Argentina condena mais 19 repressores da ditadura
Equador muda ministros após protestos indígenas | Haiti: um ano do assassinato do presidente Moïse | Chile: proposta de nova Constituição é entregue a Boric
A última ditadura argentina acabou há quase 40 anos, em 1983, mas isso não impede o país de seguir condenando ex-militares pelo envolvimento nas brutalidades cometidas pelo regime. Enquanto se digladia com as dores do presente, com inflação acelerada e uma crise econômica que deve se agravar com a mais recente troca ministerial (leia nos destaques desta edição), a nação platina continua a acertar contas com o seu passado: nesta quarta-feira (6), mais 19 repressores foram condenados por crimes contra a humanidade, incluindo 10 que receberam penas perpétuas. Foi um dos maiores julgamentos vividos pelo país desde que os indultos e anistias concedidos ainda na década de 80 foram derrubados em 2006, reabrindo o caminho para que os velhos algozes encarassem a Justiça e a possibilidade de prisão.
No caso que recebeu sentença nesta semana, foram julgados crimes cometidos no Campo de Mayo, a cerca de 30 km de Buenos Aires, um complexo do Exército que recebeu um centro clandestino de detenção e tortura e contava até mesmo com uma maternidade, onde prisioneiras políticas grávidas davam à luz e tinham seus bebês roubados e entregues a outras famílias. Ao todo, os processos consideravam crimes cometidos contra quase 350 vítimas, e tinham como figura central o ex-comandante de Institutos Militares, Santiago Omar Riveros, que controlava o que ocorria no recinto. Ele foi o primeiro a receber a pena perpétua na leitura da sentença, ainda que, no seu caso, não deva ser uma punição muito longa: Riveros completa 99 anos em agosto, e de imediato se converteu em um símbolo da demora para condenar totalmente os repressores na América do Sul, mesmo em um país que se empenha para levá-los a julgamento.
Outro processo desta semana – também envolvendo Riveros – foi histórico por demonstrar judicialmente, pela primeira vez, que o Exército Argentino participou dos “voos da morte” – método de extermínio em que prisioneiros políticos eram atirados ao mar (ou ao Rio da Prata) a partir de um avião. Até aqui, só havia sido demonstrado perante a Justiça que a Armada tivera participação nos voos, e também em um processo relativamente recente: foi em 2017, em um caso ainda maior que o desta semana, quando 54 pessoas foram julgadas por crimes cometidos contra 789 pessoas na Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA), o mais infame recinto da repressão no país, hoje convertido em Museu da Memória.
Os acontecimentos da semana vieram imediatamente após a morte de outro repressor de triste fama, o ex-policial Miguel Etchecolatz, aos 93 anos, no último sábado (2). Cumprindo nove condenações perpétuas por crimes contra a humanidade, Etchecolatz foi outro agente da ditadura que voltou a enfrentar processos após a queda dos indultos no início do século 21. Ele foi o diretor da polícia de Buenos Aires até 1979, comandando crimes cometidos pela corporação contra opositores nos três primeiros anos do regime. Apesar de morrer preso – em seus últimos dias, foi internado em um hospital devido a problemas de saúde, sempre sob custódia policial –, o repressor jamais se arrependeu dos seus crimes, repetindo a arenga típica de agentes da época: estaria apenas travando uma “guerra” necessária para limpar o país. Sem remorso, tampouco colaborou com a Justiça, e levou para a tumba os segredos sobre o destino de cerca de 500 desaparecidos sob seu comando.
A idade avançada dos comandantes condenados que morrem na cadeia, como Etchecolatz, ou dos que acabaram de ouvir uma nova sentença, caso de Riveros, mostram que os países sul-americanos vivem suas últimas chances de acertar as contas com os remanescentes dos regimes que perseguiram com base na Doutrina de Segurança Nacional – que teve seu pior momento repressivo, em países como a própria Argentina, o Brasil, o Chile ou o Uruguai, na década de 1970. Mesmo com inúmeras falhas nesta caminhada pela vizinhança, os brasileiros – onde os militares voltaram com força total a compor o governo nos últimos anos – permanecem como a solitária exceção de impunidade total aos responsáveis pela repressão em sua mais recente ditadura.
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Un sonido:
DESTAQUES
🇪🇨 Lasso muda gabinete após protestos indígenas – Os protestos contra o governo (relembre nas edições #136 e #137) chegaram ao fim, mas os impactos políticos do paro nacional de junho seguem ecoando: dias depois de ter assinado um documento que garantia mudanças demandadas pelos manifestantes, o governo também mudou ministros das pastas da Economia, Saúde, Transporte e Obras Públicas e Educação Superior. Ainda que algumas autoridades tenham atribuído as últimas decisões a fatos anteriores aos protestos, outras, como o secretário de Administração Pública, Iván Correa, relacionam as renúncias aceitas pelo presidente Guillermo Lasso às “mudanças que a cidadania quer”, referência às reivindicações que fizeram o país parar. Ainda dentro do prazo de 90 dias para resolver pendências acertadas com a Conaie, organização indígena que liderou as manifestações, o governo agora ventila a ideia de que os novos ministros atenderão demandas dos povos originários. No Diario de Las Américas.
🇭🇹 Assassinato de Moïse completa um ano com Haiti em crise ainda pior – Há um ano, nesta quinta-feira (7), o presidente haitiano Jovenel Moïse foi assassinado, em circunstâncias ainda mal explicadas. O que se seguiu foi um vazio de poder resolvido de forma controversa e um ano em que o país, já colapsado na segurança pública, viu a situação piorar ainda mais: gangues que controlavam partes amplas das principais cidades haitianas passaram a dominar bairros inteiros, provocar deslocamentos e realizar sequestros indiscriminados, especialmente de estrangeiros, buscando cobrar resgate. Só entre abril e maio deste ano, as disputas entre grupos criminosos causaram 150 mortes e provocaram o deslocamento forçado de cerca de 10 mil pessoas, obrigadas a fugir de suas casas. Com legitimidade questionada e visto, ele próprio, como suspeito no magnicídio de Moïse, o primeiro-ministro Ariel Henry (que herdou o poder na prática) está há meses protelando a realização de eleições – exatamente como o presidente morto fazia. Embora alguns suspeitos tenham sido presos, inclusive fora do Haiti, prevalece a sensação de que os verdadeiros responsáveis pelo crime caminham para sair impunes. Martine Moïse, a viúva de Jovenel que ficou ferida no atentado mas acabou sobrevivendo, boicotou a cerimônia de aniversário da morte do marido, e protestou, voltando a apontar o dedo para os altos círculos do poder: “não sei dizer quem está emperrando as investigações. Mas sabemos que o ministro da Justiça era advogado de um dos oligarcas contra os quais o presidente lutava”. No mês de fevereiro daquele que seria seu último ano de vida, o mandatário chegou a dizer em entrevista que corria risco de morte, mencionando justamente grupos poderosos no país.
🇨🇱 Proposta de Constituição é entregue ao presidente – Exatamente um ano após a instalação da Convenção Constitucional, o projeto da nova Carta Magna chilena foi entregue ao presidente Gabriel Boric nesta segunda-feira (4). Agora, começa um período de dois meses de campanha, rumo ao referendo “de saída” marcado para 4/9. Com o apoio ao novo texto em baixa – as últimas pesquisas seguem apontando uma possível vitória da rejeição (saiba mais sobre o início dessa tendência no GIRO #131) –, Boric pediu que a população leia e se informe antes de tomar uma decisão final sobre o documento de 178 páginas, 388 artigos e 54 normas transitórias. As principais mudanças em relação à Constituição atual, na BBC. E o texto integral, aqui.
🇦🇷 Disputa no governo derruba ministro da Economia – Dois dias após a renúncia de Martín Guzmán ao Ministério da Economia, cargo nada fácil de se ocupar na Argentina, o presidente Alberto Fernández nomeou na segunda (2) Silvina Batakis como nova encarregada da pasta. Nem é preciso dizer que tudo foi polêmico: a própria indicação de Batakis se relaciona com uma velha troca de farpas entre Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. A ex-presidenta é a chefe do Senado, uma das figuras políticas mais fortes do país e já protagonizou várias crises internas durante o atual governo. Por isso, o mandatário evitou mais dores de cabeça e cedeu novamente. Batakis comandou a pasta da economia na gestão do peronista Daniel Scioli à frente da prefeitura de Buenos Aires e, mais recentemente, atuou próxima ao Ministério do Interior, comandado por nomes leais a Cristina. Apesar de chegar ao cargo colocando um ponto final nas desavenças entre a ex-mandatária e Guzmán, a nova ministra terá que lidar com um drama crescente nos números econômicos do país: uma inflação acima dos 60% no acumulado em 12 meses e uma dívida bilionária com o FMI, além de alta em índices como pobreza, juros e desemprego. Via EFE.
🇺🇾 Uruguai apreende barco chinês acusado de pesca ilegal – Autoridades do país abriram investigação contra um barco pesqueiro de bandeira chinesa capturado com 11 toneladas de carga de pesca, dias após denúncias de atividade ilegal em águas uruguaias. Ainda que o processo tenha sido iniciado fora da esfera criminal, não demorou para virar roteiro de filme: após um aviso de visita e inspeção, o barco resolveu zarpar, iniciando uma intensa busca envolvendo aviões e embarcações da Marinha durante toda a madrugada. A saga só terminaria na manhã de segunda (4), a 280 km de Punta del Este, quando os tripulantes – 14 chineses e 14 indonésios – desistiram da fuga. Problemas envolvendo embarcações chinesas e pesca ilegal têm paralelos em vários países sul-americanos, ameaçando diversos ecossistemas — como as reservas ambientais em Galápagos (Equador). O próprio pesqueiro Lu Rong Yuan Yu 606 detido esta semana já tem histórico de problemas com autoridades platinas, tendo sido interceptado em águas argentinas há dois anos. No Infobae.
Un hilo:
REGIÃO 🌎
O assassinato do ex-premiê japonês Shinzo Abe (2006-2007, 2012-2020), nesta sexta (8), durante um comício na região central do Japão, despertou reações de vários líderes latino-americanos. Jair Bolsonaro, que desde 2018 não perde oportunidade de explorar politicamente a facada que recebeu durante a sua própria campanha eleitoral há quatro anos, foi enfático: chamando de “crueldade injustificável” contra um “irmão do Brasil”, decretou luto oficial de três dias. O argentino Alberto Fernández também foi ao Twitter e condenou o caso que classificou de “atentado à democracia e à paz”. As condolências foram repetidas por chefes de Estado do Equador, Colômbia, Paraguai, República Dominicana e Panamá. O ataque a tiros em um país com baixíssimos índices de crimes relacionados a armas de fogo reacendeu o debate sobre a violência política na região latina – onde, por outro lado, casos assim são comuns. Nesta quinta (7), por exemplo, completou um ano desde que o então presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi morto por sicários, crime que segue sem resposta (leia mais na seção do país desta edição). Os riscos também têm exemplos em 2022: o presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, passou a campanha denunciando ameaças de morte e usando escudos nas plateias, dado o histórico violento no país; e de volta ao Brasil, o ex-presidente e líder das pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva chegou a usar colete à prova de balas em um comício (o mesmo evento foi marcado por um explosivo com fezes humanas).
ARGENTINA 🇦🇷
O caso multinacional do avião venezuelano-iraniano retido no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires (relembre o início da saga aqui) segue com desdobramentos estranhos: dias após o Paraguai integrar a larga lista de países que investigam a história, o presidente do país, Mario Abdo Benítez, disse com base em informações da inteligência nacional que um dos tripulantes suspeitos teria “ido a Cuba para a realização de uma cirurgia estética para mudar de rosto”. “Parece um filme”, disse Benítez, completando que as investigações paraguaias já teriam fortes indícios de “vínculos com o terrorismo internacional” por parte dos viajantes misteriosos – proibidos de deixar a Argentina, os 19 seguem em um hotel na capital portenha. Do lado iraniano, pivô de uma crise diplomática com o Argentina há muitos anos, nada feito: ao argentino Página 12, o copiloto instrutor iraniano Mohammad Khosraviragh, acusado de viajar a Havana para a tal cirurgia plástica suspeita, negou ter ido à ilha caribenha “em toda sua vida” – Khosraviragh disse que sequer conhecia qualquer país latino-americano antes disso. “Nem [cirurgia] no rosto, nem mesmo de apendicite. Não tenho uma única cicatriz e qualquer um pode ver que também não tenho nenhuma marca”, completou. Em La Nación.
BOLÍVIA 🇧🇴
A acusação é contra o partido, mas o presidente não vai fechar os olhos. Luis Arce pediu ao Ministério da Justiça, na terça (5), que seja aberta uma investigação após o Movimento ao Socialismo (MAS) virar alvo de denúncias por supostamente ter recebido fundos de um homem argentino acusado de tráfico de drogas. A informação foi confirmada pelo titular da pasta, Iván Lima, que prometeu “esclarecer e dar respostas ao povo boliviano”. As denúncias foram feitas por um deputado governista contra o vice-presidente do MAS, Gerardo García. Segundo o parlamentar, em 2017 García teria endereçado uma carta a um tal Miguel Ángel Salazar Yavi em agradecimento a “grandes contribuições econômicas”. Yavi, disse o deputado, seria na verdade José Miguel Farfán, preso na Bolívia em 2019 e devolvido à Argentina onde era procurado por crimes de narcotráfico. A oposição entrou na onda e engrossou o coro contra o vice do partido; ele, em resposta às acusações do deputado, entrou com uma uma queixa criminal por calúnia e difamação. Na teleSUR.
Após registrar 108 feminicídios em 2021, o governo promulgou a Lei de Proteção às Vítimas de Feminicídio, Infanticídio e Violação de Crianças, Meninas, Meninos e Adolescentes, que busca aplicar pena severa aos responsáveis por esses crimes. O governo boliviano já havia anunciado que 2022 seria declarado o Ano da Revolução Cultural pela Despatriarcalização como uma resposta “estrutural” aos casos de feminicídio no país. Por meio da nova norma, os supostos responsáveis por feminicídios, infanticídios e estupros não terão mais o privilégio da prisão domiciliar, que, em muitos casos, vinha sendo cumprida na mesma casa em que estão suas vítimas. Via EFE.
COLÔMBIA 🇨🇴
Com posse marcada para o mês que vem, o presidente eleito Gustavo Petro já articula uma mudança importante envolvendo a Venezuela, ainda um algoz do atual governo conservador: na terça (5), o líder de esquerda anunciou que dará prioridade à retirada dos grupos armados que operam dos dois lados da fronteira entre os dois países — um conhecido palco de massacres que acaba fomentando acusações mútuas entre Caracas e Bogotá. A ideia, segundo Petro, é retomar a atividade comercial na zona fronteiriça e recuperar o controle sobre a região. “Encurralar e desalojar os grupos armados que hoje estão dos dois lados”, disse. Para esse e outros acordos de cooperação com o chavismo, no entanto, o novo governo colombiano precisa restaurar anos de uma diplomacia rompida, um movimento que exigirá equilíbrios delicados: durante a semana, por exemplo, foi confirmado que Nicolás Maduro não estará presente na posse de Petro, após o atual governo de Iván Duque impedir a entrada do homólogo venezuelano. Via AFP.
Ronald Rojas, ex-líder da guerrilha dissolvida das FARC, foi morto por um franco-atirador no sul do país, denunciou na terça-feira (5) o partido Comunes – sigla surgida após a pacificação do antigo grupo armado. Rojas, que teve papel importante no processo que levou aos Acordos de Paz de 2016, seguiu fiscalizando o cumprimento dos termos e acabou se afastando do Comunes em abril de 2021, desiludido. Ele denunciava “ataques direcionados” por parte do governo contra ex-guerrilheiros após a pacificação, em episódios do mesmo tipo que agora parece ter sido vítima. Após a morte de Rojas, “chega-se ao aterrador número de 333 signatários da paz assassinados”, afirmou Rodrigo Londoño, que atualmente lidera o partido. A entrega das armas pelas antigas FARC não significou o fim da violência política na Colômbia, com dissidências e outras guerrilhas ainda ativas pelo país. Via AFP.
Una palabra:
Acullico – Palavra de origem quéchua, acullico vem do termo akullikuy, que, em uma tentativa literal de tradução, quer dizer “mascar coca”. O ritual ancestral de mascar as folhas de coca – que têm leve ação estimulante, efeito digestivo e outros valores medicinais e nutricionais – representa a união dos povos andinos. Na Bolívia, a folha de coca é usada tanto entre camponeses e indígenas quanto em espaços urbanos, sem distinção de classes sociais. O país também celebra o Dia Nacional do Acullico todo 11 de janeiro, em homenagem à data em que a Bolívia voltou a aderir, em 2013, à Convenção Única das Nações Unidas sobre Entorpecentes de 1961 – com uma exceção específica para permitir a prática de mascar coca em seu território, reconhecendo a folha como patrimônio cultural do país.
COSTA RICA 🇨🇷
Mudanças em nome da flexibilização das regras fiscais podem colocar o presidente Rodrigo Chaves na mira da Controladoria-Geral da República – que prometeu ir aos tribunais contra um decreto do Executivo. Segundo especialistas, a mudança defendida por Chaves – que permitiria um aumento milionário de gastos correntes, como salários e serviços – trará impactos negativos ao quadro de déficit fiscal, ao cenário de endividamento do governo e aos objetivos da sustentabilidade financeira. A Costa Rica tem enfrentado problemas relativos à dívida pública há anos, drama que se tornou prioridade de Chaves desde os tempos de campanha. Em La República.
Rodrigo Chaves regulamentou na segunda (4) a chamada “Lei de Nômades Digitais”, normativa aprovada em 2021 e que permite a residência de trabalhadores estrangeiros que prestam serviço remoto online sob uma série de isenções tributárias. Entre as benesses, profissionais dessa categoria não precisariam pagar imposto de renda e tampouco seriam taxados por remessas internacionais e pela importação de equipamentos de tecnologia. Segundo estimativas do governo, 10 mil famílias de nômades digitais poderiam injetar mais de US$ 600 milhões anuais na economia. Países como Argentina e Brasil também aprovaram, recentemente, leis parecidas, na tentativa de atrair os “nômades” para viver e gastar em seus territórios. No CRHoy.
CUBA 🇨🇺
Prisões e exílio. Às vésperas do primeiro aniversário dos massivos protestos contra o governo registrados em 11 de julho de 2021, considerados os maiores desde a Revolução de 1959, a oposição cubana está outra vez esfacelada. Em meio a uma crise que começou com as sanções de Donald Trump, agravou-se com a pandemia e também sente os efeitos da guerra russo-ucraniana, o governo em Havana continua lidando com um sentimento de revolta diante das dificuldades econômicas, as maiores desde o chamado “Período Especial” – fase dos anos 1990 em que a ilha enfrentou racionamentos e dificuldades após o fim da União Soviética. A Reuters ouviu opositores sobre o que pensam de um movimento que chega ao seu primeiro aniversário esvaziado e sem perspectiva de repetir as manifestações massivas de 2021, mesmo em um cenário de insatisfação.
EL SALVADOR 🇸🇻
Os mais de 40 mil presos na onda de detenções contra gangues – com direito a cotas diárias de prisões efetuadas, presos sem comida e outras arbitrariedades, como contado no GIRO #127 – têm histórias diferentes entre si, mas são vistos como se fossem a mesma coisa pelo governo. “Muitos são detidos por sua aparência física, ou até mesmo por ter tatuagens”, diz uma representante da Human Rights Watch, que acompanha as violações, que também incluem mortes de pessoas sob custódia, que muitas vezes sequer contam com atestado de óbito. Na reportagem do Guardian, um relato de como as ambições políticas sem freio do presidente Nayib Bukele têm afetado a vida de milhares de inocentes.
Mesmo com as piores performances em uma década, o Bitcoin, desde 2021 transformada em moeda oficial em solo salvadorenho, não vai sair dos planos do presidente Nayib Bukele tão cedo: apesar de críticas e da desvalorização, o governo em San Salvador comprou mais 80 unidades da criptomoeda, a um custo de US$ 19 mil cada uma. “Obrigado por vender barato”, debochou Bukele, que tem rejeitado as críticas ao uso do dinheiro público para o investimento em um ativo tão volátil e sensível a oscilações. De fato, a compra de títulos, ações ou até mesmo moedas digitais também segue uma regra do mercado – de que comprar “em baixa” dá a possibilidade de uma valorização futura. O problema é que o governo faz isso com dinheiro alheio. “É fácil ser um grande investidor quando outros pagam o custo de seus erros”, disse um salvadorenho em resposta ao tuíte. Desde 2021, a gestão Bukele gastou mais de US$ 106 milhões com Bitcoin; com as quedas, as participações já valem menos de US$ 45 milhões, uma desvalorização de 57%. No Valor.
EQUADOR 🇪🇨
A Justiça do país deu início, na segunda (4), ao julgamento contra Leónidas Iza, líder da Conaie e principal voz dos protestos recentes. Ele é acusado pelo Ministério Público de bloquear estradas e de paralisar o serviço público. Essas razões levaram o líder indígena a ser detido por algumas horas no dia 14/6, um dia após o início das jornadas. Libertado por ordem judicial pouco depois, chegou a classificar sua prisão como um “sequestro político” – o que insuflou ainda mais a população. Mas tudo acabou adiado: durante a audiência, a defesa do presidente do Conaie conseguiu que a corte suspendesse a sessão, já que a juíza à frente do processo, Paola Bedón, é a mesma que soltou Iza sob certas condições após sua prisão temporária. A magistrada considerou que a detenção provisória tinha sido legal, ordenou visitas periódicas diante de autoridades e chegou a proibir o líder de deixar o país. “Acreditamos que a juíza que já ouviu na etapa de flagrante não pode ser a juíza que decide. Há contaminação de provas”, alegou a defesa. Com isso, um novo julgamento foi marcado para 9/8. Em El Comercio.
Un clic:
GUATEMALA 🇬🇹
O Departamento de Estado dos EUA atualizou na terça (5) um alerta de viagem para cidadãos que desejam ir à Guatemala, fazendo várias recomendações contra idas voluntárias ao país centro-americano. Segundo o governo Joe Biden, para além da nova onda de covid-19, não é recomendado viajar para território guatemalteco por conta da violência; a pasta reclassificou uma série de áreas onde há maior índice de crimes. Ainda que a relação não seja admitida, os novos alertas podem ser eco das recentes pressões da Casa Branca contra o governo de Alejandro Giammattei: ao lado da Procuradora-Geral Consuelo Porras, que comanda uma onda de perseguição a juízes e promotores, Giammattei tem sido alvo de críticas dos EUA e de organizações internacionais. Na Prensa Libre.
HONDURAS 🇭🇳
Mais violência dentro de prisões, dessa vez em Honduras: segundo a Polícia Nacional, guardas de uma penitenciária na região noroeste do país encontraram seis corpos de membros da temida gangue centro-americana Barrio 18, mais conhecida por sua atividade em El Salvador. Os pandilleros teriam sido mortos por membros da própria organização e os motivos da chacina seguem sendo investigados. Ao menos 90 membros de La 18 convivem dentro da prisão. Mortes violentas não são novidade no sistema prisional hondurenho, que chegou a ser colocado sob intervenção militar a partir de dezembro de 2019. Em março deste ano, a nova presidenta Xiomara Castro anunciou um processo de desmilitarização que deveria ocorrer em 10 meses, mas analistas vinham apontando que o problema da violência carcerária dificilmente teria fim. Via AP.
MÉXICO 🇲🇽
Novas investigações contra o ex-presidente Enrique Peña Nieto (2012-2018): agora, a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) do país anunciou que está investigando milhões de dólares de transferências envolvendo o antigo mandatário, nas quais ele poderia ter recebido “benefícios econômicos”. Segundo Pablo Gómez, que encabeça a UIF, estão sendo analisadas três transferências feitas por um parente do ex-presidente para a Espanha, avaliadas em US$ 1,26 milhão. Peña Nieto também teria relações com duas empresas com supostas “irregularidades financeiras” estimadas em US$ 76 milhões ao longo dos anos. Apesar das suspeitas, por enquanto ainda não há processo ativo contra o ex-mandatário, já que as investigações só teriam um caráter exploratório. Via Reuters.
O presidente Andrés Manuel López Obrador assinou, na terça (5), uma proposta para extinguir o horário de verão no México, citando argumentos semelhantes aos que já foram adotados pelo Brasil para fazer o mesmo em 2019. Segundo a secretária de Energia, Rocío Nahle, a economia de energia é baixa demais para justificar a medida (0,16% do consumo nacional), e haveria uma pesquisa de opinião pública realizada pelo governo apontando que 71% da população é contra o adiantamento da hora nos meses mais quentes – por lá, entre abril e outubro. Embora seja uma iniciativa quase centenária em outros lugares da América Latina, o horário de verão foi implementado nacionalmente no México apenas em 1996. No Animal Político.
Dale un vistazo:
📚 A potência plebeia – A Bolívia dos anos de Evo Morales (2006-2019) chamou a atenção do mundo pelas conquistas econômicas que permitiram ao país dobrar o seu PIB e registrar os números de inflação mais baixos da região – período que ficou conhecido como “milagre econômico” do país andino. Mas como isso aconteceu? O livro A potência Ppebeia dá a dica logo no título. Mencionando o processo de reconstrução do país enquanto nação soberana, multiétnica e referência por sua Constituição Plurinacional, a obra escrita ainda nos primeiros tempos do governo Morales também dá detalhes da reforma popular, impulsionada por movimentos sociais campesinos, trabalhistas e indígenas. Isso porque, embora muitas vezes o “milagre” seja atribuído somente ao trabalho do Movimento para o Socialismo (MAS), o autor do livro e vice de Evo no período, Álvaro García Linera, descreve como as ações populares ajudaram a romper as estruturas coloniais bolivianas que concediam autoridade, propriedade e poder em função da cor da pele, do sobrenome e do idioma.
📚 ‘La potencia plebeya: acción colectiva e identidades indígenas, obreras y populares en Bolivia’ foi lançado originalmente em 2008 e ganhou edição brasileira pela Boitempo dois anos mais tarde.
NICARÁGUA 🇳🇮
Sem encontrar limites em sua busca pessoal pelo poder irrestrito no país, Daniel Ortega agiu novamente contra políticos de oposição: com ajuda da polícia, o presidente ordenou na segunda (4) que figuras adversárias fossem substituídas por nomes simpáticos ao governo em pelo menos cinco prefeituras. Todas eram governadas por políticos filiados ao Cidadãos pela Liberdade (CxL), sigla excluída das eleições presidenciais de 2021 – processo vencido por Ortega sob protestos e denúncias, a votação do último ano também foi marcada pela prisão de sete pré-candidatos à presidência (saiba mais no GIRO #106). A direção do CxL cobrou proteção de seus correligionários. Temendo novas manobras do governo, o país voltará às urnas em nível municipal em novembro. Na BBC.
PANAMÁ 🇵🇦
As autoridades de saúde confirmaram na terça (5) o primeiro caso de varíola do macaco no país. Trata-se de um homem de 30 anos de condição estável e já mantido em isolamento na capital, informou o ministro da Saúde, Luis Francisco Sucre, em entrevista coletiva. No mesmo anúncio, o chefe da pasta disse, no entanto, que “não há motivo para alarde”, acrescentando que as condições da doença frente à capacidade do sistema de saúde panamenho não assustam o governo. Via EFE.
PARAGUAI 🇵🇾
O presidente Mario Abdo Benítez anunciou na quarta (6) uma bateria de medidas econômicas e sociais para mitigar o impacto da inflação (em boa parte, causada pela guerra na Europa) e os efeitos da seca que atinge o setor agrícola paraguaio. Em entrevista coletiva, “Marito” indicou que as decisões buscam gerar um “impacto positivo” durante o segundo semestre de 2022. O mandatário também rejeitou novos aumentos nos preços do transporte público e prometeu incluir mais de 14 mil novos beneficiários na base de programas sociais. O governo pretende, ainda, fazer um investimento milionário para a criação de 50 mil novos empregos. Segundo o Banco Central do país, a inflação fechou em 6% no primeiro semestre, bem acima dos 1,5% do mesmo período em 2021. Via EFE.
PERU 🇵🇪
Desejadas entre turistas, as ruínas de Machu Picchu devem ver a capacidade de visitantes aumentar em mil pessoas, para até 4.044 visitantes circulando pela cidadela. A decisão tem objetivo de alavancar o setor turístico, um dos mais afetados por conta das restrições impostas durante a pandemia. Críticas não demoraram a aparecer: na quarta (6), em resposta a ressalvas feitas por diversas entidades e antropólogos, o Ministério da Cultura disse se tratar “de uma medida temporária que só ficará válida até 31/12”. Segundo a pasta, “se as condições não forem cumpridas, voltamos à capacidade anterior”. Ainda longe dos números de visitação pré-pandemia, quando cerca de 1,5 milhão de turistas passavam pelo local anualmente, a histórica cidade inca recebeu cerca de 400 mil pessoas no primeiro semestre de 2022. Via AFP.
Eles podem não ser mais parte do mesmo partido, desde que o presidente Pedro Castillo foi obrigado a abandonar o Perú Libre (leia mais no abre da última edição), mas ainda são do mesmo governo. E isso parece bastar para que a oposição continue a pressionar a vice-presidenta Dina Boluarte, que vê avançar uma acusação constitucional que tenta destituí-la do cargo por um suposto conflito de interesse – ocupar um cargo público enquanto também estaria representando uma entidade privada (entenda mais o caso na edição #134). Dizendo ser alvo de uma tentativa da oposição de “tomar o poder e reverter a derrota sofrida nas urnas”, Boluarte entrou com uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pedindo que o Congresso – o principal moedor de cargos eletivos – seja obrigado a anular a acusação contra ela. A movimentação da vice havia ocorrido em 7/6, mas só foi revelada nesta terça-feira (5), pelo jornal oposicionista El Comercio. Via EFE.
Una expresión:
Reloj de Dios – O “relógio de Deus” é uma referência à hora “natural”, seguindo o avanço do dia sem alterações artificiais. A expressão foi empregada nesta semana pelo secretário de Saúde mexicano, Jorge Alcocer, enquanto defendia que o país extinguisse o horário de verão. “Não devemos lutar contra o relógio biológico. O recomendável é voltar ao horário padrão, que é quando o relógio solar coincide com o relógio social: el reloj de Dios”.
PORTO RICO 🇵🇷
Foram nove anos de espera, mas finalmente o governo porto-riquenho pagou o curso de pós-graduação de professores da rede pública que haviam comprovado, ainda em 2013, terem concluído seus mestrados e doutorados. Parte de um programa de incentivo à qualificação dos docentes, o projeto falhou em colocar em prática a parte mais divulgada – o pagamento de bolsas. Segundo o governador Pedro Pierluisi anunciou na quinta (7), foram destinados US$ 4,3 milhões para bancar retroativamente os estudos de 166 professores que conseguiram concluir os estudos, sendo 155 mestres e onze doutores. O governo ainda analisa outros 6 mil pedidos feitos entre 2014 e 2015. No Primera Hora.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
A pátria segurando tacos de beisebol agora começa a sorrir também com chuteiras. Longe de representar o esporte favorito dos dominicanos, a seleção sub-20 do futebol local conquistou um feito triplamente inédito no último domingo (3): o vice-campeonato do torneio da categoria da Concacaf (Confederação de Futebol das Américas do Norte, Central e Caribe) contra os Estados Unidos, que de quebra rendeu à equipe uma vaga para a Copa do Mundo da categoria no ano que vem, na Indonésia, e para representar a região no futebol masculino durante as Olimpíadas de Paris/2024. Com o amado beisebol outra vez fora do programa olímpico na próxima edição após voltar brevemente em Tóquio (quando os dominicanos ganharam um bronze na modalidade), o país caribenho terá um esporte coletivo novo para acompanhar. Medalhas, porém, são pouco prováveis: após a conquista das vagas, a República Dominicana foi prontamente massacrada pelos EUA por 6 a 0 na final regional. No GE.
URUGUAI 🇺🇾
Antivax em alta: em vitória dos movimentos antivacina no paisito, um juiz determinou, na quinta (7), que a imunização de menores de 13 anos contra a covid-19 fosse suspensa de imediato. Em uma decisão repleta de argumentos típicos de grupos adeptos de teorias da conspiração, Alejandro Recarey exigiu que o governo publique “todos os contratos de compra” e informe “completamente e com clareza” os benefícios, riscos e conteúdo das injeções – que, a rigor, já foram devidamente analisados pelas autoridades sanitárias antes da liberação do uso. O Uruguai vem vacinando voluntariamente crianças a partir de cinco anos desde janeiro deste ano, sem registro de eventos adversos graves. O governo precisou acatar a medida dizendo “respeitar a justiça e a ciência”, mas, no minuto seguinte, disse que vai recorrer. Antes mesmo da decisão, o Executivo já havia questionado a imparcialidade do magistrado, que teria se manifestado publicamente contra as vacinas. Via AFP.
VENEZUELA 🇻🇪
Repetindo o roteiro de países vizinhos, a Igreja Católica venezuelana informou, na quarta (6), que abriu uma investigação relacionada a casos de abuso sexual cometidos por membros do sacerdócio contra menores de idade. A decisão foi motivada por uma reportagem do Washington Post que denunciava a volta de vários clérigos afastados por condenções de pedofilia. Vice-presidente da Conferência Episcopal da Venezuela, Mario Morotona disse que o anúncio vem acompanhado de profunda mágoa “diante das situações de abuso” e que a alta cúpula da Igreja não se opõe à atuação de autoridades nas investigações dos abusadores. No Efecto Cocuyo.
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