceram nas últimas horas, apesar de Evo Morales já ter aceitado os resultados da auditoria e convocado novas eleições no início da manhã deste domingo.
O ponto de não retorno foi atingido pouco antes das 16 horas de La Paz, quando o Alto Mando Militar dirigiu-se ao país em um pronunciamento de um minuto, “sugerindo” a Evo Morales que renunciasse ao seu mandato, “diante da escalada de conflitos que o país atravessa, velando pela vida, pela segurança da população e pela garantia do império da Constituição Política do Estado”. Imediatamente, nas redes sociais, começou a circular um vídeo do avião presidencial decolando do aeroporto de El Alto, em La Paz, gerando até especulações de que Evo estaria viajando à Argentina, onde pediria refúgio. Até o fechamento desta newsletter, não havia confirmação de que Evo efetivamente sairia do país ou para onde se dirigiria. Ainda sem confirmação oficial, também circulam vídeos de uma suposta ordem de prisão contra Evo e Linera.
Em sua fala, o agora ex-presidente qualificou sua renúncia como o resultado de “um golpe cívico-político-policial”. Na sexta-feira, antes de perder o apoio dos militares, Evo Morales já havia tido que enfrentar os primeiros amotinamentos policiais em cidades como Sucre e Cochabamba. Evo foi acompanhado por seu vice, Álvaro García Linera, que também deixou o cargo, afirmando que “o golpe de Estado se consumou”. Como a situação está em desenvolvimento e diversas autoridades estão renunciando a seus postos ao longo do domingo, ainda não há clareza sobre quem assumirá. Pela Constituição, em caso de vacância dos dois cargos, o comando do Executivo fica nas mãos de quem preside o Senado – até o momento, caberia à cientista política Adriana Salvatierra, também do MAS, partido de Evo. Com apenas 30 anos, Salvatierra tornou-se a mais jovem pessoa a presidir o Senado boliviano quando assumiu, no início de 2019.
Enquanto o presidente não se manifestava após a fala dos militares, uma chuva de renúncias dentro do MAS, seu partido, começou a indicar que o governo vivia seus momentos finais. Durante o dia, a Central Obrera Boliviana, principal sindicato do país, também havia abdicado do apoio a Evo, e o presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) já havia apresentado sua renúncia.
Milhares de opositores, policiais e civis, estão nas ruas de La Paz e outras cidades celebrando a queda do governo. Grupos ligados a Evo, sobretudo organizações indígenas, lamentam o ocorrido. Muitos movimentos têm no líder Aymara uma relação de representatividade. Apesar da polarização que tomou conta do país, o sucesso econômico da Bolívia sob a liderança de Evo é um fato. Com Evo, o país teve um crescimento médio de 5% ao ano na última década.
Internacionalmente, até agora, só o cubano Miguel Díaz-Canel e o venezuelano Nicolás Maduro se manifestaram de forma direta. Díaz-Canel chamou o episódio de “golpe violento e covarde da direita”. Já Maduro condenou “o golpe de Estado consumado contra o irmão presidente Evo”. O presidente salvadorenho Nayib Bukele, sem citar nomes, relembrou um tuíte próprio em diz “estamos vivendo o fim do ‘esquerda’ e ‘direita’”.
COMO A CRISE COMEÇOU
Leia as edições anteriores do Giro Latino e relembre nossa cobertura das eleições e da crise na Bolívia: #1 (12/10), #2 (19/10), #3 (26/10), #4 (02/11), #5 (09/11)
As eleições presidenciais bolivianas vinham sendo questionadas desde muito antes de o povo ir às urnas no último 20/10. Em fevereiro de 2016, Evo Morales havia sido derrotado por margem estreita em um referendo que permitiria sua reeleição para um quarto mandato consecutivo. No entanto, em novembro de 2017 o Tribunal Constitucional da Bolívia acatou um recurso de parlamentares aliados a Evo, dando luz verde para que o presidente buscasse concorrer mais uma vez, o que finalmente ocorreu.
Quando as eleições deste ano chegaram, porém, novos problemas se registraram. Embora carregasse bons resultados econômicos e um legado de estabilidade política, Evo engrossou as críticas de que estaria tentando se eternizar no poder indefinidamente – ele até garantiu que o próximo mandato seria o seu último mas, para a oposição, isso já não bastava. Nas eleições de 20/10, o estopim: quando a contabilização chegou a 83% dos votos apurados e Evo ainda não tinha margem para levar em primeiro turno, a divulgação dos números foi subitamente interrompida.
Ela só seria retomada no dia seguinte, já na casa dos 95% – agora, Evo Morales aparecia com a distância necessária para superar o opositor Carlos Mesa no primeiro turno. No fim das contas, Evo venceu por 47,1% contra 36,5% de Mesa. Na Bolívia, um candidato com mais de 40% dos votos leva a vitória sem precisar de uma segunda rodada eleitoral se superar o concorrente mais próximo por dez pontos. Morales tinha a vitória, mas não o reconhecimento: protestos imediatamente eclodiram em La Paz e outras cidades importantes do país, como Cochabamba, Sucre e Santa Cruz de la Sierra, tornando-se violentos conforme as semanas se passaram. Nesse meio-tempo, lideranças opositoras que não haviam concorrido nas eleições, caso de Luis Fernando Camacho, ganharam força. À direita do próprio Mesa, esses movimentos trazem ao primeiro plano grupos conservadores que, nas eleições, haviam ficado bem atrás dos dois principais candidatos.
Evo Morales concordou com o pedido da oposição de uma nova auditoria mediada pela OEA. Questionado por todos os lados, mas até então com apoio da maioria das Forças Armadas, Evo ainda parecia ter margem para manobra. Neste sábado (9), no entanto, a OEA concluiu que houve irregularidades na contagem. Inicialmente, o presidente anunciou a convocação de novas eleições e a substituição de todos os membros do TSE local, mas as pressões por sua saída continuaram crescendo e passaram a incluir os militares, culminando com o seu afastamento.
O Giro Latino é uma newsletter produzida por Girão da América, Impedimento e Fronteira.