União Europeia deixa de reconhecer Guaidó
Cuba extingue o peso conversível | Argentina: os impactos da legalização do aborto na vizinhança | México oferece asilo a fundador do WikiLeaks | Vídeo: por que 4 vizinhos já têm vacina e o Brasil não
Não será um ano fácil para Juan Guaidó. A eterna promessa da oposição venezuelana, que há dois anos se autoproclamou presidente interino do país após a contestada reeleição de Nicolás Maduro em 2018, ganha novos adendos a seu derretimento. A nova etapa da derrocada começou nas eleições do dia 6/12, quando os chavistas, beneficiados pelo boicote da oposição e pelo baixo comparecimento às urnas, retomaram o poder da Assembleia Nacional, órgão legislativo do país, que vinha sendo comandado pelos adversários do governo desde 2015. Foi justamente ao assumir a presidência da AN em 2019 que Guaidó se muniu de argumentos para se colocar na posição de liderança – segundo ele, o posto de “presidente encarregado” seria respaldado por um artigo da Constituição. Agora, porém, não há mais controle opositor em um dos três poderes.
Com isso, o apoio ao deputado se esvazia de todos os cantos: na primeira semana de 2021, a União Europeia deixou de reconhecer Guaidó como presidente do país, como vinha fazendo desde a alvissareira notícia para os que sonhavam com uma transição política. A decisão foi comunicada pelo alto representante de Política Externa da UE, Josep Borrell. Além de evitar menções de liderança ao agora reduzido a “membro destacado” da oposição, o bloco europeu “lamentou” o desfecho no pleito legislativo, o qual definiu como “não democrático”. Mas, se sobra a mesma indignação que se vê há anos contra o cenário político venezuelano, cada vez mais falta o respaldo do qual Guaidó precisa para seguir com alguma relevância no jogo de xadrez. Para dar sequência ao cambio nas estruturas, Guaidó precisa ocupar um cargo como vinha fazendo à frente da AN. Embora a UE siga considerando as eleições de dezembro ilegítimas, o bloco diz não haver mais base institucional que justifique um reconhecimento ao poder de Guaidó.
É o primeiro baque sofrido pelo autoproclamado interino desde o pleito. No entanto, suas pretensões não devem mudar, mesmo com a vitória chavista: ele prometeu que o parlamento antigo, com domínio da oposição, vai “continuar em funções, até que haja uma eleição válida”. Para isso, convocou 100 deputados em uma sessão online, designando cargos em uma Casa paralela, obviamente renegada pelo Executivo e pelo Parlamento de fato. A intenção da antiga maioria da AN é manter as atividades, repetindo a confusão que já se via desde o começo de 2020: em janeiro do último ano, Guaidó e seus apoiadores foram impedidos de entrar no Parlamento que comandavam, sob a justificativa de que Luis Parra, aliado de Maduro, havia tomado o lugar de Guaidó em uma eleição interna feita às pressas e considerada sem validade pela oposição. Ou seja: tanto o cargo de presidente do país como o de líder da AN vinha sendo reclamado por alguém. Já em 2021, durante a tal sessão paralela, houve denúncias de que o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (ou Sebin), apontado como braço do governo Maduro para investigar opositores, teria cercado a casa de Guaidó, no que os opositores apontam como uma nova tentativa de pressionar os adversários. Os chavistas, por sua vez, dizem que seus adversários não aceitam os resultados das urnas.
O declínio político de Guaidó não é uma novidade. Embora ele ainda mantenha o reconhecimento dos mesmos países não-europeus que o endossavam antes, o apoio irrestrito ao deputado autoproclamado chefe de Estado foi se esvaindo, primeiro, com a saída do ex-assessor de Segurança da Casa Branca, John Bolton, em setembro de 2019. Sem seu principal aliado em Washington, Guaidó foi perdendo capacidade de mobilização, enfrentando problemas para convocar passeatas, que também passaram a não ser uma boa alternativa por conta da pandemia. Aos poucos, o próprio Grupo de Lima, comitê multilateral formado por vários países latinos para “debater” a crise na Venezuela, mas sem efeito prático, também perdeu força. Tudo só piorou para o parlamentar quando alguns de seus aliados foram apontados como pivôs de um escândalo de corrupção, além do próprio líder, que teve seu nome ligado à incursão marítima de mercenários dos EUA que teria planejado assassinar Maduro em Caracas em maio. Em resumo, o leque de razões pelas quais Guaidó vem deixando de ser uma opção viável à lista de grupos políticos avessos ao chavismo só aumenta. Fortalecida e controlando os três poderes, a situação também não dá indícios de que a disputa ficará mais branda.
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Un sonido:
REGIÃO 🌎
A América Latina voltou a registrar, nos últimos sete dias, um recorde de novos casos em toda a pandemia após quase cinco meses. Foram 680 mil novos, superando os 607 mil que haviam sido incluídos na semana encerrada em 14/8. A triste marca é mais um reflexo da curva que vem em ascensão desde meados de novembro e de um represamento dos números em toda a região no fim de dezembro em função das festas de final de ano. Clique aqui para ler nosso levantamento completo da última semana.
ARGENTINA 🇦🇷
A legalização da interrupção voluntária da gravidez no último dia 30/12 foi um avanço histórico em um continente ainda muito conservador quando o tema é aborto (como contamos neste vídeo) e gerou respostas ao redor. No Paraguai, o Congresso local chegou a realizar um minuto de silêncio pelo que se passava no país vizinho. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro – que, quando ainda era apenas um deputado de baixo escalão, já defendeu que aborto deveria ser uma “decisão do casal” – também aproveitou o momento para fazer proselitismo e garantir que, em seu país, uma lei do tipo não seria aprovada. E, de fato, a impossibilidade de realizar uma interrupção legal e segura da gravidez em solo brasileiro agora faz mulheres daqui cogitarem uma viagem à Argentina, como conta esta reportagem da AP.
Un video:
CUBA 🇨🇺
Cuba viveu o chamado “Dia Zero” de sua economia nesta virada de ano, com aquela que vem sendo considerada por analistas a mais profunda reforma das últimas décadas no país: desde o dia 1º, o peso conversível (CUC), que operava em paridade com o dólar e era usado no comércio internacional, deixou de coexistir com a moeda cotidiana utilizada pela população. Agora, todas as operações monetárias no país acontecem no desvalorizado peso cubano (CUP), a uma taxa de 24 pesos por 1 dólar. O efeito imediato da medida foi um aumento geral dos preços e também dos salários. Promessa dos tempos de Raúl Castro à frente do governo (2008-2018), a reforma foi acelerada pela busca desesperada por dólares na ilha, que se acentuou no ano da pandemia. Em meio à incerteza dos primeiros dias da mudança, cubanos têm sido vistos às voltas com cálculos e há temor de que o incremento nos salários não seja suficiente para fazer frente ao aumento dos preços. Na BBC.
Un nombre:
Emiliano Zapata – em todo primeiro dia do ano, é o nome que pipoca por conta do aniversário da insurreição indígena e camponesa de Chiapas, no sul do México, quando o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) se voltou contra o Estado em 1/1/1994. O nome de Zapata, porém, ganhou fama bem antes do zapatismo que o homenageia: trata-se de um dos líderes da Revolução Mexicana de 1910, que se rebelou contra a ditadura do general Porfirio Díaz (1876-1911). Também imortalizado como El Caudillo del Sur, Zapata deixou um legado para a luta revolucionária que se espalharia para além das fronteiras do México no século 20. Não à toa, seguiu sendo sinônimo de resistência muito após sua morte em 1919.
EL SALVADOR 🇸🇻
O ex-presidente Elías Antonio Saca, mais conhecido como Tony Saca (2004-2009), foi condenado ao lado da esposa Ana Ligia de Saca na terça-feira (5) por enriquecimento ilícito. O casal, que não conseguiu explicar seu milionário aumento de patrimônio enquanto Tony estava na Presidência, agora precisa devolver US$ 4,4 milhões aos cofres públicos. Saca foi preso em 2016, no início das investigações, e não está sozinho na lista de ex-presidentes salvadorenhos acusados de corrupção, mas por enquanto é o único a cumprir alguma pena: Francisco Flores (1999-2004) morreu em prisão domiciliar em 2016 enquanto aguardava julgamento e Mauricio Funes (2009-2014) fugiu do país e recebeu asilo na Nicarágua quando sua situação se complicou. Via AP.
Una aparición:
A série “Presidentas”, a primeira lançada pelo Giro Latino Cast, foi recomendada pelo portal Nexo. Se você ainda não ouviu os dois primeiros episódios, clique aqui. O terceiro episódio vem aí em breve.
MÉXICO 🇲🇽
O presidente López Obrador ofereceu asilo a Julian Assange, que não será extraditado aos EUA (onde é acusado de uma dezena de crimes de espionagem). Segundo AMLO, a decisão de acolher o fundador do WikiLeaks é baseada no “histórico” do país, que já recebeu uma dezena de personalidades históricas, como o revolucionário León Trotsky e a viúva de Salvador Allende, Hortensia Bussi. Suspeita-se, também, que a decisão tenha cunho pessoal: foi o WikiLeak de Assange que revelou espionagem contra o próprio Obrador, em 2006. Em El País.
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