Equador: indígenas pedem renúncia de Lasso e preparam novas mobilizações
Fantasma do ‘paro nacional’ volta a rondar governo de Guillermo Lasso. Representantes de povos originários alegam descumprimento dos acordos que deram fim aos protestos de junho de 2022
Vai começar tudo de novo? Menos de um ano após os protestos de junho de 2022, que balançaram o governo de Guillermo Lasso e deixaram um rastro de mortes na repressão aos manifestantes, os equatorianos voltam a crer que o filme pode se repetir: desde as últimas horas da sexta-feira passada (24/2), a poderosa Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) anunciou um novo rompimento do diálogo com Lasso e deixou claro que exigirá outra vez a renúncia do presidente. A novíssima rodada de manifestações já tem até data para voltar às ruas: a próxima quarta (8), aproveitando as mobilizações pelo Dia Internacional das Mulheres para recolocar no centro do debate as pautas da Conaie. Caso sejam bem-sucedidas, as novas manifestações podem outra vez ameaçar a continuidade do governo Lasso, que nesta quarta-feira (1º) viu a Comissão da Verdade, Justiça e Combate à Corrupção do Congresso equatoriano recomendar que o presidente seja submetido a um processo de impeachment.
Para a organização indígena, o gatilho para a remobilização é o descumprimento dos acordos firmados em outubro, que ajudaram a dar fim aos protestos do último ano após uma longa mesa de negociações. De acordo com Leónidas Iza, o líder da entidade, algumas das exigências centrais na lista de 218 itens seguiram estacionadas desde a assinatura do compromisso – o que incluiria até as mais emergenciais, que envolviam a concessão de auxílios e subsídios a famílias de baixa renda. No domingo (26), apenas dois dias após a convocação aos protestos, um novo ato de violência inflamou ainda mais a Conaie: Eduardo Mendúa, dirigente de Relações Internacionais da organização que ganhou notoriedade por denunciar publicamente os projetos petrolíferos do governo em áreas indígenas, foi executado com 12 tiros em sua casa em Sucumbíos, na Amazônia equatoriana – ele também era visado por sicários por atuar contra a mineração ilegal nessa mesma região. O pedido de justiça por Mendúa imediatamente se somou a outras bandeiras que a confederação originária já pretendia empunhar na próxima semana.
Por sua vez, a comissão legislativa que recomendou o impeachment de Lasso se baseia em acusações de corrupção: segundo a investigação, pessoas próximas ao círculo presidencial teriam cobrado propina para conceder contratos públicos. O relatório, concluído após se debruçar no assunto por sete meses, foi aprovado por seis votos a um em um grupo majoritariamente formado por congressistas de oposição. É o primeiro passo para que um afastamento do presidente seja considerado, mas para o processo começar a andar ainda é necessária a aprovação do relatório pelo plenário do Congresso, com maioria simples dos 137 deputados – além de luz verde da Suprema Corte, para só então a destituição propriamente dita ser votada. Em junho do ano passado, ainda no auge das manifestações, Lasso sobreviveu a outro (e, pelo menos por enquanto, único) processo de impeachment, então relacionado às ações do governo diante dos protestos. Na época, ele inclusive disse que não negociaria mais com a Conaie, postura que depois foi revista – levando aos acordos agora descumpridos que devem recolocar a entidade nas ruas.
A mobilização da próxima semana “ainda” não é um paro nacional, alertam dirigentes de outras entidades que também marcharam contra Lasso em 2022 e devem se fazer presentes nos atos. A liderança da Confederação Nacional de Organizações Campesinas Indígenas e Negras (Fenocin), por exemplo, chegou inclusive a pedir que a Conaie “pare de se intrometer” em suas discussões internas, sugerindo a existência de uma pressão de Leónidas Iza para haver uma escalada dos protestos nos próximos dias – o que estaria provocando divisões no grupo. O presidente da Fenocin, Gary Espinoza, inclusive foi destituído por um “golpe interno” impulsionado por alas próximas a Iza, que colocaram no cargo o dirigente indígena Hatari Sarango.
“É uma marcha nacional pelas mulheres”, disse Espinoza, limitando o escopo da participação de sua entidade, embora já não esteja claro se ele ainda será capaz de controlar o grupo após a contestada destituição. O autoproclamado Sarango reagiu às falas de Espinoza indicando que a Fenocin deve se colocar abertamente contra o governo: “[Gary], o povo já não te reconhece, ficaste sozinho igual ao teu presidente Lasso”. Apesar do desconforto com Iza e Sarango, Espinoza não descartou que após o dia 8 haja outras reuniões com a Conaie e com o Conselho de Povos e Organizações Indígenas Evangélicas (Feine) para – agora, sim – realizar atos mais sistemáticos cobrando a queda de Lasso.
Como costuma acontecer no Equador, é sempre bom ficar de olhos e ouvidos atentos quando a Conaie sobe o tom. Protestos semelhantes, quando evoluem para o temido paro nacional, invariavelmente levaram os governos em Quito a capitular diante das exigências das organizações indígenas – a confederação até leva fama pela força de suas mobilizações, tendo sido responsável por parar o país durante todos os governos democraticamente eleitos desde 1990; também por pressão das ruas, alguns deles não chegaram a terminar o mandato. Agora, com um pedido de impeachment sobre a mesa do Congresso e a Conaie se dizendo traída após o fracasso do acordo mais recente, Guillermo Lasso poderá ter uma missão muito mais complicada para apaziguar as ruas se a situação voltar a sair do controle.
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DESTAQUES
🇦🇷 Gripe aviária chega à indústria e exportações são suspensas – Seguem os impactos: após confirmar, na terça (28), o primeiro caso de infecção pela gripe aviária em aves industriais, o governo argentino decidiu suspender as exportações de carne de frango e ovos para o exterior. A informação foi confirmada pelas redes sociais pelo secretário de Agricultura, Pecuária e Pesca, Juan José Bahillo, que aproveitou o anúncio para dizer que “nossos produtos avícolas continuam seguros para os argentinos” e que “a suspensão das exportações atende aos requisitos das regulamentações internacionais”. Como explicado na penúltima edição do GIRO, o atual surto de gripe aviária já afeta ao menos 15 países das Américas, com ameaças crescentes ao ecossistema e aos setores comerciais, bastante dependentes da avicultura. Só na Argentina, o setor rende US$ 350 milhões em exportações. Como as más notícias não costumam vir sozinhas, foi uma semana ruim, também, no setor elétrico, após um apagão deixar 40% do país sem eletricidade. No Globo Rural.
🇳🇮 Comissão da ONU acusa Ortega de crimes contra a humanidade – Uma comissão investigadora destacada pela ONU para avaliar os atos do governo nicaraguense após os protestos de 2018, que desencadearam uma nova onda de repressão política que se estende até agora, apontou na quinta (2) que o governo Ortega teria cometido crimes contra a humanidade. “O objetivo é eliminar, por meios diferentes, vozes de oposição ou dissensão no país”, resumiu Jan Simon, que presidiu a comissão de especialistas. Como este GIRO detalhou na última semana, a crescente onda de autoritarismo na Nicarágua já encontra críticas à esquerda do espectro político latino-americano. Uma das facetas do cerceamento à oposição tem sido a relação cada vez mais hostil com a Igreja Católica: nos últimos dias, católicos reclamam que a Polícia Nacional passou a proibir religiosos de realizar as tradicionais procissões em várias cidades do país, exatamente durante as celebrações da Semana Santa. Na reportagem do El País, destaque para restrições impostas a várias igrejas cujos representantes estão às voltas com a Justiça pelas críticas feitas ao poder político. Um dos casos mais simbólicos é o do bispo Rolando Álvarez, recentemente condenado a 26 anos de prisão em um processo apontado como irregular – o clérigo chegou a integrar a lista de mais de 200 presos políticos enviados aos EUA e tiveram suas credenciais de cidadania retiradas, mas preferiu ficar no país.
🇨🇴 Após denúncias, Petro pede investigação de filho e irmão – “Investiguem meu filho e meu irmão então”. Foi mais ou menos com essas palavras que, na quinta-feira (2), o presidente colombiano pediu em nota ao procurador-geral, Francisco Barbosa, que não poupe esforços para apurar eventuais crimes cometidos pelos membros da família presidencial. O comunicado veio após uma série de denúncias veiculadas na imprensa: à revista Semana, Daysuris Vásquez acusou o ex-marido Nicolás Petro (filho do presidente) de receber propinas milionárias e até uma caminhonete em troca de favores políticos. Os envolvidos no esquema seriam o narcotraficante Samuel Santander López Sierra (de codinome “Homem Marlboro”) e os empresários Alfonso Hilsaca (“Turco”) e Juan Manuel Sarmiento. Já as implicações do irmão do presidente, Juan Fernando Petro, ainda não foram bem explicadas. Segundo o Alto Comissionado para a Paz na Colômbia, Danilo Rueda, haveria um “cartel de advogados” que cobrariam de presos até US$ 1 milhão para serem incluídos nas negociações de paz, com redução de penas ou anistia. Durante a campanha, o irmão de Petro virou alvo de críticas por fazer visitas a presos potencialmente extraditáveis – os encontros supostamente fariam parte do trabalho religioso de Juan Fernando. Em El Espectador.
🇨🇺 “Síndrome de Havana” não era ataque estrangeiro, indicam documentos – “Só confirmou o que já sabíamos”, bradou o vice-ministro de Relações Exteriores de Cuba, Carlos Fernández de Cossio, após um novo documento até então confidencial ser liberado pelo governo dos EUA, eliminando qualquer resquício de dúvida sobre a suposta “síndrome de Havana” ter sido causada por um governo estrangeiro. Vale recapitular: em 2016, funcionários da embaixada estadunidense na capital cubana relataram episódios de enxaquecas, náuseas, tonturas e lapsos de memória – sintomas que, depois, seriam descritos por mais de 1,5 mil diplomatas e espiões dos EUA ao redor do mundo. Desde então, porém, nenhuma investigação confirmou as hipóteses iniciais, de que algum dispositivo maligno teria causado o mal-estar, e cada vez mais ganhou força a suspeita de que tudo envolveu doenças pré-existentes ou incômodos eventuais, somadas a um condicionamento coletivo provocado pela divulgação dos primeiros casos – subitamente, qualquer problema corriqueiro virou a “síndrome de Havana”. Por fim, nos papéis que vieram a público nesta quarta (1º), as agências de Inteligência dos EUA admitem ser “muito improvável” que algum agente externo estivesse envolvido nos episódios, que no começo chegaram a ser atribuídos à Rússia e até a forças extraterrestres. Ouvido pela Reuters sobre a admissão norte-americana, Fernández de Cossio disse que a conclusão deu razão à versão sempre mantida por Havana de que tudo era uma “ficção científica” utilizada para “desacreditar Cuba” e arranjar novos pretextos para sanções. Washington não comentou.
🇬🇹 Novo processo é aberto contra jornalista preso; entidades pedem liberação – Sem saídas, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) voltou a pedir na terça (28) que as autoridades libertem o jornalista José Rubén Zamora, fundador do El Periódico, jornal de linha crítica ao governo. Detido no ano passado num processo com sérios indícios de irregularidades e interferências políticas (entenda o caso aqui), Zamora se viu no centro de uma polêmica que passou a ser considerada uma guinada autoritária do presidente Alejandro Giammattei – para além do caso do jornalista, cujo jornal trouxe vários escândalos que citam o governo, o mandatário também é acusado de colaborar com uma caçada judicial contra agentes anticorrupção no país, esta uma trama liderada pela atual procuradora-geral e aliada de Giammattei (saiba mais sobre esta outra novela). Manter Zamora preso, segundo a CPJ, é uma “tentativa clara dos promotores de intimidar e assediar um meio de investigação e os jornalistas que trabalham incansavelmente para expor a corrupção”. Na mesma semana, desdobramentos perigosos: um tribunal guatemalteco determinou a abertura de outro processo penal contra Zamora, dessa vez acusado de suposto crime de formação de quadrilha para obstrução de justiça. Em uma recente entrevista, o jornalista disse ter convicção que está “preso e isolado pelas 228 investigações documentadas sobre a corrupção do governo”.
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El Salvador começa a transferir presos para megaprisão com 40 mil vagas.
MAIS NOTÍCIAS
ARGENTINA 🇦🇷
Em plena crise de segurança pública, Rosario não está exatamente desacostumada a crimes violentos – mas o alvo da vez surpreendeu a todos: na madrugada de quinta (2), um supermercado pertencente à família Roccuzzo, da esposa de Lionel Messi, foi alvo de disparos de arma de fogo, e os bandidos ainda deixaram uma mensagem ameaçadora dirigida ao próprio astro do futebol. “Messi, estamos te esperando. Javkin também é do tráfico, não vai te proteger”, avisou o cartaz, que cita o prefeito da cidade, Pablo Javkin. Com o camisa 10 da Seleção Argentina em alta no país após a conquista da Copa do Mundo, em dezembro, a suspeita é que o alvo tenha sido escolhido para colocar as intrigas políticas locais em destaque e constranger o próprio Javkin, que diz acreditar que Messi não correrá perigo quando voltar à cidade-natal. No Terra.
BOLÍVIA 🇧🇴
Não há ingerência “em nenhum sentido”, disse, na segunda-feira (27), o presidente da estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), Carlos Ramos. As falas do dirigente vieram após denúncias feitas por um deputado da ala evista (leal ao ex-presidente Evo Morales) do governista Movimento ao Socialismo (MAS) contra Luis Arce Mosqueira, filho do atual presidente Luis Arce Catacora. Segundo o parlamentar, que chegou a pedir a abertura de uma investigação oficial (que não ocorreu até aqui), Mosqueira estaria negociando o minério boliviano com empresas estrangeiras. “As decisões tomadas dentro da YLB são projetadas dentro do plano estratégico corporativo, e esse é o caminho que traçamos para alcançar os objetivos”, disse Ramos. O governo Arce ainda não se pronunciou sobre o assunto. Enquanto isso, o deputado Héctor Arce Rodríguez (sem parentesco com presidente e filho), que fez a denúncia, disse na quinta (2) que entregou à Procuradoria-Geral as supostas provas que comprovariam o esquema. Em Los Tiempos.
CHILE 🇨🇱
A fim de conter o fluxo migratório no país, o governo do presidente Gabriel Boric designou desde segunda-feira (27) forças militares em vários pontos fronteiriços, especificamente nas divisas com os vizinhos Peru e Bolívia. Os cerca de 600 soldados devem atuar no extremo do mapa por pelo menos 90 dias, numa operação que pode ser prorrogada via aval do Congresso. Sobre o assunto, a ministra do Interior, Carolina Tohá, disse que ação militar nos limites da nação transandina visa apoiar a proteção na fronteira com um “bom controle” e não deter migrantes de forma truculenta (o discurso visa contornar críticas feitas ao governo Boric, acusado por alguns setores de avançar uma agenda de militarização avessa a suas promessas de campanha). O presidente também busca soluções para regularizar estrangeiros que entram no país – centenas por dia, muitas vezes sem documentação. Cerca de 7,5% da população chilena é composta de migrantes regularizados. Na BBC.
COLÔMBIA 🇨🇴
Não uma, não duas, mas três baixas ministeriais sacudiram o governo de Gustavo Petro durante a semana: na segunda (27), o presidente confirmou as saídas dos responsáveis pelas pastas da Educação, de Esporte e de Cultura. No centro nevrálgico da nova crise, a primeira dessa magnitude desde que o mandatário tomou posse em agosto de 2022, estão divergências em relação às reformas pretendidas pelo governo Petro, com destaque para uma que pretende alterar o funcionamento do sistema de saúde, dando maior controle ao Estado – na agenda de reformas para 2023, também seguem em pauta discussões que poderiam alterar as bases legais nas áreas de previdência e trabalho. Um dos principais críticos às propostas é o agora ex-ministro da Educação Alejandro Gaviria. Responsável pela Saúde em gestões anteriores, Gaviria, que também aponta ressalvas por questões fiscais, disse que alterar o formato atual dos planos de saúde seria “suicídio”. Petro segue defendendo seu plano. No Yahoo.
COSTA RICA 🇨🇷
Protestos em San José, capital do país, na terça (28), promovidos por nicaraguenses exilados. Em frente à sede do Banco Centro-Americano de Integração Econômica, um grupo enfurecido fez duras críticas à entidade financeira por conta das concessões de crédito feitas ao governo de Daniel Ortega. Para os manifestantes, muitos deles cidadãos que fugiram da Nicarágua por conta da crise política e social – alguns, inclusive, integrantes da lista de expatriados por Ortega –, o BCIE e seus representantes agem como “cúmplices da ditadura”. Dados do próprio banco revelam que Manágua é o principal destino dos recursos, recebendo pelo menos 33 projetos de investimento. Próspera para os padrões centro-americanos, a vizinha Costa Rica é o principal destino de migrantes nicaraguenses, quadro crescente que já levou o poder costa-riquenho a pedir apoio internacional em tempos recentes. No Nación.
Fumaça branca para um novo acordo comercial entre a Costa Rica e o Equador. Na quarta (1º), em um encontro na capital San José, o presidente Rodrigo Chaves recebeu seu homólogo equatoriano Guillermo Lasso, com quem resolveu os últimos detalhes da tratativa que, para Chaves, “mostra o caminho do livre-comércio frente a tendências protecionistas”. Ambos favoráveis a uma agenda econômica liberal, os mandatários apertaram as mãos a respeito de um plano que oferecerá aos ticos acesso preferencial a 97% dos produtos tipicamente exportados pelo Equador à Costa Rica, incluindo papel, têxteis e insumos para a pesca. Em contrapartida, os centro-americanos vão conceder a Quito vantagens no acesso a matérias-primas como aço e ferro, além de suprimentos médicos. No TicoTimes.
CUBA 🇨🇺
Depois do Chile, quem passa os últimos dias às voltas com incêndios florestais é a ilha caribenha. Na sexta (3), completaram-se duas semanas ininterruptas desde que a área de Pinares de Mayarí, na região oriental de Holguín, começou a arder. O incêndio já teria consumido quase 5 mil hectares, segundo dados não oficiais difundidos por veículos locais. O fogo também causa preocupação por estar se aproximando de Santiago de Cuba, a segunda maior cidade do país, onde vivem quase meio milhão de pessoas, e até drones vêm sendo empregados pelas autoridades para monitorar o avanço das chamas e eventuais estratégias de evacuação. Outro foco de incêndio, bem menor, destruiu cerca de 100 hectares de mata na província de Pinar del Río, no extremo oeste da ilha, mas foi controlado no domingo (26), após dois dias. Cuba vem convivendo com um número de incêndios acima da média em 2023 e, segundo as autoridades, uma seca atípica e ventos fortes vêm propiciando que o fogo se espalhe mais rapidamente, prejudicando o combate. Via Reuters.
Un nombre:
Q’pop – Em uma clara fusão de referências entre o pop coreano (k-pop) e o andino, nasce o Q’pop, ou Quechua Pop, o subgênero musical cantado em quéchua, idioma indígena mais falado da América do Sul. Por trás da criação que une a música contemporânea à cultura ancestral, está o peruano Lenin Tamayo, um jovem de 23 anos que difunde a família linguística milenar através das redes sociais, com clipes autênticos que envolvem elementos do folclore dos Andes. Com letras em espanhol e quéchua, o cantor e o Q’pop já se tornaram virais nas redes, como você pode conferir mais acima no sonido desta edição.
EL SALVADOR 🇸🇻
Pelo menos seis de cada 10 detentos dentre os mais de 65 mil que foram presos desde março do último ano, período que compreende a atual “guerra às gangues” promovida pelo governo, serão encaminhados ao Centro de Confinamento do Terrorismo, a megaprisão inaugurada no mês passado. A informação veio do ministro de Justiça e Segurança do país, Gustavo Villatoro, que durante entrevista também dobrou a aposta em relação ao decreto de estado de emergência que se arrasta há um ano e elimina garantias constitucionais (gatilho para violações de direitos humanos): “não vamos desativar [a medida] até sabermos que capturamos o último membro de quadrilha em território salvadorenho”. Na última semana, com direito a sua sempre exagerada propaganda, o presidente Nayib Bukele confirmou a transferência dos primeiros 2 mil presos à nova penitenciária. Em The Objective.
EQUADOR 🇪🇨
Nem dá para dizer que fugiu à regra. Fazendo jus ao bom histórico equatoriano no estádio do Maracanã, o Independiente Del Valle bateu o Flamengo nos pênaltis na quarta-feira (1º), sagrando-se campeão da Recopa Sul-Americana pela primeira vez. E com gostinho de revanche: o tira-teima continental reeditou a final de 2020, aquela com desfecho feliz para os rubro-negros brasileiros. Desta vez, após vencerem o primeiro jogo como mandantes pelo placar mínimo, Los Negriazules ficaram muito, muito perto de erguer a taça em terras cariocas no tempo normal, após passarem mais de 90 minutos se esquivando do bombardeio flamenguista. A reviravolta foi cruel: o gol chorado dos anfitriões foi marcado literalmente no último lance do jogo, pelo uruguaio De Arrascaeta. Peleador, o ‘Davi’ andino se segurou durante toda a prorrogação, para no fim ‘matar’ mais um gigante, como bem descreveu o El Comercio, em uma perfeita disputa de pênaltis, vencida por 5 a 4.
HAITI 🇭🇹
Morreu na segunda-feira (27) aos 88 anos o ex-primeiro-ministro Gérard Latortue (2004-2006), conhecido por assumir o cargo pouco depois da violenta crise social que levou à destituição do então presidente Jean-Bertrand Aristide. Jurista e economista, Latortue ganhou destaque pelo papel que exerceu no governo de transição, dando conta de levar o combalido país à realização de eleições gerais (este um dilema que a nação em eterna crise enfrenta mais uma vez, como explicado por este GIRO no último mês). Pelas redes sociais, o atual premiê Ariel Henry – curiosamente, ele próprio acusado de ser um empecilho à volta dos haitianos às urnas – lamentou a morte da antiga liderança, a quem se referiu como “um reformador, um patriota convicto, um eminente tecnocrata, uma voz para a mudança, para o desenvolvimento e defensor da democracia”. Na AP.
Yves Jean-Bart, o presidente da Federação Haitiana de Futebol que havia sido suspenso do cargo por alegações de abuso sexual contra jogadoras, anunciou na quarta (1º) que pretende retomar seu posto, após reverter um banimento vitalício através de um recurso no Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), em fevereiro. “Ele foi eleito presidente por quatro anos e seu mandato não acabou”, avisou Claude Ramoni, um dos advogados de Jean-Bart, que disse que o cartola também pretende processar os denunciantes por difamação. O julgamento que livrou Jean-Bart de qualquer punição, pelo menos na esfera esportiva, foi duramente criticado por entidades de direitos humanos que acompanharam as denúncias desde o início. Para a Human Rights Watch, o TAS não foi capaz de “oferecer proteção básica às testemunhas, apesar de saber que muitas atletas e funcionários da federação receberam ameaças de morte”, disse a organização em um comunicado. Jean-Bart, que está tratando um câncer fora do país, ainda não confirmou se volta ao Haiti, mas disse que pretende comandar a federação remotamente. A notícia de seu eventual retorno, ironicamente, veio logo após a seleção feminina do país fazer história no último dia 21/2 e garantir uma vaga inédita na Copa do Mundo da categoria, que será disputada este ano. Via AP.
HONDURAS 🇭🇳
Um dos principais assuntos que orbitam a política do país, a Cicih, sigla para Comissão Internacional contra a Corrupção e Impunidade em Honduras, deve começar a ser oficialmente reinstalada em março, para que os trabalhos sejam iniciados daqui a um ano. Foi o que disse na terça (28) o ministro de Transparência, Edmundo Orellana, que confirmou a chegada de um grupo especializado, ligado às Nações Unidas, que cuidará do caso. Além de devolver o país à interferência legal da comissão (cujo legado, no entanto, divide opiniões, como explicado pelo GIRO), as novas conversas entre Tegucigalpa e a entidade também buscam dar vazão a discussões sobre uma possível reforma constitucional, que contaria com o apoio da Cicih. Em La Prensa.
MÉXICO 🇲🇽
Após dias de negociações, o presidente Andrés Manuel López Obrador confirmou, na terça-feira (28), que havia se acertado com o bilionário da Tesla, Elon Musk, a respeito da construção de um planta industrial em território mexicano. Dias antes, AMLO chegou a ser duro durante uma coletiva de imprensa, rejeitando a ideia de levar o projeto da montadora de carros elétricos para o estado de Nuevo León, que fica não muito longe de Austin, Texas, sede global da empresa de Musk. “Se não há água, não há permissão [para a Tesla]”, disse, mencionando a atual crise hídrica na região cobiçada pela companhia. Em 2022, o estado nortista chegou a decretar estado de emergência pela seca, numa crise que afetou fortemente as empresas locais – o fato levou o governo a sugerir inicialmente que a planta fosse planejada para uma região mais próxima da capital. Reviravolta, porém, após Obrador e o magnata se falarem durante a semana e indicarem a escolha de Nuevo León: “há um entendimento”, disse o presidente, prometendo que o estabelecimento do novo projeto acontecerá diante de “uma série de comprometimentos ante a escassez de água”. Em El País.
O governo dos EUA enviou ao México um pedido formal pela extradição de Ovidio “El Ratón” Guzmán, filho do notório narcotraficante Joaquín “El Chapo” Guzmán, segundo informações que vieram a público na segunda-feira (27). Preso no início de janeiro na cidade de Culiacán durante uma violenta operação que fez quase 30 vítimas, Ovidio chegou a ter extradição negada inicialmente pelo governo mexicano. Na mira de Washington desde 2019, o herdeiro do cartel de Sinaloa é acusado pela justiça dos EUA de uma série de crimes associados ao tráfico de drogas. O sucessor de Chapo pode ter o mesmo destino de seu pai, que cumpre pena de prisão perpétua em território estadunidense desde 2019. Na CNN.
Una palabra:
Changa – Na região platina, em partes de Bolívia e Paraguai e até mesmo no sul do Brasil, a expressão se refere a um trabalho eventual, de curta duração – e, em alguns casos, ao dinheiro obtido pelo serviço. Derivam ainda expressões como o verbo changar e o substantivo changador. A etimologia é tema de debate há décadas: há quem defenda uma origem no português “jangada”, que teria cruzado os rios na fronteira do Rio Grande do Sul com Argentina e Uruguai no transporte eventual de couros, virando uma changada operada por changadores – com o termo logo vindo a se referir a outros serviços com características similares. Outra vertente defende que o termo teria raízes africanas, trazido para a região por escravizados que falavam línguas do grupo kongo, onde a palavra cyanga ou canga se referiria a uma ação ritmada com certa duração – fazer uma cyanga, assim, seria realizar qualquer tipo de ação relativamente previsível (inclusive um trabalho específico) com perspectiva de concluí-la em algum momento. Qualquer que seja a origem, porém, é bom cuidar onde a palavra está sendo usada: em Cuba, uma changa é uma piada ou uma brincadeira, e em Porto Rico, pode ser tanto o nome de um inseto que destrói plantas quanto, em linguagem mais coloquial, uma guimba de maconha.
PANAMÁ 🇵🇦
Uma série de promessas sem garantia de cumprimento. Foi isso que rendeu a conferência global Our Ocean (“Nosso Oceano”, em inglês), recebida pelo Panamá entre quinta (2) e sexta-feira, com o objetivo de ampliar áreas protegidas no mar para enfrentar as ameaças que atualmente pairam sobre a vida nas águas. Entre os compromissos anunciados no evento, um deles envolveu o próprio Panamá: em parceria com Estados Unidos e Fiji, foram iniciadas conversas para a criação de “corredores ecológicos de transporte marítimo”, segundo definiu o enviado especial da Casa Branca para o clima, John Kerry. Um corredor do tipo funcionaria limitando o trânsito a navios com baixa (ou nula) taxa de emissão de carbono, e o envolvimento do Panamá – em função do Canal e do número de barcos registrados com sua bandeira – poderia modificar o panorama de poluição gerada pelo transporte atual. Via AFP.
PARAGUAI 🇵🇾
“A integração regional deve liderar tudo, e a nossa, dentro do Mercosul, deve seguir os passos de Brasil e Argentina”, avisa o presidenciável (e favorito nas pesquisas) Santiago Peña, nome do situacionista Partido Colorado para as eleições do próximo dia 30/4. A declaração, em que se coloca em contrariedade ao presidente uruguaio Luis Lacalle Pou – adepto de negociações por fora do bloco –, veio em uma entrevista à jornalista Sylvia Colombo, publicada na terça (28). Peña também tocou em temas sensíveis, como a manutenção das relações com Taiwan em vez da China, e, mesmo sendo de uma sigla conservadora, manifestou confiança em trabalhar com o novo presidente brasileiro: “os governos anteriores de Lula foram muito bons para o Paraguai, e imagino que este também será”. O atual presidente paraguaio, e aliado de Peña, Mario Abdo Benítez, foi um dos líderes mais próximos do ex-mandatário brasileiro Jair Bolsonaro (2019-2022), cuja gestão foi marcada por um afastamento em relação a grande parte dos vizinhos latinos – mas não com Assunção. Via Folhapress.
PERU 🇵🇪
Uma história mal contada que rendeu imagens virais: uma múmia pré-hispânica foi apreendida pela polícia peruana no último sábado (26), após ser encontrada… na mochila de um entregador de alimentos. Julio César Bermejo estava em posse do que o Ministério da Cultura disse serem restos mortais com cerca de “600 a 800 anos”. O homem alegou que a múmia era propriedade de sua família há três décadas e que ele a considerava sua “namorada espiritual”, chamada carinhosamente de “Juanita”. Ainda segundo o entregador, os restos mortais mumificados teriam sido recebidos por seu pai como pagamento de uma dívida, e Bermejo decidiu mostrá-los a amigos antes de fazer a doação a um museu, motivo pelo qual estaria com a múmia pelas ruas de Puno, nos Andes. As autoridades, porém, desconfiam da versão e investigam se na realidade não seria uma tentativa de contrabando de algo que é considerado um patrimônio histórico do país. Após avaliar a múmia, o Ministério da Cultura concluiu que os restos mortais seriam de uma pessoa do sexo biológico masculino com cerca de 45 anos no momento da morte. Via AFP.
Protestos, repressão policial e 48 mortes. Feridas abertas no país que passa por (mais uma) crise política. “Estudava para ser médico”, conta o pai de uma vítima de 18 anos, assassinado em dezembro em meio aos confrontos em Andahuaylas. Entre a dor irreparável e a busca por justiça, sete famílias fazem parte de uma Associação de Familiares das Vítimas de Repressão em Andahuaylas e Chincheros, região de Apurímac. Elas lamentam que “não haja justiça, não haja ninguém para nos ajudar”. O país, em decorrência da instabilidade política instaurada após a tentativa frustrada de fechamento de Congresso e o subsequente impeachment do presidente Pedro Castillo (2021-2022), vive manifestações quase diárias. Em um único dia, registrou 17 mortes em confronto entre policiais e a população, que, desde dezembro, vai às ruas e exige a renúncia de Dina Boluarte, o fechamento do Congresso, e uma nova Constituição. Em dezembro, Boluarte – que se tornou a primeira mulher a presidir o Peru quando herdou o cargo de Castillo – chegou a declarar que as críticas que está sofrendo teriam conotação machista, e que sua renúncia “não está em jogo”. Em uma possível tentativa de restabelecer sua popularidade, recentemente a presidenta anunciou o lançamento de mais de 30 projetos público-privados no valor de quase US$ 9 bilhões, com o propósito de reviver a economia. No UOL.
PORTO RICO 🇵🇷
Um caso escandaloso: a ilha caribenha deve se despedir oficialmente nos próximos dias de seu único zoológico, cujo fechamento foi anunciado na segunda (27) após anos de denúncias de negligência e ausência de recursos. Localizado na cidade costeira de Mayagüez, o lugar (já inacessível ao público desde 2017, após a devastadora passagem dos furacões e com licença de exibição suspensa no ano seguinte por uma série de irregularidades) já estava na mira de ativistas ambientais, que protestavam contra as mortes de várias espécies durante o período, além do futuro incerto dos quase 300 outros animais que seguem lá. Além de encerrar as atividades do estabelecimento de uma vez por todas, autoridades devem iniciar investigações federais por maus tratos, baseadas em “questões levantadas por um longo tempo”, disse o governador Pedro Pierluisi. “O bem-estar animal vem em primeiro lugar”, completou. Pelo menos metade dos animais devem ser transferidos sem custos para o Colorado, nos EUA. Via AP.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
A Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) anunciou na quarta (1º), por meio de seu recém-eleito presidente Víctor Montagliani. a construção de um complexo esportivo em solo dominicano. A estrutura, que contará com um investimento de US$ 30 milhões, vai receber competições e iniciativas ligadas ao futebol, servindo como ‘casa’ da entidade esportiva no país caribenho, o que deve facilitar todos os países contemplados pela Concacaf em questões logísticas. Apesar de ser um país que não tem o futebol como paixão principal – o beisebol é de longe o mais popular –, a República Dominicana teria vencido a concorrência aberta aos 41 países-membro da Concacaf “por sua localização geográfica e tudo o que tem a oferecer”, afirmou Montagliani. O local para a instalação da nova estrutura ainda não foi definido. Na ESPN.
URUGUAI 🇺🇾
Sempre muito amigos, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e seu aliado e ex-mandatário uruguaio José “Pepe” Mujica (2010-2015) se encontraram na quarta (1º) em um evento que reuniu lideranças sindicais de dentro e fora do Brasil. Tratando de temas regionais, os dois ressaltaram a necessidade de “reconstruir e fortalecer” o Mercosul, bloco sul-americano que os países dos dois líderes integram ao lado de Argentina e Paraguai. Lula e Mujica já haviam se encontrado em Montevidéu, na chácara do ex-presidente do paisito, no final de janeiro. No Poder360.
VENEZUELA 🇻🇪
Parcialidade. É disso que o governo de Nicolás Maduro acusou o Tribunal Penal Internacional (TPI) na terça (28), quando, por meio de um comunicado, fez questionamentos diante do que chamou de “vínculos provados” entre a corte e ONGs venezuelanas que teriam fornecido ao TPI informações sobre autoridades do país. O poder chavista é alvo de investigação por ter supostamente cometido crimes contra a humanidade em 2017, no marco da repressão a protestos contra o governo. Em sua defesa, porém, Caracas alega conflito de interesse, fato que “põe em dúvida a devida imparcialidade e objetividade da referida corte”. A data tem motivo: terminou nesta semana o prazo dado à Venezuela para se defender da investigação, aberta oficialmente há dois anos. Novas etapas do processo são aguardadas para o próximo mês de abril. Via AFP.
Há 10 anos neste domingo (5), morria ainda no cargo máximo do país Hugo Chávez (1954-2013, os últimos 14 como presidente da Venezuela), das complicações de um câncer e uma infecção respiratória concomitante. Até hoje sob o comando do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Chávez, o governo agora encabeçado por Nicolás Maduro prepara atividades recordando a data e buscando enaltecer os dias do velho líder bolivariano. Convivendo com as mesmas críticas de levar o país a caminho de uma ditadura, Chávez teve sobre Maduro a vantagem de um período econômico consideravelmente melhor, com investimentos sociais impulsionados pelo petróleo – uma curva que apenas começava a se inverter na época de sua morte, mas se agravou ao longo da última década, fazendo a Venezuela viver um ciclo ainda não encerrado de desinvestimento, sanções internacionais e hiperinflação que levou a uma crise humanitária com mais de 7 milhões de emigrantes. A F24 recordou alguns eventos-chave dos 10 anos desde então.
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