🇭🇹 Premiê não consegue voltar ao país após ‘coalizão de gangues’ prometer guerra civil no Haiti
Fuga massiva de presos e tiros em aeroporto aumentam convulsão em Porto Príncipe, impedindo que primeiro-ministro Henry pouse no país depois de negociar missão policial no Quênia
Deu tudo errado: como o GIRO contou há uma semana, o primeiro-ministro haitiano Ariel Henry viajou ao Quênia para negociar a tão sonhada missão pacificadora que (em tese) permitiria viabilizar as eleições no país caribenho. De fato, após muitos adiamentos, houve até a promessa não-oficial de uma data para a realização da votação, em 2025. Mas, tão logo foi firmado o acordo em Nairóbi para tentar vencer entraves judiciais do próprio país africano, as maiores gangues haitianas anunciaram, em Porto Príncipe, uma ‘coalizão’ para remover Henry do poder, mesmo que para isso fosse preciso apelar à guerra civil. A espiral de caos político cresceu a tal ponto que o premiê seguia sem conseguir voltar para o Haiti até o fechamento desta edição.
Os novos e mais tensos capítulos de convulsão estavam reservados para os primeiros dias de março: na noite de sábado (2), mais de 3,5 mil presos fugiram da Penitenciária Nacional, na capital Porto Príncipe, levando o governo interino a decretar estado de emergência e toque de recolher em várias regiões durante a semana. Segundo as autoridades, a libertação dos detentos foi feita por “criminosos munidos de armas poderosas” que “não hesitaram em matar civis, saquear e queimar bens públicos e privados”. Estima-se que pelo menos 12 pessoas tenham morrido no marco das rebeliões do final de semana. Além disso, as gangues têm atacado diversos edifícios do governo e postos policiais – na sexta-feira (8), homens fortemente armados foram vistos nas redondezas do Palácio Nacional, desabitado desde o assassinato de Jovenel Moïse em 2021.
A economia haitiana também deve sentir os efeitos da nova erupção social: operadores do maior porto do país, localizado na capital, anunciaram na sexta-feira uma suspensão de atividades em função dos “recentes distúrbios”, aumentando a agonia da indústria local – já bastante impactada por paralisações, cortes de energia e desabastecimento há pelo menos dois anos.
A nova onda de insurreições foi atribuída à atividade de diferentes grupos armados, que há meses controlam perímetros urbanos, ocupando um vazio de liderança que traduz a completa falência institucional do país. No pano de fundo dessa crise está, entre outras demandas, pedidos para que Ariel Henry deixe o poder ao qual foi alçado em caráter provisório – algo que ele prometeu que faria até o último dia 7/2. A reivindicação pela queda do premiê aumentou tanto desde a data que rendeu a espécie de “frente ampla” anunciada pelas principais gangues do país, a princípio sob o comando do ex-policial (e autoproclamado líder revolucionário) Jimmy Cherizier, o “Barbecue”.
Henry viu toda essa instabilidade se refletir em sua agenda pessoal: diante do iminente risco de ver grupos armados assumirem o controle do Aeroporto Internacional Toussaint Louverture, cujos arrabaldes tinham tiros por todo lado, o político sequer conseguiu voltar ao Haiti após seus compromissos internacionais. Após decolar vindo dos EUA, o avião presidencial também foi impedido de aterrisar na vizinha República Dominicana (fruto de relações cada vez mais deterioradas entre os dois países que compartilham a Ilha de Hispaniola), tendo como alternativa pousar em Porto Rico, território estadunidense, na terça-feira (5).
O caso varou os limites haitianos e, sem surpresas, ganhou repercussão internacional. Na imprensa estrangeira, crescia o destaque dado a Barbecue, que antes mesmo da união de rebeldes já comandava a maior frente armada urbana do Haiti, conhecida como “G-9 Família e Amigos”. Para muitos um chefão criminoso, mas que inevitavelmente ganha contornos cada vez mais revolucionários por seus discursos políticos inflamados – e que muitos militantes e civis já param para ouvir com atenção –, Barbecue parece entender a dinâmica de seu país mais do que a esvaziada política que ainda sobra em Porto Príncipe. Falando cada vez mais no papel de oposição, ele garante que, caso Henry não deixe o cargo, “haverá uma guerra civil, um genocídio”.
O norte global também olha o caso com interesse, com direito a aumento na tensão após um furo do Miami Herald dizer, na quarta-feira (6), que o governo de Joe Biden estaria pressionando Henry a renunciar. No mesmo dia, a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, negou que os EUA estivessem exercendo qualquer pressão contra o premiê, mas limitando-se a dizer durante uma ensaboada coletiva de imprensa que Washington quer apenas “garantir ao povo do Haiti que tenha a oportunidade de eleger democraticamente” o seu representante. Caso confirmada, a revelação das fontes bem informadas de Miami marcaria uma mudança de paradigma na relação da comunidade internacional com Henry, que desde 2021 vinha se sustentando indefinidamente no cargo também por contar com apoio externo desde a primeira hora.
Na sexta (8), o Departamento de Estado em Washington insistiu que não apertou por uma renúncia, mas incentivou Henry a acelerar um “plano de transição” que culmine com sua saída do poder.
Após anos de uma arrastada e violenta crise, que se intensificou após o assassinato do presidente Moïse, o Haiti vê tudo se acelerar em 2024, com anos de especulação dando lugar a fatos concretos: agora, eleições supostamente devem acontecer até 31 de agosto de 2025, enquanto Henry vê o cerco se fechar diante de gangues e agentes internacionais cada vez mais ansiosos para que alguma mudança ocorra em breve. Mas, se o premiê até aqui vinha vencendo a queda de braço, agora a situação parece estar se tornando cada vez mais nebulosa.
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Un sonido:
DESTAQUES
🇭🇳 Ex-presidente Juan Orlando Hernández é declarado culpado em todas as acusações e deve encarar prisão perpétua – Após semanas acompanhando com afinco cada passo nos tribunais de Nova York, os hondurenhos enfim conheceram, na sexta-feira (8), o veredito do julgamento contra o ex-presidente Juan Orlando Hernández (2014-2022): culpado, culpado e culpado, nas três acusações que pesavam sobre ele por crimes relacionados ao narcotráfico (saiba mais). O próprio JOH testemunhou durante a semana, voltando a se declarar inocente, enquanto os promotores norte-americanos fizeram suas arguições finais insistindo na pena máxima. O júri começou a deliberar na quinta (7), sem prazo definido para decidir o que pensava a respeito das acusações, mas o réu nem precisou esperar muito: já no dia seguinte os jurados voltaram ao tribunal com uma decisão unânime. A sentença ainda deve ser confirmada pelo juiz do caso até junho, mas a expectativa é que a “tripla culpa” de JOH garanta a prisão perpétua pedida pela Promotoria de Nova York. Em El Heraldo.
🇨🇱 Corpo de ex-militar venezuelano refugiado no Chile é achado desmembrado em Santiago, e ruídos diplomáticos aumentam – Chegou ao fim, e de forma mórbida, a busca pelo ex-tenente venezuelano Ronald Ojeda, sequestrado no mês passado por um misterioso grupo fortemente armado (e que usava uniformes da polícia chilena): na noite da última sexta-feira (1º), autoridades encontraram o corpo do ex-militar desmembrando em uma mala, escondida debaixo de uma camada de cimento, em um bairro afastado do centro de Santiago. O desfecho das buscas aumenta as hipóteses de um crime premeditado e com alguma finalidade, já que não segue os padrões conhecidos de sequestro em troca de resgate. Segundo o procurador-geral do Chile, Ángel Valencia, as características do caso apontam para uma possível participação do infame grupo criminoso Tren de Aragua, surgido em cadeias venezuelanas nos anos 2010 e que, com o passar dos anos, fincou raízes no Chile e em outros países sul-americanos, sendo responsável por extorsões, sequestros e tráfico de drogas. A tensão voltou a cruzar as fronteiras após rumores de que a morte de Ojeda teria algum tipo de envolvimento da Venezuela – uma tese que o chavismo nega, mas que ganhou adeptos, sobretudo na oposição e na direita, já que o ex-militar fugiu de uma prisão militar venezuelana em 2017 se dizendo preso político e foi recentemente citado em relatórios do Ministério Público em Caracas como “traidor da pátria”. Juan Guaidó, o esvaziado opositor e ex-autoproclamado presidente interino da Venezuela, criticou o governo de Gabriel Boric, citando um acordo de cooperação contra o tráfico de drogas, assinado há pouco entre os dois países, como algo que poderia ter facilitado o sequestro. Sem demora, a ministra do Interior, Carolina Tohá, respondeu dizendo que “a política externa do Chile é resolvida no Chile”. As investigações – e os boatos – seguem.
🇵🇪 Peru: primeiro-ministro renuncia por suposto caso de conflito de interesse; especialistas apontam assédio sexual – Tão logo pousou em Lima após voltar às pressas do Canadá, onde participava de uma conferência sobre mineração, o primeiro-ministro peruano, Alberto Otárola, apresentou oficialmente sua renúncia à presidenta Dina Boluarte na terça-feira (5), após um escândalo: no final de semana passado, áudios e conversas vazados mostraram Otárola supostamente oferecendo trabalho e favores políticos a uma mulher, usando de sua influência em troca de favores sexuais; ela teria atuado como funcionária do Ministério da Defesa no ano passado. O caso estremeceu os corredores do poder na capital, levando Boluarte, que já governa afundada em impopularidade, a aceitar a saída de um de seus mais importantes aliados. Além das acusações de conflito de interesse, o agora demissionário ministro também teria assediado sexualmente a mulher com quem conversava, perseguindo-a com mensagens amorosas, de acordo com especialistas. O político negou tudo, dizendo que os áudios são editados e de um período em que ele ainda não era funcionário do governo, bradando que “o país é testemunha de uma conspiração, um complô, uma operação midiática planejada por figuras que atuam nas sombras”. Otárola também citou o ex-presidente Martín Vizcarra (2018-2020), derrubado pelo Congresso durante a pandemia e desde o mês passado investigado pelo Ministério Público por corrupção, como o responsável por divulgar o material que iniciou a crise: “Não tenho dúvida de que ele [Vizcarra] está por trás de tudo isso. Ele e sua equipe de corruptos”, afirmou, sem ainda apresentar provas. Com a mudança, conforme prevê a lei local, todos os ministros de gabinete devem ser substituídos, dando sequência à infinita instabilidade institucional peruana, que no governo anterior viu essas trocas se tornarem rotineiras – a própria Boluarte trocou quatro de seus principais ministros em 2024. Para o cargo de Otárola, a presidenta nomeou Gustavo Adrianzén, que até então atuava como representante permanente do Peru na sede da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. No El País.
🇻🇪 Venezuela, enfim, define datas para as eleições – Sem uma data oficial até então e com rumores de que seria realizada apenas no final do ano, a aguardada votação presidencial venezuelana agora já tem dia no calendário: na terça (5), o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, confirmou que o pleito ocorrerá em 28/7, encerrando a espera de diversos setores políticos, mas mantendo uma série de outras dúvidas no ar. Com todas as etapas devidamente estabelecidas, resta ver o que será da oposição, a priori representada pela ex-deputada direitista María Corina Machado. Ela, no entanto, está banida de participar da votação, efeito de uma decisão recentemente ratificada por órgãos judiciais venezuelanos. As últimas decisões que mantêm a principal candidata adversária do chavismo fora do jogo eleitoral fizeram os EUA voltar atrás e reativar sanções econômicas que haviam sido parcialmente suspensas como parte de uma “garantia” eleitoral para opositores. Apesar disso, o presidente da Assembleia Nacional (AN) e figura forte do governo, Jorge Rodríguez – que também é o responsável por negociar os trâmites eleitorais com o bloco de oposição Plataforma Unitária – garante que todo o cronograma eleitoral segue fiel ao que foi estabelecido entre governo e oposição em Barbados, quando as partes se sentaram, em 2023, para viabilizar acordos em vista da eleição de logo mais. O tema também virou polêmica no Brasil, após o presidente Lula, sem citar Corina Machado, dizer que “em vez de ficar chorando [por ser excluído das eleições em 2018], indiquei outro candidato”. A frase acabou dando à opositora venezuelana, até então pouco conhecida pelo público brasileiro, a chance de retrucar as falas de Lula nas redes sociais com um tuíte viral. No Efecto Cocuyo.
Un hilo:
MAIS NOTÍCIAS
ARGENTINA 🇦🇷
Pelo menos até o fechamento desta edição do GIRO, o leitor que acessou o site da Télam, principal agência estatal argentina de notícias, encontrou uma tela desativada, com um emblema oficial estampado acima da seguinte mensagem: “página em reconstrução”. Isso porque, na segunda-feira (4), por ordem do presidente Javier Milei, a agência teve suas atividades suspensas por uma semana. Além de ficar fora do ar, o veículo teve os acessos físicos às instalações de sua redação bloqueados pela polícia – todos os funcionários foram impedidos de entrar. O caso gerou protestos e revolta, levando dezenas de organizações, jornalistas e políticos a denunciar o que chamaram de gravíssima violação aos direitos de liberdade de imprensa. A paralisação total da Télam já havia sido citada por Milei dias antes, quando o mandatário disse, diante de deputados, que pretendia adotar medidas contra a agência que “tem sido usada durante as últimas décadas como agência de propaganda kirchnerista”. Novos desdobramentos devem acontecer na próxima semana. No Página 12.
BOLÍVIA 🇧🇴
A troca de cinco ministros do governo de Luis Arce na última sexta-feira (5), segundo analistas, é mais do que um aceno às reivindicações de grupos sociais – esta a razão oficial, segundo o secretário-executivo da Central Obrera Boliviana (COB), Juan Carlos Huarachi. Por trás das mudanças está, como quase tudo envolvendo a política boliviana atualmente, a disputa entre o atual presidente e o ex-mandatário Evo Morales (2006-2019): ao mudar os chefes de pastas estratégicas, o presidente já começaria a acomodar aliados de olho na provável disputa presidencial de 2025, que deve ter Arce e Evo travando uma briga nas urnas, ainda sem favoritos (e com Evo talvez concorrendo de forma indireta, após um banimento de sua candidatura pelo Tribunal Constitucional). Novos nomes foram anunciados nos ministérios de Desenvolvimento Rural, Minas e Metalurgia, Cultura, Educação e Meio Ambiente. No BdF.
COLÔMBIA 🇨🇴
O renomado escritor e Nobel de Literatura Gabriel García Márquez, morto há 10 anos, deixou este plano sem se convencer de que “Em agosto nos vemos”, seu romance póstumo – que já pode ser comprado desde quarta-feira (6) –, era bom o suficiente. Segundo seus filhos, o autor passou seus últimos anos contrariado, chegando até mesmo a dizer que os manuscritos “não serviam” e que “deveriam ser destruídos”. A família, que manteve os fragmentos da obra em um arquivo, no entanto, garante que a perda de lucidez de Gabo, que em seus anos finais viu a própria memória esmaecer em função de um quadro de demência, acabou afetando sua percepção sobre o livro. “O romance estava, talvez, um pouco disperso em um número indeterminado de originais, mas estava completo”, garantiu o filho Gonzalo García Barcha, dizendo que a montagem da obra foi fruto de um “trabalho de arqueologia”. Via EFE.
COSTA RICA 🇨🇷
Vivendo uma alta incomum de números de violência, boa parte dos cidadãos da Costa Rica já vê com certa prioridade a aprovação de reformas legais que endureçam a luta contra o crime, algo obviamente defendido – e capitalizado – pelo governo de direita de Rodrigo Chaves. Mas aprovar essas mudanças não será tão fácil: na quarta-feira (6), o mandatário criticou as ressalvas feitas por magistrados constitucionais à aplicação de prisão preventiva contra acusados de tráfico de drogas e associação a outros delitos de narcotráfico. “Eles querem diluir essas leis”, bradou Chaves. Ele reagiu a uma fala da juíza Patricia Vargas González, que classificou de “problemático” um plano que pode acabar gerando prisões “arbitrárias”. Segundo Vargas, esse novo modelo de detenção violaria tanto a Constituição do país quanto as normativas da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, podendo fazer o país “ser responsabilizado internacionalmente”. No Nación.
CUBA 🇨🇺
Vivendo a pior crise em pelo menos três décadas, que já fez o país recorrer de forma inédita à ONU por alimentos, Cuba agora está apertando os cintos (ainda mais) com a energia elétrica: segundo a imprensa estatal divulgou na terça (5), cerca de 75% da iluminação pública vem sendo desligada nas horas de pico, em uma tentativa de racionamento. Com uma infraestrutura em declínio e dificuldades para adquirir combustível, Cuba vem passando por apagões cada vez mais frequentes nos últimos anos. Segundo o ministro de Minas e Energia cubano, Vicente de la O Levy, o corte na iluminação pública e a redução de outros serviços tentam amenizar o impacto das suspensões de energia residenciais, embora elas também sigam acontecendo. De la O Levy informou que apenas 46% das importações de combustível previstas pelo governo foram recebidas em fevereiro, intensificando a crise energética. Via Reuters.
Dale un vistazo:
📖 Las cosas que perdimos en el fuego* – Coletânea de contos da escritora argentina Mariana Enríquez, o livro explora as profundezas sombrias da sociedade contemporânea, mergulhando em temas como violência, desigualdade social, misoginia e corrupção. Em cada história, a autora nascida em Buenos Aires habilmente mescla o real com o sobrenatural, levando os leitores a uma jornada perturbadora através das complexidades da vida urbana latina. Os personagens são confrontados com situações desconcertantes e personificam os medos e as ansiedades da vida moderna. Com uma prosa afiada e uma imaginação inquietante, Mariana Enríquez desafia as fronteiras entre o ordinário e o extraordinário, convidando os leitores a explorar os recantos mais sombrios da condição humana. A atmosfera tensa é uma constante do início ao fim, quase sem espaço para respirar diante do horror latino-americano que beira o palpável. Las cosas que perdimos en el fuego é uma potência condensada em 200 páginas. Mais informações sobre onde encontrar o livro, no site da editora Anagrama.
* colaboração de Yasmmin Ferreira
EL SALVADOR 🇸🇻
Presidência, cheque. Congresso (com um total de 56 das 60 cadeiras), cheque. Faltavam só as eleições municipais, realizadas no último domingo (3) e cercadas de enormes expectativas de que uma nova vitória avassaladora do partido governista Nuevas Ideas, de Nayib Bukele, ocorreria. O domínio brutal da legenda se confirmou: com cerca de 80% dos votos apurados, o oficialismo venceu em 29 cidades, controlando diretamente mais de 60% das administrações municipais. O poder de Bukele, no entanto, aumenta se for considerado que a maioria dos 15 municípios onde o NI não venceu será governada por candidatos de partidos aliados ao governo, dando ao presidente um domínio sobre praticamente todo o território salvadorenho. Mesmo antes da divulgação parcial de dados oficiais, o próprio mandatário reeleito já havia projetado em suas redes sociais o cenário em que apenas uma única prefeitura ficaria sob controle opositor, para ele “um voto de punição pelas terríveis gestões que alguns deles fizeram”, disse. Os resultados preliminares também confirmaram as piores das previsões para a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), principal partido de esquerda do país: assim como nas eleições legislativas, a antiga guerrilha, outrora poderosa, ficou sem nenhum representante pela primeira vez desde que se converteu em partido no início dos anos 1990. Vale lembrar que essas eleições escolheram apenas 44 prefeitos após uma controversa mudança constitucional aprovada no país no ano passado, que uniu antigos territórios para reduzir drasticamente o número de municípios em El Salvador – até então, eram 262. Opositores, especialmente do FMLN, já alertavam que a redução no total de cidades seria uma maneira de dificultar ainda mais as vitórias de grupos contrários a Bukele. Em El Faro.
EQUADOR 🇪🇨
Enquanto o país se prepara para votar um referendo em abril que poderá mexer em bases legais para, entre outras mudanças, endurecer leis contra o crime organizado, uma investigação do Ministério Público prendeu autoridades por suposto envolvimento com… o crime organizado. Segundo informação oficial dada na segunda (4), pelo menos 12 pessoas foram detidas no marco das operações, incluindo funcionários do Judiciário da província costeira de Guayas, cuja capital é Guayaquil – considerada o epicentro da alta de violência dos últimos anos. Entre os presos estão um ex-deputado, uma antiga funcionária de um tribunal local e outros vários juízes que atuam em cortes da província. Segundo a procuradora-geral Diana Salazar, a atual operação ganhou o nome de “expurgo” e busca promover uma “limpeza” nas instituições equatorianas, algo que deve seguir em pauta durante a votação do mês que vem. No Primicias.
GUATEMALA 🇬🇹
Os riscos que a três vezes derrotada nas eleições presidenciais Sandra Torres corria de perder o controle da União Nacional da Esperança (UNE), um dos partidos mais fortes e tradicionais do país (entenda), acabaram se concretizando em derrotas reais: na quarta-feira (6), pelo menos 11 integrantes da legenda aprovaram uma resolução interna que impediria Torres de enviar ofícios ao Legislativo – apoiadores da empresária reclamam que a decisão é ilegal. Secretária-executiva da UNE desde 2012, cargo que costurou também pela influência que conseguiu durante o tempo em que ocupou o posto de primeira-dama no governo uneísta do ex-presidente Álvaro Colom (2008-2012), falecido em 2023, ela vem sendo acusada de agir com autoritarismo dentro do partido, centralizando várias decisões importantes. Rumores também apontam que o insucesso de Torres em três diferentes eleições presidenciais (ela foi derrotada em segundo turno nas votações de 2015, 2019 e 2023) teria sido crucial para que alas incomodadas começassem a agir. Para a UNE, resolver conflitos internos é crucial a partir deste ano, já que o grupo, antes a maior força no Congresso, perdeu 23 cadeiras nas últimas eleições e agora é o segundo bloco mais numeroso. No Prensa Libre.
MÉXICO 🇲🇽
Um novo protesto pela lentidão do governo em investigar e punir o caso dos “43 de Ayotzinapa” (relembre o caso e por que ele se tornou tão infame) ocorreu na capital mexicana na quarta-feira (6), desta vez com direito a um portão do palácio presidencial sendo derrubado por uma caminhonete. A rigor, nada muito novo aconteceu nos últimos tempos para a responsabilização de agentes estatais envolvidos no desaparecimento dos estudantes, que completa 10 anos em setembro – e este é justamente o problema. Com uma nova eleição presidencial marcada para este ano, familiares e ativistas em prol das vítimas temem que um novo governo poderia recomeçar os trabalhos do zero, atrasando ainda mais a busca por Justiça. Entre os vários atrasos, está a própria identificação dos restos mortais: até hoje, só três ossadas tiveram sua identidade estabelecida. O presidente Andrés Manuel López Obrador, que assumiu em 2018 e herdou as investigações do caso, disse que o protesto desta semana foi uma “provocação”, mas minimizou o episódio da porta derrubada: “vai ser consertada, isso não é nada”. Via AP.
Una expresión:
Viernes de relax – Uma sexta-feira para relaxar. A expressão, comum em países hispanohablantes, também se tornou infame na boca do ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández (2014-2022), que definia com desdém as marchas de oposição que sacudiram seu governo ainda no início, em 2015. Para ele, os protestos, que ao longo de meses tinham nas sextas-feiras seu ponto culminante, não passavam de um viernes de relax de seus adversários políticos. Nesta sexta-feira (8), o troco veio, após Hernández ser declarado culpado por narcotráfico em um tribunal dos EUA: “não foi um viernes de relax para JOH”, ironizaram inúmeros comentários nas redes sociais.
NICARÁGUA 🇳🇮
Sem surpresas e com a oposição inviabilizada, uma fácil vitória governista. A frase já foi repetida várias vezes nas últimas semanas para falar das eleições em El Salvador, mas agora vale novamente para a Nicarágua, onde a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) de Daniel Ortega conquistou a vitória nas duas eleições locais disputadas no último domingo (3). O pleito da vez escolhia representantes regionais da Costa Caribe nicaraguense, subdividida em norte e sul, com a marcante ausência de partidos indígenas, também perseguidos na escalada autoritária orteguista pós-2018. Sem muitas opções e com enorme abstenção (menos de 50% dos eleitores compareceram), a sigla do governo fez quase 90% dos votos, conforme a autoridade eleitoral, tudo poucos dias após um grupo de especialistas vinculados à ONU voltar denunciar Manágua por violações de direitos humanos contra opositores. No BdF.
PANAMÁ 🇵🇦
Fumaça branca, ao menos da perspectiva de autoridades eleitorais, com a formalização na segunda-feira (4) da inabilitação da candidatura do ex-presidente Ricardo Martinelli (2009-2014) – ele liderava as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de maio, mas corria o risco de não poder participar após uma condenação de 10 anos de prisão, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, ser recentemente confirmada pelas altas cortes; no Panamá, condenados a cumprir penas acima de cinco anos por esses crimes não podem concorrer a cargos públicos, segundo a Constituição. Até então, tudo parecia emperrado no sistema jurídico panamenho, o que até permitiria a aparição de Martinelli em debates presidenciais. Não mais: acatando uma notificação do Judiciário, o Tribunal Eleitoral (TE) não apenas confirmou a exclusão do ex-mandatário, atualmente asilado na embaixada da Nicarágua na Cidade do Panamá, mas também ordenou que toda a propaganda política que leve o nome do empresário seja removida. Até o momento, magistrados definiram que o vice da chapa, José Mulino, será o representante principal do binômio do partido Realizando Metas (RM), concorrendo sem vice. Com o líder das pesquisas fora da pista, o jogo eleitoral deve virar briga de foice, com vários nomes – que, até então, não eram preferidos por muito mais que 10% dos eleitores – disputando a corrida cabeça a cabeça. Pelo X (ex-Twitter), Martinelli defendeu sua inocência, dizendo que em seu país “não existe mais o devido processo legal”. Dias depois, o político também anunciou que sua equipe de advogados está recorrendo da decisão. Em La Estrella de Panamá.
PARAGUAI 🇵🇾
Sem esperança na conclusão do interminável acordo entre Mercosul e União Europeia ainda em 2024 e com direito a cutuco no argentino Javier Milei, de quem diz que “tenta copiar o modelo econômico do Paraguai”. Essas foram algumas das posições evidenciadas pelo presidente Santiago Peña, em uma das primeiras entrevistas concedidas a um veículo de fora da América Latina depois do período pós-eleitoral no ano passado. Em visita à Espanha, Peña foi ouvido por repórteres do jornal El País e vendeu seu peixe para o público europeu em uma entrevista publicada no último sábado (2).
Un nombre:
Cerveza Cristal – Uma das cervejas mais populares do Chile, essa marca surgida em Valparaíso se tornou um nome conhecido no mundo inteiro nesta semana, após usuários do ex-Twitter redescobrirem uma premiada campanha publicitária feita para a empresa há mais de duas décadas. Em 2003, com a TV chilena querendo evitar cortar as transmissões de Star Wars para intervalos comerciais, a solução foi introduzir anúncios dentro do próprio filme – gerando cenas inusitadas em que os personagens do universo de George Lucas parecem padecer de um etilismo muito específico, saciado apenas por… Cerveza Cristal. As incursões engraçadas em momentos diferentes da saga (veja algumas aqui) viralizaram e se tornaram meme, com internautas fazendo edições para incluir a tal cerveja em cenas clássicas de outros filmes. Apesar de ressurgir nos últimos dias, as peças estiveram longe de ser algo obscuro em seu tempo: em 2004, a campanha intitulada “La fuerza está con Cerveza Cristal” chegou a ser premiada em Cannes.
PORTO RICO 🇵🇷
A partir de segunda-feira (4), e ao longo de duas semanas, autoridades serão ouvidas em um tribunal federal dos EUA a respeito dos US$ 9 bilhões de dívidas que pesam sobre a claudicante Autoridade de Energia Elétrica de Porto Rico (Prepa), com objetivo de discutir a renegociação de seus débitos bilionários. Tudo acontece sete anos após o governo em San Juan abrir falência no que se considera o maior quadro de bancarrota em nível municipal da história dos EUA (país ao qual a ilha caribenha, que não é independente, é associada). O primeiro dia contou com protestos e manifestantes denunciando que suas contas de energia, que já têm um valor elevado para a média estadunidense, podem acabar mais caras caso o plano de reestruturação seja aprovado. Como explicado pelo GIRO em 2022, após anos engolida por burocracia, corrupção e dívidas que só aumentavam, a estatal Prepa, até então detentora do monopólio energético na ilha, passou o bastão em 2021 para Luma Energy, empresa privada encarregada de normalizar e modernizar o abastecimento de eletricidade em Porto Rico. Mas, com uma infraestrutura totalmente varrida por furacões em anos anteriores e problemas de gestão que se repetiram, a crise seguiu. Via AP.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Para quem lê o GIRO, não é novidade que o governo dominicano de Luis Abinader não mostre disposição para lidar, ao menos em bons termos, com a longa crise do Haiti, seu vizinho de ilha. Entre os exemplos, destaque para a decisão de banir um ex-premiê haitiano no final de 2022, denúncias de deportação de crianças haitianas desacompanhadas e, não menos importante, a construção de um muro separando os dois países caribenhos. A semana teve até um novo capítulo de retaliação, com o atual premiê Ariel Henry sendo impedido de pousar em Santo Domingo após voltar de compromissos internacionais, como explicado na abertura desta edição. A postura de tolerância zero deve ser mantida: na quarta-feira (6), o Ministério da Defesa dominicano garantiu, sem dar detalhes, que medidas rígidas de segurança na fronteira serão mantidas enquanto a convulsão social se mantiver do outro lado da ilha. O ministro Carlos Luciano Díaz Morfa afirmou que o fluxo comercial na divisa seguirá sob supervisão militar. Na CNN.
URUGUAI 🇺🇾
Casos (eleitorais) de família:Andrés Lima, atual intendente de Salto e pré-candidato à Presidência pela coalizão de centro-esquerda Frente Ampla (FA), encerrou seu casamento no último final de semana. Segundo ele, o motivo foi sua (agora ex) esposa anunciar que apoiaria não ele, mas seu adversário e também pré-candidato Yamandú Orsi, considerado o nome mais forte da agremiação progressista para as eleições do final de outubro. Em entrevista, Lima garantiu que o caso foi um fator “decisivo” para o rompimento matrimonial. “A gota d’água”, disse, claramente incomodado. As primárias do paisito que vão definir nomes únicos para a disputa presidencial do final do ano acontecem em 30/6. Em El País.
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