Esquerda latina reage a expatriações na Nicarágua
Governos de Argentina, Chile, Colômbia e México abrem portas e oferecem cidadania a nicaraguenses acusados de ‘traição à pátria’; silêncio de outros países mostra que tema ainda é tabu na região
A crise política da Nicarágua comandada pelo regime de Daniel Ortega – que, nos últimos dias, retirou arbitrariamente a cidadania de centenas de opositores por “traição à pátria” – inspirou preocupação entre os canhotos da região: em resposta às medidas de expatriação, os governos de Argentina, Chile, Colômbia e México, todos comandados por lideranças à esquerda, ofereceram nacionalidade aos novos apátridas nicaraguenses. O teor das críticas, no entanto, segue longe do consenso.
Na terça (21), o chanceler argentino Santiago Cafiero, em nome do governo peronista de Alberto Fernández, disse que seu país está com as portas abertas para oferecer o status de cidadãos “a todos aqueles que também sofrem com o que acontece na Nicarágua”. O convite destacou a situação do premiado escritor Sergio Ramírez, que entre 1985 e 1990 foi vice do próprio Ortega – mas que, como muitos dos antigos aliados de Revolução Sandinista e até ex-combatentes, foi pintado como inimigo do orteguismo e acabou preso. Pelas redes sociais, Ramírez agradeceu a decisão argentina; dias antes, porém, chegou a cobrar os platinos por críticas mais contundentes em uma entrevista ao Clarín.
O convite feito aos expatriados se repetiu de forma não-oficial em uma fala do presidente chileno Gabriel Boric, que mais uma vez não poupou palavras para classificar seu homólogo nicaraguense no sábado passado (18). Para Boric, Ortega é um “ditador que não sabe que a pátria é levada no coração e nos atos, e não é privada por decreto”. Dias depois, o Ministério de Relações Exteriores do Chile finalmente emitiu um comunicado oficializando a medida, aproveitando para classificar de “injusta” a situação que enfrentam esses nicaraguenses “privados de suas nacionalidades e direitos políticos”. Além das 94 expatriações, articuladas pelo governo em Manágua após a aprovação de uma lei que avançou em votação-relâmpago no início do mês, Ortega também mandou para os EUA um grupo com 222 presos políticos, medida sem aviso que o próprio governo em Washington considerou unilateral.
Não menos importantes foram as falas do governo de Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda na história colombiana. Em gesto de solidariedade, Petro disse que a “América Latina deve ser um espaço sem presos políticos e sem presos sociais”, reforçando a necessidade de se condenar “toda violação aos direitos humanos”. Na quarta (22), a chancelaria do país também ofereceu cidadania a Sergio Ramírez. O escritor recebeu a visita do chanceler Álvaro Leyva, que disse ao nicaraguense que “a Colômbia livre e democrática o abraça e o acolhe em sua segunda pátria”. Ao lado dos ex-presidentes Juan Manuel Santos, da Colômbia (2010-2018), e Felipe González, da Espanha (1982-1996), ambos se encontraram durante a semana em Madri, onde Ramírez vive desde 2021.
Bem mais comedida foi a reação do governo do México. Referência histórica no que diz respeito à hospitalidade diplomática – o ex-presidente boliviano Evo Morales (2006-2019) foi recebido por lá após o golpe que o tirou do cargo, bem como o revolucionário soviético Leon Trótski, ainda antes da metade do século passado – o país recorreu à tradição: o presidente Andrés Manuel López Obrador apenas disse na quarta-feira (22) que “todos [os nicaraguenses expatriados] são bem-vindos”. Críticas diretas à escalada autoritária de Ortega ficaram de lado, por se tratar de “um assunto muito complicado”, segundo AMLO. Mesmo assim, o mandatário disse que seu governo segue acompanhando a situação das prisões políticas, em especial a detenção de Dora María Téllez, lendária guerrilheira sandinista, cuja situação na cadeia é cercada de denúncias de abuso aos direitos humanos.
Na turma dos que não quiseram se pronunciar, estão os governos de Luis Arce, na Bolívia, e de Xiomara Castro, em Honduras. O presidente boliviano foi criticado no Senado por seu silêncio ensurdecedor sobre as violações aos direitos humanos na Nicarágua. Nas redes, Arce apenas relembrou os 89 anos da morte de Augusto César Sandino (1895-1934), líder da causa revolucionária que depois foi cooptada por Ortega e seu projeto pessoal de poder. Já o governo hondurenho, o único dos citados até aqui que faz fronteira com a Nicarágua, evitou comentar o caso. O chanceler Eduardo Enrique Reina apenas aventou a possibilidade de conceder nacionalidade aos nicaraguenses apátridas, embora afirme que o país não recebeu solicitações do tipo. “Se algum nicaraguense pedir, podemos concedê-la sem a necessidade de envolver a questão política”, disse o ministro, tirando o corpo fora – outra prova de que o tema ainda não é um consenso entre os latinos.
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DESTAQUES
🇦🇷 Governo vê base aliada encolher no Senado – Em nova baixa num ano eleitoral que já começa quente, o governo argentino perdeu força no Senado durante a semana, após a confirmação, na quinta (23), de que quatro integrantes da base aliada deixaram o bloco que vinha apoiando o presidente Alberto Fernández. Já sem maioria absoluta, agora a coalizão governista Frente de Todos fica com 31 das 72 vagas na Câmara Alta do país. De olho nas eleições gerais marcadas para outubro, os senadores que tentam se desvincular do governo afirmaram que a debandada responde ao novo contexto “social, econômico e político” do país, que enfrenta uma inflação persistente que beirou os 100% ao ano em 2022 e disputas intestinas entre os próprios peronistas. O grupo também anunciou a formação de um bloco separado no Senado, autointitulado Unidade Federal, que nasce com a promessa de defender pautas específicas das províncias do país. Guillermo Snopek, representante de Jujuy que lidera a nova coalizão, escreveu à vice-presidenta Cristina Kirchner afirmando que tomava a decisão em função da “deterioração absoluta do Estado de Direito em minha província”, algo que o governo federal não teria conseguido frear apesar das esperanças depositadas originalmente em Fernández. No Página 12.
🇨🇷 Vídeos de escolta fortemente armada geram críticas de “militarização” na Costa Rica – Em um país famoso por não ter Exército desde 1948, o presidente Rodrigo Chaves apareceu esta semana escoltado por homens com armas de alto calibre e rifles de assalto, causando preocupação por difundir a imagem em canais oficiais do governo. “Fazer produtos comunicacionais normalizando a militarização não é algo que devemos aplaudir”, apontou o deputado Ariel Robles, da oposicionista Frente Ampla. Crítica similar foi feita pelo ex-presidente (1986-1990 e 2006-2010) e Prêmio Nobel da Paz (1987) Óscar Arias, afirmando que o vídeo é “repulsivo” e “não representa a idiossincrasia costa-riquenha”. Chaves se justificou dizendo que estaria recebendo ameaças de morte “todos os dias” por suas ações contra o narcotráfico. Há tempos o presidente vem dominando as manchetes de maneira pouco usual para um país tradicionalmente visto como uma exceção democrática na América Central: de supostos escândalos de corrupção ainda na campanha eleitoral a conflitos abertos com a imprensa, o mandatário coleciona polêmicas que ameaçam mudar a imagem que a Costa Rica tem de si mesma. Na CNN.
🇪🇨 Ex-presidente Moreno na mira da Justiça por corrupção – Uma complexa rede de corrupção transacional. É a nova acusação enfrentada pelo ex-presidente Lenín Moreno (2017-2021) e sua família, segundo informou na quarta-feira (22) a procuradora-geral equatoriana Diana Salazar. O caso, chamado “Sinohydro”, trata de possíveis propinas recebidas pelo círculo de pessoas próximas ao ex-mandatário em troca de favores para a construção de uma hidrelétrica. Os delitos, no entanto, teriam acontecido antes do tempo da antiga autoridade à frente do Palácio de Carondelet: segundo Salazar, as irregularidades são investigadas entre 2009 e 2018, quando o líder ainda ocupava a Vice-Presidência ao lado do então chefe de Estado (com quem Moreno rompeu anos depois) Rafael Correa. Pelas redes sociais, Moreno negou qualquer envolvimento. Em El País.
🇵🇾 Megaoperação antimáfias completa um ano com 14 acusados – A megaoperação contra organizações criminosas no Paraguai, a “A Ultranza PY”, voltou às manchetes durante a semana, após o promotor Deny Yoon Pak apresentar um requerimento acusando 14 pessoas de crimes relacionados ao narcotráfico internacional, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Entre os nomes citados na acusação divulgada nesta quinta (23), aparece Conrado Ramón Insfrán, irmão de Miguel Ángel Insfrán, que foi preso no último dia 9 no Brasil. O anúncio veio no dia seguinte ao primeiro aniversário da deflagração da operação, que desde então já apreendeu 87 imóveis, 13 aeronaves, mais de 5 mil cabeças de gado e US$ 1 milhão em joias, entre outras propriedades que teriam sido adquiridas com dinheiro obtido de forma ilícita. O caso também chama a atenção por ser a operação à qual estava vinculado o promotor Marcelo Pecci, executado em maio de 2022 durante uma viagem à Colômbia, em um crime transnacional que segue gerando prisões em diferentes países da América Latina – incluindo a de Miguel Ángel Insfrán no Rio de Janeiro há duas semanas. No ABC Color.
🇵🇪 Alejandro Toledo será extraditado – Os EUA autorizaram e o ex-presidente peruano Alejandro Toledo (2001-2006) deve ser extraditado para seu país natal, onde vai enfrentar a Justiça pelos vários crimes de corrupção dos quais é acusado. A informação foi confirmada pelo Departamento de Estado dos EUA na terça (21) e é considerada uma manobra incomum por parte da Casa Branca (no que se especula ser um gesto de aproximação). O antigo mandatário cumpre prisão domiciliar em solo estadunidense desde 2019 e enfrenta acusações de “crimes de conluio e lavagem de dinheiro”, informou a Procuradoria-Geral peruana, ao dizer no mesmo dia que já estava ciente da movimentação. A defesa de Toledo disse que entrará com um recurso para reverter a extradição. A semana, por sinal, não foi das melhores para antigos mandatários: quem também se viu (mais uma vez) às voltas com a Justiça foi o ex-presidente Pedro Castillo (2021-2022), que na terça (21) passou a ser oficialmente investigado por corrupção. Na BBC.
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BOLÍVIA 🇧🇴
Alegando ter encontrado uma rede de contas falsas vinculadas aos governos de Bolívia e Cuba, a Meta – empresa que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp – anunciou na quinta-feira (23) o fechamento de diversos perfis operados a partir dos dois países. A maioria deles, cerca de 1,6 mil, estava em solo boliviano, e teria ligação com o partido governista, o Movimento ao Socialismo (MAS), criados após a volta da sigla ao poder em 2020, na sequência do golpe de Estado que derrubou Evo Morales (2006-2019) no ano anterior. O objetivo das páginas, que na Bolívia atingiam cerca de 2 milhões de seguidores, seria criticar opositores. A ministra da Presidência da Bolívia, María Nela Prada, criticou a empresa por não ter consultado as autoridades do país sobre o tema e questionou os critérios utilizados para chegar à conclusão de que haveria vinculação dos perfis com o governo. “É preciso exigir transparência a respeito das políticas que [a Meta] adota e das determinações arbitrárias que toma”, disse. No Correo del Sur.
CHILE 🇨🇱
O TPP-11, como é conhecido o Acordo Transpacífico de livre-comércio, entrou em vigor no Chile na segunda-feira (20), dois meses após os últimos trâmites do ingresso do país serem finalizados. Criado em 2018, o acordo vinha sendo criticado pela esquerda chilena por reduzir a “soberania econômica” dos países-membros e facilitar as ações judiciais contra os Estados. O próprio Gabriel Boric, hoje presidente do Chile, era contrário ao acordo quando deputado, mas disse que respeitaria a decisão do Congresso de ratificar o tratado. O TPP-11 reúne cerca de 13% do PIB mundial e, além do Chile, também tem como signatários Austrália, Brunei, Canadá, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietnã. Via EFE.
Buscando democratizar o acesso à Justiça, o Chile anunciou o lançamento de uma iniciativa para traduzir termos jurídicos fundamentais a idiomas originários do país. Em um primeiro momento, serão produzidas cartilhas em mapudungún, rapa nui, aymara e quéchua, com planos para posteriormente expandir o projeto para as línguas de outros seis povos reconhecidos entre os principais do país pela Lei de Desenvolvimento Indígena de 1993. “Não posso buscar a Justiça em termos substantivos se não compreender o que tenho de fazer, por que o faço e quais serão os resultados possíveis”, defende a ministra e porta-voz Ángela Vivanco, da Suprema Corte do Chile, que vem liderando a iniciativa. “O Chile tem unidade como país, mas essa unidade não pode ignorar o fato de que existem diferentes grupos que têm culturas, línguas nativas e individualidades”. Via El País.
COLÔMBIA 🇨🇴
O governo colombiano anunciou, na quarta (22), que o país vai pedir, em parceria com a Bolívia, que a Comissão de Narcóticos da ONU reveja a classificação atualmente dada às folhas de coca: povos originários de ambos países usam planta desde tempos ancestrais e querem que a folha seja removida da lista internacional de substâncias proibidas. Além de uma importância cerimonial, a folha de coca também é valorizada pelas populações indígenas por suas propriedades no combate a dores digestivas e para suportar melhor o ar rarefeito na altitude. Laura Gil, a vice-ministra colombiana de Assuntos Multilaterais, confirmou que o pedido deve ser feito na próxima sessão da comissão, marcada para meados de março, e enfatizou: o pedido vale “apenas para a folha, não para a cocaína” obtida a partir da planta. Via Reuters.
CUBA 🇨🇺
No embalo da normalização das relações diplomáticas após os anos de Jair Bolsonaro (2019-2022), o Brasil designou seu novo embaixador em Cuba, após o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) aprovar a indicação na quarta (22). Christian Vargas ficará responsável pelo cargo depois de um hiato longo: há pelo menos sete anos, o país tem como máxima autoridade na ilha apenas um encarregado de negócios, seguindo um contexto de distanciamento que se iniciou após a queda de Dilma Rousseff (2011-2016), jamais aceita por Havana (à época ainda governada por Raúl Castro), e que desceu alguns degraus durante o governo Bolsonaro. Além de Cuba, a Venezuela também tem voltado à rota diplomática deste Brasil sob nova direção. Na Folha.
Dale un vistazo:
🗞️ El Faro é premiado com história de família que teme ser presa em estado de exceção – O estado de exceção decretado em El Salvador para combater as gangues do país está às vésperas de completar seu primeiro aniversário – com um saldo de quase 2% da população adulta colocada atrás das grades e, a despeito de uma miríade de denúncias de violações de direitos humanos, apoio de grande parte dos salvadorenhos, como contamos na edição passada. Mas, em meio a uma reforçada sensação de segurança, a sanha punitivista do governo de Nayib Bukele vem atropelando até mesmo inocentes, pegos no meio da guerra às pandillas e com poucas opções de demonstrar que não estão vinculados às organizações criminosas. Nesta semana, uma reportagem publicada em agosto pelo portal El Faro recebeu o Prêmio Ortega y Gasset, um dos mais prestigiados do jornalismo em língua espanhola, contando exatamente uma história como essa: a de uma família que nada deve à Justiça, mas, por uma série de erros do Estado que vêm desde antes do atual estado de exceção, segue em fuga pelo país, temendo acabar na cadeia sem direito a explicar sua situação. Confira a matéria premiada clicando aqui.
EL SALVADOR 🇸🇻
Como os abusos aos direitos humanos cometidos na onda de detenções parecem não ser suficientes para o governo de Nayib Bukele, mais um entrou na lista: em comunicado na quinta (23), a Human Rights Watch (HRW) relembrou que o Congresso do país, sob controle governista, ignorou o prazo de um ano dado pela Suprema Corte para criar procedimento legais de reconhecimento de gênero, medida voltada especialmente para pessoas transgênero. O alerta da ONG ecoa os pedidos da organização COMCAVIS Trans, principal entidade à frente da população LGBTQIA+ no país, que lembrou que o próprio Judiciário determinou em fevereiro de 2022 que a Constituição salvadorenha proíbe a discriminação com base na identidade de gênero. Não cumprir com o prazo, segundo representantes do grupo, “é grave não apenas por seu aparente desrespeito aos direitos das pessoas trans, mas também pelos freios e contrapesos democráticos ao Estado de Direito, que foram atacados pelo presidente Nayib Bukele e seus aliados”. No site da HRW.
GUATEMALA 🇬🇹
Como tem acontecido ao longo do mês, terminou mais uma vez em protesto a polêmica decisão da Justiça do país de impedir a candidatura à Presidência da líder indígena Thelma Cabrera, acompanhada na chapa pelo ex-procurador de Direitos Humanos do país, Jordán Rodas. Na terça (21), movimentos sociais marcharam em diversas cidades em rechaço à determinação, exortando o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) a rever a medida que passou a proibir a dupla de concorrer nas eleições deste ano. Dias antes, as altas cortes do país haviam rejeitado um recurso apresentado por Cabrera e Rodas – este um desafeto pessoal do atual presidente Alejandro Giammattei, motivo que gera dúvidas sobre a lisura do impedimento eleitoral. Segundo o TSE, órgão que originalmente baniu a candidatura, a chapa teria esbarrado em problemas de documentação, acusação que o partido de esquerda, o Movimento pela Libertação dos Povos (MLP), alega ser improcedente e motivada por razões políticas. O tema ganha ainda mais caldo à medida que outras duas candidaturas, também às voltas com a Justiça, conseguiram reverter o impedimento para se lançar à Presidência. Guatemaltecos vão às urnas para escolher um novo binômio presidencial, além de deputados e prefeitos, em 25/6. A Human Rights Watch (HRW) vê o processo eleitoral com desconfiança, segundo um recente relatório. No Opera Mundi.
HAITI 🇭🇹
Orgulho histórico: a seleção feminina de futebol do Haiti conquistou, na terça-feira (21), uma vaga inédita para a Copa do Mundo da categoria, que será disputada entre julho e agosto deste ano na Austrália e na Nova Zelândia. A classificação veio após uma vitória por 2 a 1 sobre o Chile, em partida de repescagem disputada na cidade neozelandesa de Auckland – os dois gols do triunfo foram marcados pela jovem Melchie Dumornay, de 19 anos, que atua no futebol francês. O feito haitiano vem 49 anos depois da única vez que o país figurou tão alto no esporte mais popular do mundo: em 1974, os homens do Haiti também apareceram em uma Copa, perdendo os três jogos em uma chave duríssima que envolveu Argentina, Itália e Polônia. Desta vez, as mulheres haitianas vão tentar a sorte em um quadrangular igualmente complicado, com Inglaterra (atual campeã europeia) e China (atual campeã asiática), além da Dinamarca. O feito também vem para devolver a esperança ao futebol feminino em um país que conviveu com escândalos e denúncias de abuso sexual contra jogadoras em anos recentes, um caso que teve desdobramentos judiciais nas últimas semanas e uma absolvição amplamente criticada por organizações de direitos humanos envolvidas na acusação original. Além do Haiti, a América Latina também estará representada na Copa do Mundo feminina por Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica e Panamá (esta também fazendo sua estreia no torneio, após superar o Paraguai).
Un hilo:
HONDURAS 🇭🇳
Por mais tempo – e agora, com maior cobertura. Dando sequência a seu controverso plano de combate às gangues, o governo de Xiomara Castro confirmou na terça (21) a segunda prorrogação do decreto de estado de emergência, medida que desde dezembro do ano passado mantém o país sob alerta e suspende algumas garantias constitucionais, aumentando o poder de atuação de forças de segurança. Além estender a determinação por mais 45 dias, o governo também aumentou a abrangência do decreto: a partir de agora, um total de 123 municípios ficarão sob o guarda-chuva da medida – anteriormente, apenas as duas maiores cidades do país estavam contempladas. Segundo autoridades, as novas localidades compreendidas pela ação emergencial são onde “grupos criminosos migraram para fugir das ações da polícia e do Estado”. Diante dos inevitáveis paralelos traçados entre o plano hondurenho e os abusos cometidos pela vizinha El Salvador, o governo Castro defende que a atual estratégia reduziu homicídios “e tem sucesso medido pelo número de vidas salvas, não pelo de prisões feitas”. Via Reuters.
MÉXICO 🇲🇽
Culpado. Foi essa a sentença declarada na terça-feira (21) por um júri nos EUA contra o ex-secretário de Segurança Genaro García Luna, que há semanas vem enfrentando os tribunais estadunidenses por acusações de crimes de narcotráfico e conspiração, entre outros. Antigo ‘pai’ da mortífera e ineficaz política mexicana de guerra às drogas, García Luna viu tudo capotar quando foi ele próprio acusado de proteger o temido cartel de Sinaloa, na época capitaneado por Joaquín “El Chapo” Guzmán, em troca de quantias milionárias. As denúncias contra o ex-secretário surgiram, inclusive, durante o julgamento do próprio chefão do narco em 2019. Não fossem suficientes os paralelos, García Luna pode se ver na mesma situação de Guzmán em outro ponto delicado: assim como Chapo, a antiga autoridade também corre o risco de acabar condenada à pena de prisão perpétua. A audiência de sentença deve acontecer em 27/6. Em El País.
Duas pautas caras ao presidente Andrés Manuel López Obrador avançaram na última semana: a nacionalização do lítio e a reforma eleitoral. No primeiro caso, foi apenas a formalização de algo que já havia sido anunciado, com a assinatura, no sábado passado (18), do decreto que passa às mãos do Estado as reservas do mineral, cobiçado para a fabricação de baterias, inclusive as utilizadas em veículos – simbolicamente, a cerimônia foi realizada no município de Bacadéhuachi, no estado de Sonora, onde fica uma das maiores jazidas de lítio do México. Já no caso da reforma eleitoral, foi uma vitória política confirmada pelo Congresso, após uma série de idas e vindas entre Câmara e Senado: na quarta (22), foi enfim aprovado o projeto que modifica o orçamento e a estrutura do Instituto Nacional Eleitoral (INE) – uma medida controversa que opositores veem como forma de enfraquecer a independência do órgão. Com novas eleições gerais marcadas para o ano que vem, AMLO celebrou a vitória legislativa, mas diz que já aguarda uma nova rodada de brigas com a contestação da lei no Supremo do país. No AS México.
PANAMÁ 🇵🇦
Que o Carnaval também é uma festa política, não há dúvida – mas no Panamá a coisa foi levada ao pé da letra. O Tribunal Eleitoral do país informou, na quarta (22), que recebeu 48 denúncias por propaganda e campanha irregular durante os festejos carnavalescos ao redor do país, entre distribuição de brindes com identificação partidária aos foliões e anúncios afixados pelas ruas. O líder em denúncias, com 23, é o Partido Revolucionário Democrático (PRD), que atualmente ocupa a Presidência com Laurentino Cortizo. Embora as eleições gerais panamenhas só estejam marcadas para maio de 2024, a fiscalização intensa já começou porque as primárias ocorrem no próximo mês de julho. Em La Estrella de Panamá.
Un nombre:
Vejigantes de Ponce – Conhecido nos festejos carnavalescos da cidade de Ponce, em Porto Rico, os vejigantes são personagens folclóricos que se caracterizam pelo traje colorido e máscaras com três ou mais chifres. Os mascarados animam os foliões e interagem com a multidão – até jogam bexigas (é daí que vem o nome) cheias d’água na galera. Diz a tradição que, entre os séculos 16 e 17, os habitantes da costa de Porto Rico se fantasiavam de vejigantes para assustar e desencorajar o desembarque de piratas ou soldados que chegavam de navio.
PERU 🇵🇪
Intrigas, mas agora na diplomacia: o Congresso peruano aprovou na última sexta (17) uma moção que declara o presidente colombiano Gustavo Petro “persona non grata”, após o mandatário comparar a atuação da polícia peruana à de tropas nazistas. Parlamentares também pediram que o governo de Dina Boluarte faça algo para impedir Petro de entrar em território peruano. “Falas inaceitáveis”, disseram representantes da Comissão de Relações Exteriores da Casa. As palavras do líder colombiano vieram em rechaço às violações sistemáticas de direitos humanos cometidos por agentes de segurança do Peru, ações que deixaram mortos às dezenas desde o início da crise há dois meses (entenda o caso). Para evitar mais rusgas, porém, Bogotá fez questão de jogar panos quentes: segundo a chancelaria colombiana, “um ato de caráter político do órgão legislativo peruano não afeta a histórica relação” entre as duas nações da cordilheira. No Perú 21.
A Colômbia não foi a única a causar incômodos ao poder em Lima: na sexta (24) à noite, após dias de declarações contra a legitimidade do governo de Dina Boluarte por parte do presidente mexicano López Obrador, a líder peruana anunciou que o embaixador do país na Cidade do México seria chamado de volta à nação andina. Na prática, a decisão significa um rebaixamento nas relações diplomáticas entre os dois lados, com o Peru passando a manter, a partir de agora, somente um representante de negócios em solo mexicano. A tensão entre Boluarte e AMLO vinha crescendo nas últimas semanas, conforme o presidente do México foi se tornando mais crítico à repressão registrada contra manifestantes de oposição no Peru, e explodiu de vez com a fala de López Obrador em uma coletiva de imprensa na própria sexta-feira, reiterando sua opinião de que o atual governo em Lima é “espúrio” e nascido de uma “remoção ilegal” de Pedro Castillo (2021-2022), mantendo-se apenas pelo poder das “baionetas”. Boluarte, por sua vez, disse que o posicionamento de AMLO equivale a um “apoio” à tentativa de autogolpe de Castillo no mesmo dia em que acabou removido da Presidência. Em El Comercio.
PORTO RICO 🇵🇷
Diante do drama latente envolvendo a defasada questão de energia elétrica na ilha (entenda todo o contexto no GIRO #150), autoridades do ramo de energia dos EUA estão coletando informações para alocar uma injeção financeira avaliada em US$ 1 bilhão, gerenciada por meio do chamado Fundo de Resiliência de Energia de Porto Rico (PR-ERF, na sigla em inglês). Segundo as partes envolvidas, o financiamento buscaria aumentar a resistência da matriz energética do território caribenho – bastante afetada pela fúria climática, problemas técnicos e até negligência por parte dos EUA, segundo acusam os porto-riquenhos – bem como modernizar a infraestrutura. O pacote também busca abrir caminho para a energia limpa com a instalação de painéis solares, seguindo metas de atingir 100% de energia renovável até 2050. Os avanços, porém, seguem incertos. Na PV Magazine.
Pela primeira vez, uma mulher trans vai concorrer à coroa de Miss Universo Porto Rico, confirmaram os organizadores do evento na ilha na quinta-feira (23). Daniela Arroyo, que havia tentado sem sucesso entrar na competição em 2019, celebrou a escolha nas redes. Ela já era conhecida como uma das demandantes que conquistaram, na Justiça, que Porto Rico passasse a autorizar a mudança de gênero no registro civil. Vistos como uma instituição ultrapassada e inerentemente machista, os concursos de miss vêm tentando se reinventar em anos recentes, com apostas na inclusão e diversidade – no caso de Porto Rico, a presença de Arroyo também é vista como uma busca por reacender o debate em torno da brutalidade vivida cotidianamente pela população trans da ilha, que chegou a declarar estado de emergência em função da violência de gênero e ocupa o primeiro lugar em assassinatos de pessoas trans entre territórios ligados aos EUA. No Nuevo Día.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Autoridades dominicanas disseram ter capturado, na segunda (20), um haitiano suspeito de integrar uma das gangues que vêm aterrorizando o país vizinho – no caso, com envolvimento no ataque premeditado a uma estação policial em Liancourt, que matou seis agentes da Polícia Nacional do Haiti em janeiro. Junto com o homem, identificado pela República Dominicana como “Geraldo Brutus”, foram detidos outros cinco cidadãos haitianos, na cidade fronteiriça de Duvergé, sem confirmação de serem ou não membros do mesmo grupo armado. Como não respondem por crimes no lado dominicano, a razão da detenção foi simplesmente estarem no país de forma irregular – todos foram repatriados ao Haiti, onde há expectativa de que Brutus seja julgado pela execução dos policiais. A gangue envolvida no ataque à polícia haitiana seria a mesma denunciada, na sexta (24), pela ONU, como responsável por uma intensa onda de terror que vem varrendo a região central do Haiti nas últimas semanas. De acordo com a entidade, pelo menos 69 pessoas foram mortas em diferentes ataques perpetrados pelo grupo identificado como Baz Gran Grif em cidades do chamado Vale de Artibonita. No Nuevo Diario.
URUGUAI 🇺🇾
Saiu condenação, mas a novela está longe de acabar: agora, é a família de Alejandro Astesiano quem garante que o ex-chefe da segurança do presidente Luis Lacalle Pou sabe mais coisas do que revelou até agora, com potencial para complicar figuras do alto escalão do governo. Sem dar detalhes, o irmão de Alejandro, Raúl Astesiano, diz que o clã tem “como corroborar tudo” quando a hora chegar. Enredado até o último fio de cabelo em problemas judiciais, Astesiano já recebeu uma pena de quatro anos e meio na semana passada por um dos escândalos em que se envolveu, mas ainda é investigado em outras frentes – que, no limite, poderiam implicar até o próprio Lacalle Pou em alguma irregularidade. Em El Observador.
Semana futbolera do presidente Luis Lacalle Pou, flagrado (pela segunda vez no mês) prestigiando uma partida do Boston River, o pequeno clube de seu coração, pela Copa Libertadores: nas arquibancadas mesmo, como um torcedor comum, o mandatário uruguaio assistiu ao empate sem gols de sua equipe com o Huracán, da Argentina, pelas fases preliminares da maior competição de clubes do subcontinente na quarta (22) – ele já havia feito o mesmo há duas semanas, no triunfo do “Sastre” contra o Zamora, da Venezuela. O Boston River, que completou 84 anos de fundação na segunda (20), disputa a primeira divisão uruguaia desde 2016 e faz sua estreia na Libertadores. Mas a presença no Estádio Centenário não foi a única notícia envolvendo Lacalle Pou e o futebol nos últimos dias: no sábado (18), o presidente recebeu o ex-jogador argentino Óscar Ruggeri, campeão mundial em 1986, com quem compartilhou “um garrafão de vinho” e “un asadito”, como contou o futebolista, que estava acompanhado por empresários. No Ovación.
VENEZUELA 🇻🇪
“Óvnis nos EUA? Vocês viram? (...) Que venham os óvnis à Venezuela! Agora que temos robôs digitais. Eu sou um robô digital, o povo também”, disse um risonho Nicolás Maduro na quarta-feira (22), em resposta ácida a uma matéria do El País que acusa seu governo de usar um software para criar deep fake com rostos aleatórios que se espalham nas redes sociais celebrando as conquistas do chavismo. O discurso foi feito durante um evento para fomentar o turismo no país caribenho. Negando as acusações, mas sem perder a ironia, o mandatário disse que não se trata de “inteligência artificial”, mas sim de “inteligência popular, inteligência revolucionária, dos que derrotaram o império espanhol, inteligência bolivariana”. No Vanguardia.
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