Uruguai peita Mercosul e ameaça se rebaixar a ‘associado’
Chanceler uruguaio cita alternativa brusca que abriria o caminho do país ao tratado de livre-comércio com a China, mas analistas consideram manobra arriscada
O casamento do Uruguai com o Mercado Comum do Sul, o Mercosul, está por um fio. Na 62ª cúpula de chefes de Estado do bloco, na terça-feira (4), o presidente Luis Lacalle Pou voltou a assumir um tom seco em relação aos vizinhos. As discordâncias permeiam uma série de assuntos mal resolvidos: o veto dos colegas ao tratado de livre-comércio (TLC) que o menor país do grupo quer assinar com a China; as declarações dos mandatários de Brasil e Argentina contra a nova lei antidesmatamento europeia que deve afetar as exportações de commodities sul-americanas; os consequentes abalos nas negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia; e, não menos importante, a tentativa brasileira de reabilitar a Venezuela dentro do Mercosul. Agora, o governo uruguaio já fala em renunciar à sua participação no bloco enquanto Estado fundador.
“Não é teimosia nossa”, alfinetou Lacalle Pou na reunião em Puerto Iguazú, na Argentina. “Governos anteriores já falavam sobre a necessidade de flexibilização do Mercosul, de se abrir ao mundo”, completou. O mandatário criticou a demora na assinatura de um tratado do bloco com a União Europeia, um processo que já dura 25 anos e ainda sofre impasses. Mais recentemente, uma carta enviada pelos europeus colocou novas exigências ambientais na mesa, o que irritou os sul-americanos – o fato levou o presidente Lula, que acabou de receber a presidência rotativa do bloco, a classificar a postura “protecionista” da UE de “inadmissível”.
“Com relação ao tratado com a China, nossa posição é que avancemos todos juntos. Mas, se não for possível dessa maneira, realizaremos [o acordo] de forma bilateral”, garantiu o presidente uruguaio mais uma vez. A história é longa: há mais de duas décadas, o bloco discute maneiras de estreitar laços comerciais com Pequim, sem avanços concretos. A posição do Paraguai de preservar laços diplomáticos com Taiwan, vista pela China continental como uma província rebelde, é um dos principais pontos que trava um possível acordo entre sudacas e chineses. Por isso, o Uruguai não acredita numa repentina mudança mercosulina que lhe permita correr aos braços do gigante asiático de mãos dadas com seus vizinhos.
Nos corredores da recente cúpula, o clima azedou de vez quando o chanceler uruguaio, Francisco Bustillo, reconheceu as intenções de, quem sabe, reavaliar o tipo de participação de seu país no bloco sul-americano: “Eventualmente, será necessário pensar na possibilidade de deixar o Mercosul enquanto Estado-membro e virar um Estado associado”.
Atualmente, pelas regras do bloco, nenhum membro pode negociar tratados comerciais com outros países unilateralmente, norma que, há mais de um ano, Montevidéu não parece disposta a cumprir. De acordo com Daniel Caggiani, senador oposicionista da Comissão de Assuntos Internacionais, o governo uruguaio está “brincando com fogo”.
A mudança de status tiraria do Uruguai o poder de voto, mas lhe daria liberdade para negociar esses acordos bilaterais, a exemplo do Equador, membro associado do bloco sul-americano e signatário de seu próprio TLC com a China desde maio. Honduras é outro país que negocia o vínculo econômico com a potência asiática, como explicado nesta edição.
O interesse uruguaio em facilitar as compras de seus produtos por chineses não ocorre à toa: o gigante asiático já é o destino mais lucrativo para seus produtos antes mesmo da existência de um TLC. Já sua balança comercial com os parceiros de bloco é deficitária, chegando a um saldo negativo de pelo menos US$ 170 milhões com a Argentina e de quase US$ 690 milhões com o Brasil. Embora brasileiros e argentinos também figurem entre os principais destinos das exportações uruguaias, ainda ficam atrás da China, com quem o Uruguai tem um saldo positivo de mais de US$ 1,3 bilhão.
Por um lado, a carreira solo do paisito poderia isolá-lo na vizinhança; por outro, tem potencial de abrir caminhos não só com a China, mas também com a União Europeia. Atualmente, o Uruguai é um dos países sul-americanos com melhor rastreabilidade na produção de carne bovina, que também é praticamente livre de desmatamento. Isso ajudaria a empurrar a carne uruguaia aos pratos europeus, que vão começar a barrar produtos ligados ao desmatamento nos próximos anos.
Analistas consideram que as consequências de uma mudança de status uruguaio no Mercosul ainda são incertas: a solução só funcionaria se as vantagens dos eventuais acordos bilaterais superassem ou empatassem o papel do bloco na economia do Uruguai. O mesmo vale para o outro lado do balcão. “Nem a União Europeia nem a China estão interessadas em expandir o comércio com o Uruguai se o custo for hostilizar o Brasil, assim como os Estados Unidos não quiseram apesar das tentativas de Tabaré Vázquez [ex-presidente uruguaio]”, diz o cientista político Andrés Malamud, pesquisador da Universidade de Lisboa.
A saída da cúpula do Mercosul soa como uma solução amarga, mas talvez seja inevitável caso os uruguaios não vejam mais futuro no bloco. Mais do que diferenças políticas, o que afasta o Uruguai de seu casamento sul-americano é a constatação de que há uma relação desigual, onde Brasil e Argentina, duas das três maiores economias da América Latina, dão as cartas. E, por enquanto, os uruguaios querem dançar seu próprio candombe – sem ruídos de tango ou bossa nova.
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🇨🇴 Colômbia: governo firma cessar-fogo com ELN, mas sequestro balança clima de paz – O sentimento parece ser sempre o mesmo: quando as tratativas de paz entre o governo colombiano e o Exército de Libertação Nacional (ELN), maior guerrilha ativa do país, andam para frente, alguma pedra aparece no caminho. Foi assim novamente durante a semana: na quarta-feira (5), o presidente Gustavo Petro assinou um decreto que estabelece um cessar-fogo de seis meses entre as duas partes, exaltando uma possível melhora “na situação humanitária das populações e territórios” e ordenando suspensão imediata de atividades militares contra integrantes do ELN “que fazem parte das negociações de paz”. A assinatura veio um dia depois do Comando Central do grupo armado determinar uma medida similar. Ainda que com impacto imediato, a trégua passará a valer de força oficial a partir do próximo mês, em 3/8, e se encerra em 29/1 do próximo ano. As medidas dão sequência ao que havia sido acordado entre as partes em junho, no terceiro ciclo de negociações de paz realizado em Cuba. O clima, no entanto, é de tensão: no próprio comunicado do ELN, o grupo diz que seus militantes seguirão ativos ante “possíveis ataques e ameaças”, colocando em dúvida a extensão da trégua. Para piorar, no início desta semana, uma ramificação do ELN sequestrou uma sargenta e seus dois filhos na convulsionada província de Arauca. Os militares denunciaram “uma atitude bipolar” por parte da guerrilha. Na tarde de sexta (7), a sargenta e os filhos foram liberados pela guerrilha após negociações com a Defensoria Pública e membros da Igreja Católica.
🇬🇹 Guatemala: Corte suspende oficialização de resultados eleitorais e determina recontagem de votos – Estava tranquilo demais para ser verdade, ainda mais em um processo eleitoral que já vinha cercado de polêmica pela exclusão de quatro presidenciáveis. E a nova crise veio, enfim, no domingo (2), quando o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) do país decidiu acatar uma ordem da Corte Constitucional (CC), que determinou a suspensão da oficialização dos resultados do primeiro turno, realizado em 25/6. Além de frear a entrega oficial da votação – relembre no site do GIRO como ela acabou – a determinação estabeleceu que tribunais eleitorais em todo o país devem, num prazo de cinco dias iniciado na segunda-feira (3), revisar as atas de votação a fim de garantir “eleições transparentes e eficientes”, segundo nota do próprio TSE. O pedido feito junto à CC é assinado por nove partidos políticos, incluindo a Unidade Nacional de Esperança (UNE) – mesmo enviando ao segundo turno a mais bem votada do último mês, Sandra Torres, a legenda perdeu o posto de maior bancada no Congresso, tudo sob denúncias de fraude por parte de seus correligionários. As novidades, porém, não encontraram eco em toda a classe política: segundo lugar no primeiro turno e rival de Torres em 20/8 segundo os resultados conhecidos, Bernardo Arévalo, do jovem partido Movimento Semilla, entrou no mesmo dia com um recurso ante a decisão das cortes, defendendo que a “judicialização do processo eleitoral coloca em risco a democracia”. Observadores internacionais e a Organização dos Estados Americanos (OEA) também fizeram ressalvas à decisão – que, pelo menos até aqui, não altera a data do segundo turno nem da posse, marcada para 14/1 do próximo ano. Na quinta (6), o TSE informou que a oficialização dos números será feita na próxima semana, e uma fonte antecipou à agência Reuters que os resultados da corrida presidencial não devem mudar.
🇭🇹 Haiti: morte de presidente completa dois anos com prisões e peças faltando – Há exatos dois anos na sexta-feira (7), o presidente haitiano Jovenel Moïse era assassinado por um grupo de mercenários dentro de sua residência, na capital Porto Príncipe, apenas alguns meses após denunciar em uma contundente entrevista que sua vida corria perigo. Desde então, muita água rolou e dezenas de nomes apontados como autores materiais da matança foram presos, incluindo o haitiano-chileno Rodolphe Jaar – que em janeiro se declarou culpado de fornecer armas à operação por trás do magnicídio e foi condenado à prisão perpétua em junho passado. Mas, se não parece tão desafiador descobrir quem puxou o gatilho, o cenário é outro quando se buscam nomes que ordenaram a execução. O contexto prévio à morte de Moïse já era delicado: o próprio mandatário era acusado de se converter em “ditador” diante de diferentes interpretações a respeito da duração de seu mandato e do tempo que lhe restava no cargo. Além disso, diante de uma colérica crise institucional, o presidente passou meses governando por decreto. Após o assassinato, a crise humanitária se acirrou e gangues desafiaram o poder bélico do governo interino – postulando o país a uma nova intervenção militar internacional. Como contado em edições anteriores do GIRO, os desdobramentos do crime passam por sérias denúncias contra o atual primeiro-ministro Ariel Henry (que se limitou a retuitar em sua conta oficial uma declaração de luto oficial pelo aniversário de dois anos do assassinato). Ele é acusado não apenas de conspirar contra Moïse, mas também de usar o atual momento de inviabilidade institucional para adiar eleições e pavimentar seu caminho no poder. Até aqui, com tantas perguntas sem respostas, os efeitos do drama pós-assassinato seguem colocando o país no noticiário sempre pelas piores razões, sem uma luz no fim do túnel. Organizações haitianas também vieram a público nos últimos dias cobrando respostas e denunciando o “ritmo lento” das investigações.
🇳🇮 Nicarágua: governo liberta bispo Rolando Álvarez, mas volta atrás dias depois – Pressionado dentro e fora do país e diante de um pedido recente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), o governo de Daniel Ortega decidiu libertar o bispo católico Rolando Álvarez, considerado um dos símbolos da atual cruzada dos orteguistas contra representantes religiosos críticos ao governo. Mas tudo foi pelo ralo bem rápido: na quarta-feira (5), apenas dois dias depois, Álvarez voltou à prisão. Segundo pessoas ligadas ao ramo diplomático, a reviravolta aconteceu após o bispo novamente rejeitar as condições de exílio que lhe foram oferecidas – o caso estaria sendo tratado em negociações a portas fechadas entre Manágua e o Vaticano, que teria pedido que ele fosse enviado à Itália. Além disso, segundo o líder religioso, ele não deve sair do país por não ter cometido nenhum crime. Preso no ano passado, Álvarez ganhou destaque na atual crise após recusar uma outra oferta de liberdade: no início do ano, Ortega ofereceu a ele a possibilidade de se juntar a um grupo de mais de 200 opositores detidos ou processados – entre ex-presidenciáveis, ativistas, ex-guerrilheiros e políticos – enviados na calada da noite a Washington. Após negar a oferta, o bispo pouco depois recebeu uma polêmica condenação de 26 anos de prisão por “traição”, entre outros delitos que ele nega ter cometido. O recrudescimento da situação na Nicarágua ligou alertas em toda a América Latina, incluindo de vozes à esquerda. Recentemente, até mesmo o presidente Lula disse que falaria do assunto com seu homólogo nicaraguense. Em El País.
🇺🇾 Uruguai: água potável está perto do fim e Congresso cria fundo emergencial – A água potável pode acabar no Uruguai nas próximas semanas, segundo estimativas do próprio governo. A crise hídrica causada por uma baixa histórica nos reservatórios que abastecem 60% do país alterou a qualidade da água disponível, ao ponto de torná-la imprópria para o consumo humano. O alto nível de salinização da água que sai das torneiras e o subsequente quadro de emergência dita o dia a dia de muitos uruguaios. Agora, a população recorre à água engarrafada, cujo consumo cresceu 224% na comparação anual. Há poucas semanas, o governo retirou impostos do produto, a fim de forçar uma queda brusca nos preços. Mas, diante de pressões populares e da oposição, o governo se viu obrigado a anunciar novas medidas: a partir de terça (4), mais de 90 mil aposentados passarão a receber uma quantia mensal de 850 pesos (R$ 110) para comprar água potável. Principal bloco de oposição, a Frente Ampla (FA) chegou a defender dias atrás que a população afetada pela crise fosse totalmente desobrigada a pagar a conta de água – o plano, porém, não foi adiante. Já na quarta-feira, o governo conseguiu aprovar no Congresso a criação do chamado Fundo de Emergência Hídrica, que prevê a utilização de US$ 12 milhões mensais para garantir o abastecimento aos mais de meio milhão de cidadãos afetados pela escassez. Enquanto os uruguaios tentam se adaptar a uma nova e indigesta rotina, a previsão do tempo não projeta chuvas suficientes para reabastecer os reservatórios no curto prazo, dando sequência a quase três anos de precipitações abaixo da média em função da seca histórica.
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ARGENTINA 🇦🇷
O deputado ultradireitista Javier Milei, do partido Libertad Avanza, será investigado por suspeitas de venda de candidaturas na Argentina. Geralmente comparado a Jair Bolsonaro e Donald Trump por suas propostas esdrúxulas, ataques de fúria e discursos contra as “castas políticas”, o presidenciável agora é acusado de fazer justamente o que ele diz repudiar: transformar a política em um balcão de negócios. Ex-aliados acusam Milei de oferecer candidaturas em troca de valores que vão de US$ 10 mil a US$ 50 mil. Nesta sexta-feira (7), começaram os depoimentos das testemunhas – o primeiro foi o advogado Carlos Maslatón, que chamou a Libertad Avanza de “franquia” e disse que haveria uma espécie de “leilão” para conseguir um lugar nas listas da legenda. Em resposta às acusações, Milei gravou um vídeo no TikTok alegando que tudo não passava de “calúnias” e que, em seu partido, “cada qual financia sua própria campanha”. No Perfil.
BOLÍVIA 🇧🇴
Os tempos de união entre Luis Arce e Evo Morales parecem ter ficado – cada vez mais – para trás. Ambos trabalharam juntos durante vários anos quando Arce, hoje chefe de Estado, serviu como ministro da Economia de Evo e foi considerado um dos mentores do “milagre econômico” que reduziu drasticamente a pobreza no país do altiplano. Agora, porém, o momento é outro: a dois anos de novas eleições presidenciais, o Movimento ao Socialismo (MAS), partido do governo e mais forte legenda na política boliviana, está dividido entre os “evistas” – que denunciam uma “guinada à direita” sob Arce –, e os que já não enxergam no ex-cocaleiro a figura ideal para levar o grupo socialista adiante. Um resumo das intrigas e dos riscos da ruptura, no Brasil de Fato.
CHILE 🇨🇱
“O Chile deseja se tornar o produtor de hidrogênio verde com os preços mais competitivos do planeta até 2030”, disse, no início da semana, o presidente Gabriel Boric, no marco de encontros entre representantes de seu governo e autoridades italianas. O assunto ambiental virou pauta em Santiago durante a visita do presidente do país europeu, Sergio Mattarella, que durante o tour na capital transandina prometeu colaboração “intensa” em matéria de ciência. “A América Latina e a União Europeia podem ser decisivas para um equilíbrio mundial conduzido à paz e à colaboração”, disse o italiano. O tema tem sido discutido com particular atenção na região diante das discussões ambientais que, segundo eurodeputados, travam o avanço do acordo entre a UE e o Mercosul (bloco do qual o Chile é apenas membro associado). Na esteira das conversas sobre meio ambiente, os dois chefes de Estado assinaram na terça (4) documentos de cooperação nas áreas de sustentabilidade e diplomacia. No final da semana, Mattarella partiu rumo ao Paraguai, último destino de sua visita ao subcontinente. Em La Tercera.
COSTA RICA 🇨🇷
O ex-presidente Luis Guillermo Solís (2014-2018) e quatro integrantes de seu governo foram acusados pela Procuradoria Adjunta de Probidade, Transparência e Combate à Corrupção (Fapta), integrada ao Ministério Público, de delitos de tráfico de influência e falsidade ideológica. A informação só veio à tona na terça (6). Segundo o órgão, Solís, seu ex-vice-presidente, antigos ministros e altos funcionários são ligados a práticas “sem sustentação técnica” que teriam supostamente prejudicado as contas públicas do país, no caso conhecido como “Bancrédito”. Sigla para Banco Crédito Agrícola de Cartago, a instituição financeira estatal teria recebido enormes quantias do Tesouro Nacional, numa operação com condições de retorno suspeitas que teriam, supostamente, maquiado a situação insolvente do próprio banco – sugerindo, ao contrário da realidade, que as condições de liquidez do banco não eram tão ruins. Para a Fapta, o toma-lá-dá-cá permitiu que a imagem do governo Solís não saísse prejudicada – o Bancrédito, porém, acabou falindo em 2017. Em suas redes sociais, o ex-mandatário negou todas as acusações, dizendo que demonstrará “a legalidade de todas as ações” de sua gestão diante dos tribunais. No Nación.
CUBA 🇨🇺
O momento de aproximação entre os históricos aliados Cuba e Rússia tem implicações geopolíticas para os respectivos governos (saiba mais em edições passadas), mas também há motivações econômicas – essas, despertando maior interesse entre a população. Entre as medidas em vista na buena ola entre Havana e Moscou, está o acordo que prevê o envio diário de 30 mil barris de petróleo bruto por parte dos russos, ajudando a ilha a enfrentar uma preocupante escassez de combustíveis em um contexto econômico já bastante delicado. O acordo deve dar um respiro ao setor energético da ilha, ainda muito dependente de combustíveis fósseis, após a Venezuela reduzir suas exportações de petróleo para Cuba de 80 mil para 55 mil barris por dia, como conta a reportagem da BBC.
Una expresión:
Tanto va el cántaro a la fuente que se rompe – Na tradução literal, “o vaso vai tantas vezes à fonte que se quebra”. Usada pelo presidente uruguaio Luis Lacalle Pou na última cúpula do Mercosul, a expressão significa que ações perigosas repetidas sucessivamente podem gerar resultados indesejados. Seria o equivalente a dizer “quem brinca com fogo se queima”. Porém, a frase pode ser empregada para indicar uma situação que está se tornando inaceitável, algo mais próximo de “paciência tem limite” – foi esse o sentido usado por Lacalle Pou.
EL SALVADOR 🇸🇻
O termo Cecot, sigla para “Centro de Confinamiento do Terrorismo”, já é visto como um sinônimo para assuntos que praticamente monopolizam os noticiários em El Salvador hoje em dia: combate ao crime, a popularidade do presidente Nayib Bukele e, por trás desses dois elementos, sérias violações aos direitos humanos cometidas justamente para maquiar os números da segurança pública e melhorar imagem do mandatário. Anunciada por Bukele como “a maior prisão da América Latina”, a mega penitenciária, com capacidade para 40 mil detentos, é considerada a joia da coroa do popularíssimo governo, que tem agido de forma implacável contra as temidas gangues centro-americanas, em especial a MS-13 e a Barrio 18. Agora, assim como a própria guerra ao crime, que atropela direitos constitucionais e causa mortes e desaparecimentos, a obra faraônica de Bukele segue levando perguntas por ser operada atrás de toneladas de ferro e concreto – e distante dos olhos da sociedade civil, como conta essa profunda e detalhada reportagem da BBC.
EQUADOR 🇪🇨
Em 20/8, equatorianos vão às urnas para escolher presidente e membros da Assembleia Nacional, cargos que deverão ser renovados após o presidente Guillermo Lasso dissolver o legislativo pelo preço de perder ele mesmo seu cargo no Executivo (entenda a crise). Atenções, agora, se voltam aos nomes que disputam a Presidência – e, de acordo com várias pesquisas, quem larga com vantagem para buscar uma vaga no segundo turno em outubro é Luisa González, ex-parlamentar e candidata pelo Revolución Ciudadana, corrente de esquerda liderada pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), hoje asilado na Bélgica. Em entrevista ao jornal El País, González minimizou eventuais ações legais a favor de Correa, cujo caso, para ela, compete apenas “às cortes internacionais”. A favorita disse, porém, que, em caso de vitória da RC, o ex-mandatário será “um de seus principais assessores”. Única mulher entre presidenciáveis e com chance de se tornar a primeira a comandar o país, o nome da vez também falou de renovar relações com a Venezuela, de sua opinião contrária ao aborto e da onda de criminalidade que assola o país.
HONDURAS 🇭🇳
Amizade que só aumenta: dando sequência à primavera diplomática entre Honduras e China, iniciada após os centro-americanos decidirem romper relações históricas com Taiwan mais cedo este ano (entenda no GIRO #173), uma delegação do governo chinês pousou em Tegucigalpa na quinta (6) para a primeira rodada de negociações de um tratado de livre-comércio (TLC) entre os dois novos aliados. Além de tratar do pacto comercial, os dois governos também deram o pontapé inicial no chamado Seminário Econômico Comercial e Empresarial China-Honduras, que contará com uma série de encontros entre representantes da potência asiática e integrantes da Comissão Mista de Comércio e Investimento, que inclui algumas das principais pastas hondurenhas. Segundo o ministro de Desenvolvimento Econômico, Fredis Cerrato, os dois países “compartilham ambições comuns: primordialmente, melhorar as condições de seu povo”. Na Prensa.
MÉXICO 🇲🇽
O casamento de Víctor Hugo Sosa, prefeito da pequena comunidade de San Pedro Huamelula, no estado de Oaxaca, e sua amada Alicia Adriana chamou a atenção do mundo por um fato inusitado: a noiva, no caso, é um jacaré – e a cerimônia em questão um rito comum entre indígenas da etnia chontal, bastante conhecida no sul mexicano. Segundo a cultura originária local, o matrimônio entre o representante da cidade e o réptil, no papel de “menina princesa”, é um ato realizado há mais de 200 anos para pedir prosperidade e abundância para os habitantes da região. Contam os registros que o evento também celebra uma trégua entre os chontal e os huaves, dois povos vizinhos que teriam acordado uma pacífica integração justamente ao redor de um casamento – não necessariamente envolvendo um jacaré. O animal, porém, é visto como a “reencarnação” da noiva original dessa agregadora cerimônia. Na Caracol.
PANAMÁ 🇵🇦
Inclusão de mulheres na ciência. Essa é a toada da Secretaria Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (Senacyt), que na segunda (3) apresentou seu plano nacional para igualdade de gênero na área científica. Segundo a pasta, a cena panamenha vive um contrassenso: atualmente, ainda que mulheres representem 60% das graduações nas áreas de ciência e tecnologia, só 40% exercem funções nesse ramo. Agora, a Senacyt busca alavancar carreiras de mulheres no setor, quebrando “barreiras estruturais e culturais ao acesso ao trabalho em todos os níveis”, segundo Eduardo Ortega Barría, secretário da entidade, que deve atuar ao lado de outras organizações públicas e privadas para tocar a agenda de inclusão. A medida foi celebrada pela ministra da Mulher, Juana Herrera, que exaltou o “enfoque de gênero” para evitar que mulheres “fiquem para trás”. Em La Estrella de Panamá.
Dale un vistazo:
Eva Perón – A atriz que quase virou vice-presidenta da Argentina. A figura pioneira que foi o rosto da participação e representação política das mulheres na América Latina. Ambientado entre os anos 1951 e 1952, o filme retrata as batalhas de María Eva Duarte de Perón, ou “Evita”: da luta para ser indicada como vice de Juan Domingo Perón, seu marido, às disputas com os militares argentinos e o movimento operário. Tudo isso enquanto enfrentava graves questões de saúde. O título está disponível no Prime Video.
🎞️ ‘Eva Perón’ (Argentina, 1996). 120 min. Dir.: Juan Carlos Desanzo.
PARAGUAI 🇵🇾
Em breve, vai ter ponte – só não se sabe quando: segundo passo fronteiriço ligando Brasil e Paraguai, além da quase septuagenária Ponte da Amizade, as obras da esperada “Puente de la Integración” estão bem perto de ser concluídas: segundo um novo informe do consórcio responsável por fiscalizar a construção, o novo trecho que passa sobre o Rio Paraná e deve desafogar o fluxo na Tríplice Fronteira (que também inclui as divisas com a Argentina) está avançado em mais de 99%. Mas falta a data: originalmente projetada para ser entregue em dezembro de 2022, a ponte ligando Foz do Iguaçu à paraguaia Presidente Franco teve desfecho adiado várias vezes e autoridades ainda não confirmaram um novo calendário. De volta da Argentina, onde participou da Cúpula do Mercosul, o presidente Mario Abdo Benítez visitou a ponte na terça (4) e sacramentou que a obra já está “terminada” e que faltam apenas “obras complemenatares”. No ABC Color.
PERU 🇵🇪
O governo peruano admitiu na segunda (3) que vai declarar estado de emergência na região que circunda o vulcão Ubinas, em Moquegua, capital do departamento homônimo no sul do país. A declaração foi dada após o vulcão, considerado o mais ativo por lá, passar os últimos dias expelindo cinzas a milhares de metros de altitude, preocupando autoridades. A forte atividade também levou o Instituto Nacional de Defesa Civil (Indeci) a alterar o status de alerta do amarelo para laranja e a orientar habitantes que vivem aos pés do Ubinas que mantenham portas e janelas fechadas para evitar contaminação por resíduos. Como seus vizinhos andinos, o Peru está localizado numa zona sísmica com alta atividade vulcânica, em variados níveis. No entanto, muitas comunidades, em sua maioria de população índigena, não gostam de deixar o lugar onde vivem, mesmo diante de diversos riscos e alertas. No G1.
PORTO RICO 🇵🇷
O Departamento de Estado dos EUA tem uma missão em andamento: a promessa de aplicar linha dura contra crimes ambientais nos territórios insulares do Caribe, o que inclui Porto Rico. A investida é bem-vinda: segundo o ex-chefe da agência ambiental da ilha, Ramón Cruz, a situação atual é “desesperadora”, tornando urgente a implementação de medidas para fortalecer enfraquecidas agências locais de fiscalização, que pouco fazem diante de uma série de irregularidades que acontecem fora do radar. Um alerta similar é feito pela advogada ambiental porto-riquenha Ruth Santiago, que detalha situações delicadas relacionadas à “geração de energia de combustível fóssil e degradação costeira e dos pântanos” – casos, que, no entanto, “certamente não acabaram na esfera judicial”, conta. Autoridades também concordam que a situação é particularmente delicada diante de altos índices de corrupção pública, e que tudo só tende a piorar em função da atual crise financeira vivida em San Juan. Detalhes do plano, na Bloomberg.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Novamente, a crise migratória. Segundo dados do governo revelados nos últimos dias, mais de 23,8 mil estrangeiros sem documentos foram detidos no mês de junho por autoridades dominicanas. A informação é da Direção-Geral de Migrações (DGM) e revela um cenário já bastante conhecido: dos 23.881 migrantes encontrados em condições consideradas irregulares, apenas quatro não são do Haiti, que faz fronteira com a República Dominicana. Vivendo uma crise diária, cidadãos do lado cada vez mais convulsionado da ilha têm cruzado as divisas em direção a terras dominicanas em busca de emprego e segurança. Mas, como a situação haitiana não dá sinais de melhora, o que só faz a travessia de migrantes aumentar, um novo capítulo do drama humanitário se desenrola em Hispaniola, com direito a denúncias de expulsão de crianças haitianas – desacompanhadas dos pais – de volta ao Haiti, entre outros problemas. No Listín Diario.
VENEZUELA 🇻🇪
A crise na fronteira entre Brasil e Venezuela não cessou – e novos números do Censo brasileiro, divulgado pelo IBGE no último dia 28, dão uma dimensão do impacto. Segundo a pesquisa, a população do Estado de Roraima, na divisa com o território venezuelano, cresceu 41,2% nos últimos 12 anos, maior aumento proporcional entre todas as unidades federativas do lado brasileiro. No total, o número de habitantes passou de 450 mil para 636 mil durante a década, aumento diretamente relacionado ao êxodo de cidadãos do lado caribenho do subcontinente. Entre os pontos mais afetados estão a cidade fronteiriça de Pacaraima e a capital roraimense, Boa Vista. Dados oficiais também mostram que, nos últimos cinco anos, mais de 700 mil venezuelanos entraram no Brasil pelo estado do norte; menos da metade permaneceu, muitos em condições de vulnerabilidade. Segundo novos estudos, a situação recrudesceu sob Jair Bolsonaro (2019-2022), rompido diplomaticamente com o governo em Caracas. Com a posse do presidente Lula em janeiro, revivendo a possibilidade de contato entre os dois países, civis e ONGs aguardam novos caminhos e soluções. No Estadão.
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