Peru: Castillo contra-ataca algozes no Congresso
Bolívia: com data para Censo, governo pede fim de protestos | Paraguai: EUA prometem recompensa milionária por assassinos de promotor | Equador: boato sobre venda de resultado na Copa causa indignação
Após as repetidas tentativas de destituição, com direito a maracutaias jurídicas, o presidente peruano Pedro Castillo resolveu dar o troco no parlamento que desde sua posse tenta puxar o tapete. Na quinta-feira (17), o primeiro-ministro Aníbal Torres surpreendeu os deputados com uma visita apressada ao Congresso. Ele foi apresentar uma questão de confiança – dispositivo político para forçar uma votação expressa do legislativo em torno de um tema específico. Na prática, o mecanismo é um “tudo ou nada” para tentar garantir governabilidade, mas pode ter efeitos inesperados. E essa pode ser a bala de prata de Castillo para se manter no cargo.
Ao contrário da moção de confiança, apresentada pelos parlamentares para destituir o chefe do Executivo, a questão de confiança traz consequências extremas para ambos poderes: quando é rejeitada, o gabinete ministerial é destituído por força da lei; em caso de duas rejeições a gabinetes diferentes, o presidente tem a prerrogativa de dissolver o Congresso e convocar novas eleições parlamentares – o que já ocorreu num passado não tão distante e que, se voltar a acontecer, jogaria o país ainda mais fundo em uma crise institucional que não termina.
No caso concreto, o governo Castillo tenta usar a manobra para derrubar uma lei que determina que toda reforma constitucional deva passar pelo Congresso. A lei questionada, de número 31399, entrou em vigor em janeiro deste ano, e na prática inviabilizou que o Executivo convoque por conta própria votações sobre as bases legais do país – referendos e plebiscitos que digam respeito à Carta Magna do país necessariamente precisariam de aval dos congressistas. Alguns juristas consideram que a lei é desnecessária, dado que isso já estaria previsto na própria Constituição. Mas os governistas apelidaram o texto legal de “lei antirreferendo”, insistindo que o cenário atual limita a participação social direta dos cidadãos nos plebiscitos.
Ainda é incerto o que acontece caso a lei seja derrubada com a aprovação da tal questão de confiança. O mais provável é que o parecer final recaia sobre o Tribunal Constitucional, que deve decidir se há ou não a possibilidade de realizar plebiscitos de reformas constitucionais sem a anuência do legislativo – o que praticamente tiraria o Congresso da jogada nas propostas de emendas constitucionais apresentadas pelo Executivo. Porém, se esta e uma próxima questão de confiança forem negadas, estará formado o cenário para mais um terremoto na política peruana. Dessa vez, porém, Castillo tenta fazer com que a vítima do abalo não seja (como de costume) ele próprio. Ao mesmo tempo, há o risco de ver o tiro sair pela culatra.
A relação de Castillo e dos outros quatro presidentes que o país teve desde 2016 com o Congresso não é das melhores. O conflito mútuo chegou ao ponto de ele ser impedido pelos legisladores de sair do país para participar de um encontro da Aliança do Pacífico, no México. O último derrubado pelo legislativo, Martín Vizcarra, também usou a questão de confiança, para aprovar reformas constitucionais de combate à corrupção. Em 2019, Vizcarra chegou inclusive a realizar uma controversa dissolução da casa legislativa, alegando que as ações do Congresso “na prática” já significavam uma dupla negação das questões de confiança, mesmo sem um voto nesse sentido – na queda de braço judicial da época, venceu o ainda popular do presidente, que convocou eleições extraordinárias e, por fim, seria ele próprio derrubado pela nova legislatura, um ano mais tarde. O atual ultimato cria um cenário paradoxal, como naquela época: tanto a aprovação quanto a rejeição da questão de confiança faz ambos poderes – Legislativo e Executivo – ganharem e perderem ao mesmo tempo. É uma aposta, um cálculo político para descobrir o que traz mais vantagem.
Caso a hipótese mais radical se concretize e resulte na dissolução do Congresso, nada garante que uma nova eleição parlamentar favoreça o presidente. A desaprovação do governo Castillo ultrapassa os 60% e cerca de 59% acredita que o mandatário esteja envolvido em casos de corrupção (leia mais aqui). O possível efeito colateral disso seria a formação de uma bancada de oposição ainda mais forte, inclusive com a maioria qualificada necessária para destituir o presidente em uma moção de vacância (processo semelhante ao impeachment) – algo que hoje o Congresso peruano não tem; uma barreira de contenção que deu a Castillo a capacidade de sobreviver a duas votações do tipo desde que chegou ao poder, em julho de 2021. Enquanto isso, na capital Lima, a extrema direita provou que segue ativa no jogo e pode complicar ainda mais a vida de Castillo.
A julgar pela alta rotatividade de ministros no governo peruano e pelas sucessivas crises internas até mesmo dentro da base aliada, tudo indica que Castillo lançou a que pode ser sua última grande cartada. O primeiro-ministro já avisou que está pronto para deixar o cargo caso a proposta seja rejeitada e mencionou que, se o governo quisesse fechar o Congresso, “teria apresentado duas ou mais questões de confiança”. Por enquanto, a casa legislativa segue analisando o pedido – e deverá decidir, nos próximos dias, se também parte para um novo ataque.
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DESTAQUES
🇧🇴 Governo promete meio-termo sobre data do Censo e pede fim dos protestos – Os três poderes do país deram garantias, na sexta (18), de que uma das principais demandas dos manifestantes em prol da realização imediata do Censo seria cumprida: nas eleições nacionais de 2025, os lugares no Congresso já seguiriam a proporção populacional encontrada no levantamento. Vale recapitular: com epicentro no departamento de Santa Cruz, o mais rico do país e tradicional reduto da oposição à esquerda masista, os protestos que já duram quatro semanas exigiam que o Censo, adiado este ano, viesse a ser realizado já em 2023. A consulta é necessária para determinar a destinação de recursos públicos e a representação legislativa, temas que interessam os cruceños porque, embora no Censo de 2012 a região ainda tivesse menos habitantes que La Paz, novas estimativas indicam que ela já é a mais populosa da Bolívia. Na sexta-feira passada (11), o presidente Luis Arce prometeu a realização do Censo para março de 2024, com a entrega dos resultados ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) do país até setembro daquele ano, o que daria tempo para a redistribuição dos assentos parlamentares até as eleições. Com a garantia dada pelo governo, foi feita também uma convocação para que os protestos enfim sejam encerrados. Em El Deber.
🇲🇽 López Obrador defende reforma do instituto eleitoral após protestos contra medida – Na capital e em pelo menos outras 25 cidades, milhares de mexicanos foram às ruas no domingo (13) para protestar contra uma polêmica proposta há tempos pretendida pelo presidente Andrés Manuel López Obrador: mexer nas bases do Instituto Nacional Eleitoral (INE). A ideia mais criticada envolve a alteração do sistema de composição do órgão, tornando obrigatória a eleição de seus integrantes (por meio de voto popular) em vez do uso de mão de obra parlamentar. Para alguns manifestantes, as mudanças poderiam reduzir a transparência da entidade e, no limite, afetar o sistema democrático mexicano. Para AMLO – que classificou de “classistas” e “racistas” as manifestações – é justamente o contrário: o mandatário argumenta que o INE foi responsável por endossar fraudes eleitorais em 2006 e 2012, pleitos em que o próprio presidente saiu derrotado. Além de alterar o funcionamento do INE, a medida proposta por López Obrador – que viria por meio de aprovação de emendas constitucionais, o que por sua vez exigiria que governistas negociassem votos que ainda não têm na Câmara – também visa reduzir o número de deputados federais e senadores. Na DW.
🇵🇾 EUA oferecem recompensa milionária por assassinos de promotor paraguaio – Os EUA ofereceram, na quinta (17), uma recompensa de US$ 5 milhões por informações que levem à captura dos responsáveis pelo assassinato do promotor paraguaio Marcelo Pecci, executado na Colômbia em maio, em um crime com fortes suspeitas de envolvimento transnacional. Embora autoridades colombianas já tenham condenado quatro pessoas a 23 anos de prisão por envolvimento no crime – com uma quinta aguardando julgamento –, imagina-se que haja outros coautores intelectuais ainda à solta. Segundo a embaixada estadunidense em Assunção, o oferecimento da recompensa seria uma mostra de solidariedade ao Paraguai. Via Reuters.
🇪🇨 Boato de suborno por derrota na estreia da Copa causa indignação no Equador – Não há qualquer indício de que o Equador tenha “vendido” o resultado do jogo de abertura da Copa do Mundo, marcado para este domingo (20) contra o anfitrião Catar, às 13 horas de Brasília. A suposta notícia – que falava em um suborno de US$ 7,4 milhões para oito jogadores equatorianos facilitarem uma vitória dos donos da casa, por 1 a 0, no segundo tempo – começou com um perfil no Twitter conhecido por difundiu informações duvidosas a respeito do país asiático e logo se espalhou por veículos de diferentes partes do mundo, sem qualquer confirmação além do tuíte original – que não apresentou provas. “Um idiota publica uma estupidez e passamos horas falando sobre isso. Ninguém raciocina nada”, criticou Miguel Ángel Loor, presidente da Liga Equatoriana de Futebol, sobre a repercussão que a “denúncia” ganhou no próprio país. O Equador está no grupo A da Copa, ao lado de Catar, Holanda e Senegal. No Doble Amarilla.
🇩🇴 Ante pressão da ONU, dominicanos defendem política de deportação de volta ao Haiti – O mais novo capítulo do impasse diplomático entre os dois países que se avizinham na ilha de Hispaniola esquenta. Menos de uma semana após o presidente Luis Abinader emitir na sexta (11) um decreto que reforça a logística de deportação de haitianos de volta ao lado ocidental da fronteira, o que inclui a criação de uma unidade policial para investigar imigrantes que vivem no que o mandatário chamou de “ocupações ilegais de terra”, uma resposta por parte dos haitianos: segundo informou o porta-voz do atual premiê Ariel Henry na quarta (16), o governo interino em Porto Príncipe está “muito preocupado” com as deportações massivas e espera que “os direitos dos cidadãos [haitianos] sejam respeitados”. E os ruídos seguem: dias atrás, o mesmo Abinader também chamou de “inaceitáveis e irresponsáveis” as falas do alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, que exortou Santo Domingo a encerrar o envio de haitianos de volta ao país natal: “a política migratória de cada país é da responsabilidade de cada governo”, bradou o cada vez mais irredutível mandatário, cuja gestão também é responsável por ter iniciado a construção de um imenso muro que deve isolar pelo menos metade dos 360 km da fronteira que divide a ilha em dois. Via Reuters e El Día.
Un clic:
Novamente fazendo amigos que agora buscam seu petróleo em meio à guerra russo-ucraniana, Maduro teve tempo até para fotos engraçadinhas na COP27.
MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
Unasul, o retorno? Se depender das novas lideranças políticas latino-americanas à esquerda, sim. Na segunda (14), ex-presidentes, antigos ministros e autoridades de órgãos multilaterais do lado vermelho do espectro começaram a distribuir um documento que exalta a necessidade de reorganização dos organismos institucionais do bloco (que parou de funcionar após uma avalanche conservadora na região, podendo ser revivido agora). Até o fechamento deste GIRO, o presidente chileno Gabriel Boric e o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, já tinham o documento em mãos – e para eles faz todo sentido entrar na onda. A carta pode ser lida na íntegra aqui.
ARGENTINA 🇦🇷
Galopando rumo aos três dígitos, a inflação anual do país chegou a 88% no acumulado dos últimos 12 meses, após o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) confirmar, na terça (15), uma alta de preços de 6,3% em outubro – já são quatro meses seguidos de aumento acima da casa dos 6%. Os números não são menos assustadores considerando apenas a subida do custo de vida em 2022: os preços subiram 76,6% desde janeiro, com destaque negativo para os setores de bens e serviços. A iminente chegada de uma inflação interanual acima de 100% colocará o país sob os piores números desde o começo dos anos 1990, quando argentinos viviam sob um quadro crítico de hiperinflação combatido com medidas radicais – como instituir por lei a paridade de 1:1 entre o peso e o dólar, hoje 300 vezes mais valioso do que a moeda platina em mercados paralelos. Em uma “guerra contra a inflação” desde março, o governo também tem investido em medidas controversas para estancar a sangria, como o congelamento de preços de mais de 1,7 mil produtos. E. como se não bastasse um contexto horrível, a ministra do Trabalho, Kelly Olmos, falou mais do que devia: após afirmar em um programa que a vitória do país na Copa do Mundo seria mais importante do que o controle da inflação, a chefe da pasta veio a público se retratar pelo que disse ter sido um mal entendido. Em El País.
Além da inflação, um outro indicador de crise para os hermanos é a falta do tão popular asado, que não pode sair de cena sob nenhuma circunstância. Não é diferente para os jogadores albicelestes que lutam pelo tricampeonato mundial no Catar: após atravessarem o oceano munidos de 3,5 toneladas de carne, os atletas recusaram hospedagem em um hotel cinco estrelas pela óbvia razão: apesar do luxo, lá não dava para assar uma carninha. Em vez da mordomia, a delegação do país ficará acomodada em uma universidade que, “além de uma ótima estrutura, conta com área aberta para fazer churrasco”, disse um representante da Associação do Futebol Argentino (AFA). No UOL.
CHILE 🇨🇱
Pela primeira vez desde setembro, a aprovação do presidente Gabriel Boric deu sinais positivos: conforme divulgado pelo Instituto Cadem (um dos principais do país), no domingo (13), 33% dos chilenos agora enxergam a gestão do mandatário com bons olhos, um aumento de 8 pontos percentuais em relação ao último balanço. O índice de desaprovação também caiu – e até mais: menos 11 pontos, chegando a um patamar ainda delicado de 58%. Os novos números vêm a público alguns dias após a apresentação dos planos de reforma no sistema de aposentadorias, um tema que gera polêmica entre os chilenos há décadas (saiba mais aqui). Via La Tercera
COLÔMBIA 🇨🇴
Protestos pelo país – mas, dessa vez, a favor do governo Gustavo Petro. Na terça (15), sindicatos, grupos civis e pessoas sem afiliação se espalharam em várias cidades colombianas em um gesto de apoio à nova administração, que atingiu a simbólica marca de 100 dias desde a sua posse. O movimento favorável é fruto da ideia do senador Gustavo Bolívar, integrante da coalizão governista, que no final de setembro convocou apoiadores de Petro para irem às ruas defender as reformas pretendidas pelo governo, como “justiça tributária, paz, inclusão social, transição energética, educação gratuita e direito à saúde”, todas bandeiras levantadas pela esquerda hoje no comando do país. No Infobae.
As tão aguardadas tratativas de paz entre o governo colombiano e os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN), considerado o último grupo armado organizado ainda em atividade no país, devem finalmente se iniciar na próxima semana, confirmou o presidente Petro a jornalistas na quinta (17). A conversa – que deve acontecer em Caracas, com Venezuela, Cuba e Noruega no papel de países garantidores – é uma das pedras fundamentais da agenda de “pacificação total” prometida pelo novo governo, que pretende colocar um ponto final nos quase 60 anos de conflito armado. Além disso, a ideia de Petro é evitar que uma eventual trégua com o ELN gere dissidências e violência residual, como acontece desde o aperto de mãos que abriu caminho para o necessário, mas esburacado, processo de paz de 2016 entre Bogotá e as FARC, hoje oficialmente um partido político. Via Reuters.
Dale un vistazo:
📚 A vergonha de todos – Às vésperas de uma nova Copa do Mundo sediada em um país ditatorial e sob protestos e pedidos de boicote, é inevitável lembrar de quando a própria América Latina foi cenário de um torneio em circunstâncias parecidas. Em 1978, sob o olhar do general Jorge Rafael Videla, a Argentina sediou – e ganhou – a Copa enquanto milhares de opositores políticos eram perseguidos, presos, torturados e mortos. Em La Vergüenza de Todos, livro publicado em 2005 pela editora das Associação das Mães da Plaza de Mayo, o jornalista e advogado de direitos humanos Pablo Llonto põe o dedo na ferida que aquele Mundial abriu na sociedade argentina e investiga a passividade que tomou conta do país enquanto a seleção caminhava rumo ao título então inédito, que emprestou aos militares seu momento de maior popularidade durante os anos de repressão. Sem edição brasileira, o livro pode ser encontrado em sebos e links alternativos na internet.
COSTA RICA 🇨🇷
O que seria o derradeiro amistoso preparatório da Costa Rica rumo à Copa do Mundo virou um incidente diplomático: na quinta (17), representantes do selecionado centro-americano confirmaram que o duelo contra o Iraque, na casa destes, havia sido cancelado após divergências quanto aos passaportes dos atletas costa-riquenhos. A treta: a Costa Rica alega que havia um acordo prévio para que seus jogadores cruzassem a fronteira sem ter o passaporte carimbado, já que o registro de passagem por solo iraquiano poderia complicar o futuro retorno daqueles que atuam profissionalmente nos Estados Unidos – três jogadores convocados atuam por clubes da estadunidense Major League Soccer (MLS), sem contar outros que, pela proximidade entre as nações americanas, estão sempre indo pra lá. Autoridades da nação asiática, por outro lado, dizem que tal acordo não existia e a decisão costa-riquenha por uma “entrada ilegal” foi uma “surpresa”. Por fim, disseram que até mesmo um avião de Basra (cidade onde o tal jogo de aquecimento aconteceria) ao Kuwait, onde “La Sele” se preparava para a Copa e de onde tentou partir rumo a território iraquiano, teria sido oferecido. Seja como for, não teve jogo. A Costa Rica, que depois do impasse pousou em Doha na sexta, estreia na Copa do Mundo do Catar na próxima quarta-feira (23), contra a Espanha, em um grupo complicado que também conta com Alemanha e Japão. E o presidente Rodrigo Chaves promete liberar os funcionários públicos do país para saírem do trabalho e assistir aos jogos. Na CNN.
CUBA 🇨🇺
O recém-aprovado Código da Família (saiba mais no hilo) e algumas novidades no Código Penal cubano já mostram sinais de avanço nos direitos civis, mas ativistas entendem que há espaço para mais – sobretudo quando o assunto é violência doméstica. O tema é discutido em uma reportagem da AP, jogando luz sobre um problema que afeta várias mulheres cubanas ainda pouco amparadas por políticas públicas eficazes contra esse quadro de vulnerabilidade. “Não é só apanhar. Violência é (também) não falar com você, te ignorar, te restringir. Um nível de controle extremo e horrível”, relata uma vítima, que além de reclamar da falta de informações sobre canais de denúncia, diz que tem pouca esperança sobre o amparo do Estado nesses casos. Ativistas e organizações também enxergam uma margem para avanços diante de um histórico de conquistas positivas para mulheres na ilha, sobretudo considerando o contexto da região: vanguardista, Cuba concedeu a mulheres o direito ao divórcio, direitos parentais, além de um acesso facilitado ao aborto legal.
EL SALVADOR 🇸🇻
Um tribunal da capital San Salvador concedeu na segunda (14) liberdade condicional ao ex-coronel Guillermo Benavides, um dos militares condenados pelo massacre de seis jesuítas e dois funcionários na Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas (UCA). O crime, que completou 33 anos dois dias após a sentença (e foi lembrado pela universidade com a realização de uma missa), ocorreu no contexto da violenta Guerra Civil (1980-1992), período em que um sem-número de violações aos direitos humanos se alastraram pelo país, muitos deles cometidos ou ordenados por esquadrões da morte ligados à caserna. Segundo a justiça, Benavides, condenado a 30 anos de prisão, recebeu o abrandamento “por ter mais de 60 anos e por já ter cumprido um terço da pena”. A decisão recebeu uma chuva de críticas. Em El País.
EQUADOR 🇪🇨
O governo já discute realizar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para fechar suas contas em 2023, admitiu o ministro de Economia e Finanças, Pablo Arosemena, nesta terça-feira (15). Alvo de fortes protestos no país por incluir medidas de austeridade como parte da negociação (o que em outros anos já quase derrubou presidentes do cargo), o mais recente acordo entre o Equador e o FMI rendeu um empréstimo de US$ 6,5 bilhões ao país, e chega ao fim em dezembro. De acordo com Arosemena, os projetos equatorianos exigem um financiamento de mais US$ 7,58 bilhões no ano que vem, que viriam em parte da emissão de títulos de dívida interna e externa, da venda de imóveis do governo e de um novo empréstimo – de valor e sob condições ainda desconhecidas – com o Fundo. Via Reuters.
GUATEMALA 🇬🇹
Não basta financiar golpes de Estado no século 20: tem que vir até o país e pegar artefatos históricos. Parece piada, mas é igualmente terrível a saga (que piora a cada capítulo) da estadunidense Stephanie Allison Jolluck, que no domingo (13) foi parada pela polícia carregando no carro nada menos que 166 peças pré-hispânicas. Uma tragédia anunciada: a abordagem aconteceu apenas três dias após a mesma mulher ser pega no aeroporto da capital guatemalteca tentando surrupiar duas relíquias da cultura maia de mais de mil anos de idade. Jolluck, que pode responder por tráfico de patrimônio nacional, nega as acusações e disse que teria comprado as peças na cidade turística de Antigua, onde mora com o marido, pensando estar levando meros souvenirs. Mas é claro que tudo piorou ainda mais: diante da suspeita, foi ordenada uma inspeção de 12 horas dentro da casa do casal e, para a surpresa de quase ninguém, nada menos que 1.222 itens foram descobertos. As peças, algumas cravejadas com pedras preciosas, foram encaminhadas a especialistas do Ministério da Cultura. O imbróglio deve ganhar novidades em breve. Via AP.
Una expresión:
Otra cosa es con guitarra – Literalmente “com violão é outra coisa”, a expressão talvez encontre seu melhor equivalente em português brasileiro na frase “na prática, a teoria é outra”. Significa que você até pode saber como a coisa funciona, mas quando efetivamente vai realizá-la (quando pega o violão para tocar), tudo se torna um pouco mais difícil. O presidente chileno Gabriel Boric usou a expressão recentemente para se referir à derrota da esquerda no plebiscito sobre a nova Constituição – “percebemos que otra cosa es con guitarra”, disse ele – e, nesta semana, um senador oposicionista levou um violão e uma partitura como “presentes” para provocar o presidente em uma reunião no palácio de La Moneda. “Se efetivamente otra cosa es con guitarra, queremos saber que nota o presidente vai tocar”, disse o senador Francisco Chahuán, que foi criticado pelo deboche, carregando uma lista de 100 propostas para a segurança pública.
HAITI 🇭🇹
Com ecos de um passado tenebroso e bastante recente, o cólera cada vez mais volta a figurar na interminável lista de problemas para o país. Com mais de 800 casos confirmados até a última semana e pelo menos 161 mortes em função da doença, o governo do Haiti e as Nações Unidas – esta paradoxalmente a própria responsável por ‘trazer’ a doença para território haitiano há alguns anos – lançaram na terça (15) um apelo de US$ 145,6 milhões, cifras necessárias para dar uma resposta emergencial às áreas mais afetadas pelo novo surto. Estima-se que mais de 1,4 milhão de haitianos estejam sob risco iminente de contaminação. No início da semana, segundo o Ministério de Saúde, mais de 8,7 mil casos suspeitos seguiam em avaliação. De acordo com um informe divulgado pela organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) – responsável sozinha por mais de 60% da capacidade de leitos para tratamento de cólera na capital Porto Príncipe – os bloqueios que afetam o acesso a combustíveis e a circulação de caminhões-pipa com água potável colocam o país em um cenário “preocupante”. No Miami Herald.
HONDURAS 🇭🇳
“Um processo histórico”, disseram na quarta (16) representantes da Missão Internacional de Observação (MIO) a respeito da eleição dos 15 novos magistrados da Corte Suprema de Justiça de Honduras, prevista para 2023. Segundo os observadores, é crucial que o país, que tem longo histórico de abusos judiciais, conte com um colegiado “independente”. Para o antigo porta-voz da Missão de Apoio contra a Corrupção e a Impunidade em Honduras (Maccih) e hoje membro da MIO, Jiménez Mayor, nos últimos anos a nação centro-americana vem “sofrendo um processo de corrupção e impunidade por parte de setores políticos e econômicos” ao passo que órgãos como o Ministério Público, o Superior Tribunal de Contas e o Judiciário “sempre atenderam a interesses partidários”. Honduras também articula para que ao menos sete dos 15 escolhidos sejam magistradas mulheres. Via EFE.
MÉXICO 🇲🇽
Xin Xin. Esse é o nome do último espécime de panda da América Latina. Nativa do México e moradora do zoológico de Chapultepec, essa fêmea é a solitária remanescente de uma diáspora de pandas gigantes doados pela China a países estrangeiros no final do século passado, parte da controversa “diplomacia do panda”. Em 1984, em vez de dar os bichos como presente, Pequim passou a adotar uma política de empréstimos a um preço alto – e agora “empresta” pandas (cujos filhotes devem ser devolvidos ao gigante asiático em nome da conservação da espécie) por 10 a 15 anos a um custo de US$ 1 milhão por ano. A mudança fez do México um dos últimos países estrangeiros a ter um panda nascido em seu próprio território, que não precisou ser devolvido para a China: aos 32 anos, Xin Xin é a segunda geração de uma linhagem que se desenvolveu no país latino após seus antepassados chegarem da Ásia em 1975, é considerada idosa para a espécie e sem chance – ou parceiro – para se reproduzir. Quando ela se for, a possibilidade de o país seguir contando com o animal é duvidosa. “Definitivamente, outro tipo de acordo terá que ser encontrado, mas dependerá muito da vontade e das necessidades de ambos os países”, conta Fernando Gual, diretor do Zoológico e Conservação da Vida Selvagem da Cidade do México. Via AP.
NICARÁGUA 🇳🇮
Os EUA voltaram a criticar a “repressão do governo Daniel Ortega” contra a Igreja Católica no país, dessa vez por meio da Comissão dos Estados Unidos para a Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF) – uma entidade bipartidária independente criada em nível legislativo para monitorar, analisar e relatar ameaças à liberdade religiosa no exterior. Com razões factuais e ideológicas para repudiar o cenário de instabilidade nicaraguense, o congressista republicano Mario Diaz-Balart disse na terça (15) que o “regime mostra um absoluto desdém pelas organizações religiosas”. O repúdio não é novo: em 2022, além de cercear a liberdade de imprensa e política, o poder em Manágua tem investido contra lideranças religiosas, expulsando núncios e prendendo bispos, padres e seminaristas. Outras organizações de caridade ligadas à causa religiosa foram postas em ilegalidade. Toda a crise também não é nova: até mesmo antigos sacerdotes outrora ligados à esquerda e ao próprio movimento guerrilheiro que alçou Ortega à política nacional acabaram virando alvo do sufocamento total do governo, como é o caso do poeta e sacerdote Ernesto Cardenal, um dos líderes da Teologia da Libertação, que morreu sendo uma voz crítica à atual situação política do país. Via AFP.
PANAMÁ 🇵🇦
Os olhos do mundo se voltaram para o Egito nas últimas semanas, com a realização da 27ª conferência do clima da ONU, a COP27. Mas, enquanto o debate maior sobre o futuro do planeta ocorria no norte africano, o Panamá começou a receber outra “COP” (sigla em inglês que, embora tenha sido consagrada para o evento climático, refere-se a qualquer “Conferência das Partes” sobre um assunto de interesse global) nesta segunda-feira (14): a nova conferência da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora Silvestres (CITES, na sigla em inglês), encontro que – de forma confusa – é chamado abreviadamente de COP19. A cúpula das espécies segue até o dia 25 e reúne representantes de mais de 180 países, que vão discutir propostas para melhorar a proteção de diferentes animais e plantas, com destaque este ano para tubarões, répteis e o pau-brasil. Estima-se que o tráfico de espécies ameaçadas movimente cerca de US$ 15 bilhões por ano no mundo. Via AFP.
Un nombre:
Papá Aucas – Apelido da Sociedad Deportiva Aucas, um dos clubes de futebol mais populares de Quito, que conquistou o título equatoriano pela primeira vez na história no último final de semana. A história do nome é o puro suco dos conflitos territoriais na América do Sul: criado em 1945, o time nasceu vinculado à petroleira Shell, usando as mesmas cores amarela e vermelha da empresa anglo-holandesa. Nas viagens de prospecção para encontrar reservas de petróleo na Amazônia, várias vezes os empregados da Shell foram combatidos por indígenas Huaorani – que eram conhecidos, por outros povos, como “aucas”, termo em quéchua para “pessoas da selva”, “selvagens” ou (em uma acepção mais nobre) “guerreiros”, devido à violência com que repeliam qualquer incursão estrangeira, fosse de europeus ou de outros nativos equatorianos. A homenagem torta queria indicar que o time manteria, em campo, o mesmo espírito combativo que os “aucas” demonstravam em cada encontro com os visitantes indesejados.
PARAGUAI 🇵🇾
Por definição, o Grammy Latino premia majoritariamente obras da região, o que não quer dizer que não haja espaço para ineditismos: na cerimônia desta quinta-feira (17), uma artista paraguaia conquistou o troféu pela primeira vez para seu país – foi o caso de Berta Rojas, ganhadora do prêmio para o Melhor Álbum de Música Clássica, pelo disco “Legado”. “Se estou aqui hoje é porque antes houve mulheres pioneiras do violão clássico que abriram esse caminho”, disse Rojas, que dedicou o prêmio ao Paraguai e agradeceu com um “aguyje!”, “obrigado” em guarani. E foi premiação em dose dupla: uma música tocada por Berta no álbum também recebeu outro troféu na noite, o de Melhor Composição Clássica Contemporânea, por “Anido’s Portrait: Chacarera”, do brasileiro Sérgio Assad. No ABC Color.
PERU 🇵🇪
É de família: depois do pai, o ditador Alberto Fujimori (1990-2000), e da irmã e várias vezes candidata à Presidência, Keiko Fujimori, quem acabou condenado na terça (15), no caso pelo crime de tráfico de influência, foi o ex-deputado Kenji Fujimori. Completando a tabelinha de familiares às voltas com a justiça, Kenji agora aguarda a pena de quatro anos e seis meses de prisão ser confirmada em segunda instância. Fujimori filho e outros ex-parlamentares eram acusados pelo Ministério Público com base em um vídeo em que eram vistos negociando apoio ao então presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018), que acabaria renunciando, em troca de favores políticos (relembre os desdobramentos aqui). Via AFP.
PORTO RICO 🇵🇷
O de sempre: diante dos persistentes problemas elétricos que só pioraram com os fenômenos climáticos dos últimos meses (entenda o contexto no GIRO #150), o governo dos EUA, ao qual Porto Rico é ligado oficialmente, anunciou na terça (15) que fornecerá à ilha caribenha geração elétrica temporária por meio de barcaças. A medida de emergência visa não apenas normalizar a distribuição da rede elétrica, mas, também, permitir que os próprios reparos (que também precisam de energia) sejam finalizados. Equipes vão poder instalar subestações, transformadores e disjuntores para tocar um projeto de manutenção que pode levar de 12 a 18 meses, de acordo com o governador Pedro Pierluisi: “não podemos suportar interrupções”, disse. O envio das embarcações faz parte de um acordo fechado no mês passado com a Agência Federal de Gerenciamento de Emergências dos EUA. Via AP.
URUGUAI 🇺🇾
NASA uruguaia? O presidente Luis Lacalle Pou enviou ao Parlamento um projeto de lei que busca criar, dentro da Força Aérea Uruguaia, uma divisão responsável por temas relacionados ao espaço, e novos detalhes foram revelados nesta semana. Trata-se menos de lançar foguetes para explorar o universo e mais de lidar com o que está na órbita terrestre mesmo: de acordo com o projeto, o objetivo é melhorar a capacidade do país de coletar informações geoespaciais para facilitar operações de inteligência e vigilância, especialmente em relação a situações de emergência e catástrofes. O Uruguai conta com um programa espacial desde 1997 e já lançou satélites de fabricação própria em parceria com outros países, mas ainda não conta com uma agência específica – civil ou militar – para o tema. Em El Observador.
VENEZUELA 🇻🇪
O país apresentou à Corte Internacional de Justiça (CIJ), na quinta (17), argumentos contrários a uma nova reclamação da Guiana envolvendo o controle soberano do contestado território de Essequibo, um conflito territorial antigo e em eterna discussão (entenda o caso aqui). A vice-presidenta Delcy Rodríguez, que liderou a missão venezuelana em Haia, na Holanda, pediu que o tribunal declare inadmissível tal pedido sob argumento de que o lado guianês erra ao interpretar o que é previsto pelo Acordo de Genebra (1966). O lado venezuelano, que defende a soberania sobre Essequibo, argumenta que o Reino Unido, de quem a Guiana se emancipou no mesmo ano de 1966, explorou o território “indevidamente”. A medida ainda não foi aceita pela CIJ; a visita de Caracas ao país europeu aconteceu justamente para evitar que o caso seja aberto pela corte. No Efecto Cocuyo.
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