‘Bolsonaro andino’: Aliaga ganha força na extrema direita do Peru
Argentina: avanço de Milei já preocupa macristas | Bolívia: divisão interna do MAS volta à tona com polêmica de vice | Haiti volta a ter vítimas de cólera | Uruguai: eutanásia passa na Câmara
Desconfiança no sistema eleitoral, intrigas com a imprensa, ameaças proferidas contra adversários, ódio a movimentos feministas, demonização do aborto e promessas de não ser um “político tradicional” que todos conhecem. Poderia muito bem ser um resumo da trajetória de Jair Bolsonaro na Presidência do Brasil nos últimos anos, mas são características de Rafael López Aliaga, empresário e político peruano de 61 anos que, no último domingo (3), foi eleito prefeito da capital Lima em uma disputa acirrada contra o militar conservador Daniel Urresti, um general acusado de violações de direitos humanos. Os dois terminaram a apuração separados por cerca de 47 mil votos, repetindo um quadro de desconfiança e incerteza que já havia marcado as eleições presidenciais de 2021. Em um pleito de turno único, ambos concentraram, juntos, mais de metade do eleitorado, com López Aliaga fazendo 26,2% dos votos contra 25,3% de Urresti. Por outro lado, a candidatura do Perú Libre, partido do presidente Pedro Castillo, ficou em último lugar com menos de 1,5% das preferências em Lima.
Em um cenário de descrença na classe política, como também foi o caso do Brasil há alguns anos, López Aliaga encontra um vácuo no sistema para avançar com sua agenda ultraconservadora, mesmo tendo feito individualmente a menor porcentagem de votos de um prefeito eleito na capital em 40 anos. O empresário já havia terminado o primeiro turno do pleito nacional do último ano como terceiro candidato mais votado, recebendo quase 1,7 milhão de votos – mais de 11% da preferência numa etapa em que o mais votado, o atual presidente Pedro Castillo, depois eleito em segundo turno, não superaria a casa dos 19%. O desempenho de destaque na votação de 2021 já dava indícios de que os votos confiados ao mais novo nome de extrema direita peruana não foram nada acidentais, embora ainda insuficientes para superar o fujimorismo encabeçado por Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto. Com o triunfo na capital, um dos principais redutos de oposição ao sempre cambaleante governo Castillo, o radicalismo de direita avança ainda mais.
A alcunha de “Bolsonaro peruano” não demorou a vir e foi abraçada pela imprensa do próprio país – mas, por enquanto, não por Aliaga. Chamando o mandatário brasileiro de “extremamente intolerante”, disse que o líder vizinho não respeita as minorias, coisa que prometeu fazer diferente. Mas, na prática, as semelhanças se empilham: se de Bolsonaro se ouviram frases como “fuzilar a petralhada”, o novo prefeito de Lima chegou a pedir sem rodeios “morte a Castillo e ao comunismo”. Sempre que pode, também pede que o presidente renuncie e diz que não vai dialogar com o chefe de Estado. Uma renovada oposição ferrenha a Castillo, que passou seu primeiro ano escapando de destituições no Congresso e revertendo crises internas, só atrapalha os planos de sobrevivência do governo. E as críticas ao líder de esquerda não são bem uma novidade. No último ano, López Aliaga declarou apoio a Keiko Fujimori no segundo turno e endossou suas acusações (jamais comprovadas) de fraude nas urnas. Outra amostra do que ele próprio pode fazer no futuro caso volte a concorrer pelo poder máximo do país.
Verdade seja dita, há um elemento que de fato distingue o extremista peruano de Bolsonaro: seu apelo religioso. Ao passo que o capitão tem tido sua fé questionada nas redes sociais recentemente após voltarem à tona vídeos que o relacionam à maçonaria brasileira (algo intolerável para muitos cristãos que até ligam o movimento ao satanismo), seu paralelo peruano é de uma vertente muito mais fervorosa nesse aspecto: López Aliaga é ligado à Opus Dei, uma ala extremamente radical da Igreja Católica. Por sua relação com o movimento, o prefeito eleito diz que há anos pratica abstinência sexual e até autoflagelação. Em uma entrevista, chegou a dizer que optou por se transferir para a Universidade de Piura (fundada pela Opus Dei) após ensinarem “marxismo” nas aulas de engenharia. Ele também é abertamente contra a educação sexual.
O discurso anti-esquerda, que já é bastante latente no Peru pelo histórico de violência da guerrilha Sendero Luminoso – considerada oficialmente uma célula terrorista – vai ganhar mais ecos a partir de agora, sobretudo com um quadro de crise econômica no colo do governo Castillo. O novo prefeito da capital não faz diferente: com promessas mirabolantes de investimento e mudanças, culpa a esquerda pelos problemas que já vinham corroendo o bolso do cidadão desde antes dos tempos de pandemia. Os resultados no Peru também servem de alerta para a região: ainda que a América Latina tenha dado sinais de que podia voltar a tempos de “Onda Rosa”, com presidentes à esquerda eleitos nos últimos tempos e com a possível queda do próprio Bolsonaro este ano, a chamada “direita tradicional” vem perdendo espaço para movimentos cada vez mais radicais no espectro (a Argentina é outro exemplo, como você lerá nos destaques desta edição). No Peru, o fujimorismo já tinha aberto a porteira do ultraconservadorismo antes – uma brecha que agora López Aliaga aproveita, e sem a associação direta à ditadura condenada por crimes contra a humanidade.
ATENÇÃO: COM SUA AJUDA PODEMOS SER CADA VEZ MELHORES!
Un sonido:
DESTAQUES
🇦🇷 Avanço de Milei preocupa macristas – Alerta na direita tradicional argentina: novas pesquisas de opinião vêm dando cada vez mais destaque ao deputado ultradireitista Javier Milei como opção para as eleições presidenciais de 2023. Embora o agrupamento político de Milei ainda apareça em terceiro lugar, atrás do Juntos por el Cambio do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e da Frente de Todos do atual mandatário Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, individualmente o legislador já vem sendo o nome mais lembrado em algumas enquetes: em uma pesquisa do instituto Opinaia, Milei foi citado por 21% como potencial opção de voto, contra 14% de Kirchner e apenas 7% de Macri. O Clarín conta que os números devem fazer o macrismo rever sua estratégia, que até aqui vinha deixando Milei atuar sem grandes questionamentos na expectativa de que suas críticas enfraquecessem o peronismo – sem se dar conta de que o Juntos por el Cambio poderia também ser fagocitado pelo político. Para o atual governo, a semana foi de mais problemas do que a possibilidade de se confrontar com a extrema direita nas urnas no ano que vem: a economia segue com números péssimos e, pela primeira vez, a projeção de inflação acumulada para 2022 superou a marca de 100%.
🇧🇴 Divisão interna do MAS volta à tona – O clima dentro do Movimento ao Socialismo (MAS), partido do governo, segue esquisito: dessa vez, a fagulha veio do vice-presidente David Choquehuanca. Na terça (4), em uma cerimônia de homenagem ao revolucionário Ernesto “Che” Guevara, o vice falou da necessidade de novas lideranças em tempos de crise e chamou de “covardes aqueles que fogem”. A frase foi entendida como uma referência infeliz ao ex-presidente Evo Morales, forçado a deixar o país em 2019 após ser deposto por um golpe – tudo num momento em que o clima entre os dois anda tenso. A reação foi contundente: Gerardo García, vice-presidente do partido (que ainda segue liderado pelo próprio Evo), chamou Choquehuanca de “traidor”, dizendo que o segundo do Executivo está “fazendo um favor à direita” ao criar um clima de divisão no MAS. García também sugeriu que o vice do presidente Luis Arce tem intenções de “criar seu próprio partido”. Enquanto o caso se soma a uma lista de outras intrigas recentes, o governo Arce disse no início da semana que não vai perder tempo com brigas internas. Em El Deber.
🇭🇹 Haiti volta a ter vítimas de cólera – Em meio a diferentes crises – que incluem uma semana com mais protestos reprimidos pela polícia e pedidos da ONU por corredores humanitários –, o Haiti volta a lidar com um drama antigo: no domingo (2), o governo confirmou a morte de pelo menos oito pessoas por cólera, os primeiros óbitos atribuídos à doença em três anos, além de 68 contágios confirmados. “O cólera é algo que pode se espalhar muito, muito rapidamente”, alertou Laure Adrien, do Ministério da Saúde do país, revivendo os temores de um país que contou mais de 10 mil vítimas em um surto da doença em 2010. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prometeu ajuda para tratar os afetados e encomendou uma carga de vacinas orais para tentar conter a epidemia. Via AP.
🇺🇾 Eutanásia avança na Câmara – O Uruguai deu mais um passo para legalizar a eutanásia na quinta-feira (6), com a aprovação do projeto de lei sobre o assunto na Câmara de Deputados após intensas negociações que conseguiram reunir apoio das várias vertentes políticas. “Esse projeto muda o centro de gravidade: o poder não está mais com o médico. Queremos que esteja em boa medida com o paciente, que é quem sofre”, afirmou o deputado Ope Pasquet, do Partido Colorado, presidente da Câmara e um dos coautores do texto. Agora, o texto segue para discussão no Senado. Atualmente, o único país latino-americano em que a eutanásia é prevista em lei é a Colômbia, embora decisões judiciais já tenham concedido esse direito recentemente também no Peru. No Economista.
🇻🇪 Isolado, Guaidó sofre derrota na OEA – Muda pouco na prática, mas é mais uma mostra do enfraquecimento da oposição venezuelana aglutinada em torno de Juan Guaidó: na quinta-feira (6), durante a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Lima, no Peru, nada menos que 19 países-membro da entidade votaram a favor da retirada das credenciais dos representantes do líder contrário a Nicolás Maduro nas reuniões do bloco. Entre os destaques que foram nesse sentido, a lista conta com Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e México, em um sinal da nova onda à esquerda que vem assumindo governos pela região. Dentro da OEA, porém, a situação não se altera, porque para a exclusão definitiva seriam necessários dois terços dos votos, e ainda houve nove abstenções (incluindo o Brasil) e quatro votos abertamente contrários à retirada. Na Folha.
Un clic:
MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
Pelo menos 1.160 ativistas ambientais latino-americanos foram assassinados desde 2012, segundo um relatório da Global Witness. Na liderança desse ranking regional, estão o Brasil (342), a Colômbia (322) e o México (154). A Amazônia virou um dos principais palcos desse tipo de crime, impulsionado pelo avanço do desmatamento, da mineração ilegal e do ataque a povos indígenas da floresta. Foi o caso, por exemplo, do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, mortos em junho no Vale do Javari, no estado brasileiro do Amazonas. De acordo com o levantamento, 68% dos assassinatos de ativistas ambientais ao redor do mundo são de latino-americanos. No Diálogo Chino.
E não deu para os brasileiros do São Paulo contra os equatorianos do Independiente Del Valle na final da Copa Sul-Americana, segundo torneio de clubes mais importante da América do Sul, que teve desfecho em partida única disputada no último sábado (1º): com um gol em cada tempo, Los Rayados de Sangolquí impuseram um firme 2 a 0 contra os paulistas, com direito a um belo gol anotado na etapa final por Lorenzo Faravelli, tento definidor que somou mais uma estrellita ao escudo do (agora) segundo bicampeão sul-americano do país andino – a LDU, de Quito, venceu uma Copa Libertadores contra o também brasileiro Fluminense, em 2008, além de uma edição de Sul-Americana contra os mesmos cariocas no ano seguinte. A final do último sábado aconteceu em Córdoba, na Argentina, sede alternativa após Brasília, a priori a palco da finalíssima, ser descartada em função do primeiro turno das eleições brasileiras no final de semana. Tristeza para os tricolores, com direito a relatos de dificuldades logísticas para voltar ao Brasil, alegria para os negriazules, recebidos em clima de festa nacional na capital equatoriana, como conta o El Comercio.
Vencedor do primeiro turno das eleições presidenciais do Brasil, o ex-presidente e favorito nas pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) recebeu no domingo (2) os cumprimentos de uma série de lideranças latino-americanas que, por afinidade ideológica, já vislumbram uma possível vitória do petista na segunda rodada de votação prevista para o final do mês. O argentino Alberto Fernández, que tem boas relações com Lula desde antes do processo eleitoral, saudou o colega e parabenizou o Brasil por sua “expressão democrática”. O afago foi repetido pelos mandatários Andrés Manuel López Obrador, do México, Gustavo Petro, da Colômbia, e Luis Arce, da Bolívia – todos à esquerda no espectro. Já o resultado de Jair Bolsonaro, superado por Lula na primeira volta por pouco mais de 6 milhões de votos, foi celebrado pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump (2017-2021), que aproveitou para atacar as pesquisas, a imprensa e chamar Lula de “radical de esquerda”. Na BBC.
ARGENTINA 🇦🇷
Era um dos jogos mais aguardados da reta final do Campeonato Argentino de futebol. Mas, na noite de quinta-feira (6), a bola rolou por apenas nove minutos no duelo entre o perseguidor Gimnasia y Esgrima, de La Plata, e o líder Boca Juniors: incidentes do lado de fora do estádio platense levaram a uma violenta repressão policial que deixou uma pessoa morta, além de dezenas de feridos, e o gás lacrimogêneo utilizado no exterior da cancha acabou afetando torcedores, jogadores e imprensa – com o público precisando invadir o campo para respirar, a partida foi interrompida por falta de garantias de segurança. As cenas deixaram temores de um morticínio ainda maior, remetendo a outra tragédia ocorrida no futebol mundial nos últimos dias: na Indonésia, no final de semana passado, a repressão da polícia a atos violentos de torcedores deixou 131 vítimas fatais em um estádio do país, entre asfixiados e pisoteados. No Olé.
CHILE 🇨🇱
“Prioridades compartilhadas” é o que os Estados Unidos e o governo de Gabriel Boric têm, afirmou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, em visita à nação andina na quarta-feira (5). Foi a primeira visita do funcionário do alto escalão da diplomacia em Washington ao país que os EUA há décadas consideram um de seus aliados mais importantes na América do Sul, mesmo – como ocorre agora – durante guinadas políticas à esquerda ocorridas após a redemocratização. Além de temas que dizem respeito diretamente ao Chile, os dois lados também discutiram a situação da Venezuela, assunto recorrente em reuniões do tipo. “O que queremos como país, e nisso estamos em sintonia com os Estados Unidos e outros países da região, como também países europeus, é que seja possível retomar essas conversas com vistas a que a Venezuela possa realizar eleições livres e democráticas em 2024”, afirmou a chanceler chilena, Antonia Urrejola. Via AFP.
O governo chileno apresentou, na quinta (6), quatro denúncias contra a mineradora canadense Lundin, que passou a ocupar o noticiário após uma cratera gigantesca aparecer em uma das suas zonas de operação no norte do país, em julho. Segundo a Superintendência do Meio Ambiente, órgão regulador do Chile, as investigações indicaram que o buraco teria se aberto após a empresa realizar escavações para além dos limites previstos nos estudos de impacto ambiental. Se for considerada culpada, a mineradora pode ser multada em até US$ 13 milhões e ter sua licença de operação cassada. Apenas um dia depois, o governo anunciou que a zona diretamente relacionada ao aparecimento da cratera “está fechada definitivamente e nunca será explorada novamente”. Via Reuters.
Dale un vistazo:
🎉 27ª Festa do Imigrante (SP) – Gastronomia, apresentações e artesanatos de diversas culturas e nacionalidades ganham o devido destaque na 27ª Festa do Imigrante, realizada pelo Museu da Imigração, em São Paulo. Entre as mais de 60 apresentações de cerca de 50 nacionalidades, estarão presentes os ritmos andinos e angolanos. A Festa do Imigrante ocorre nos finais de semana de 8 e 9/10 e 15 e 16/10, na Rua Visconde de Parnaíba, nº 1.316. Os valores dos ingressos custam entre R$ 5 e R$ 16. Confira a programação aqui.
COLÔMBIA 🇨🇴
O governo Gustavo Petro e o Exército de Libertação Nacional (ELN), um dos últimos grupos guerrilheiros ativos no país, anunciaram na terça (4) a retomada das negociações de paz após um hiato de três anos. As conversas, diz um comunicado publicado pelo presidente, voltam à mesa na primeira semana de novembro, processo que terá Cuba, Venezuela e Noruega atuando como Estados garantidores. As conversas entre a guerrilha e Bogotá ganharam força durante o governo do ex-presidente Juan Manuel Santos (2010-2018), mas sucumbiram já na gestão seguinte, de Iván Duque (2018-2022) – tratativas foram encerradas de vez em janeiro de 2019, quando o ELN bombardeou uma academia de polícia em Bogotá, matando 22 pessoas. A ideia de pacificação, em especial no campo, faz parte de um dos pilares da nova gestão, que assume com a tarefa de criar soluções diante de números crescentes de violência. A trégua com a guerrilha também tem nuances diplomáticas e interessa à Venezuela, cuja fronteira com a Colômbia é palco da complexa e violenta disputa entre grupos armados.
COSTA RICA 🇨🇷
Presidenta do país entre 2010 e 2014, Laura Chinchilla tem pela frente uma missão difícil: convencer o atual presidente Rodrigo Chaves a apoiar sua candidatura à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A dificuldade se dá não só pelas críticas que Chinchilla já fez ao mandatário durante seu período de campanha, mas também a uma resistência do próprio Chaves: recentemente, ele disse ter “ressalvas” à indicação, já que sua gestão fará “o que é melhor para o país, não para o benefício de uma pessoa só”. Os dois trataram do tema na sexta (7). A ex-presidenta manifestou desejo de assumir o posto máximo da entidade intergovernamental apenas alguns dias após a destituição do cubano-estadunidense Mauricio Claver-Carone, forçado a entregar o cargo por manter relações com uma funcionária do BID. No CRHoy.
CUBA 🇨🇺
“Não há sentimentos antiamericanos entre os cubanos”, garantiu o chanceler Bruno Rodríguez em entrevista ao BreakThrough News, um canal estadunidense no YouTube conhecido por promover visões políticas à esquerda. Para o ministro de Relações Exteriores de Cuba, 2023 trará novas oportunidades de reaproximação, e a ilha está disposta ao diálogo para seguir revertendo as políticas da era Donald Trump (2017-2021), que ajudaram a sufocar a já combalida economia do país. Recentemente, o governo Biden admitiu que, embora tenha deixado para trás o radicalismo trumpista, seu posicionamento segue distante daquele de Barack Obama (2009-2017), que havia ensaiado a primeira grande abertura dos EUA desde a época da Revolução. Vivendo uma crise que foi agravada durante a pandemia, Cuba vem passando por números recordes de emigração rumo ao norte, mas sem trégua de Washington em relação a políticas históricas como o embargo. Na Prensa Latina.
EL SALVADOR 🇸🇻
Abusos, cadeias superlotadas e até uma possível reação mais violenta por parte do crime organizado. Esses são efeitos colaterais apontados por um relatório divulgado na terça (4) pela ONG International Crisis Group (ICG) que podem surgir (alguns até já são visíveis) em reação à empreitada sem escrúpulos do presidente Nayib Bukele contra a violência. A entidade destrincha os números da crise de segurança salvadorenha – que, por meio de decretos de exceção, teria facilitado a prisão de mais de 50 mil pessoas desde março, quando um aumento pontual no número de homicídios virou pretexto para Bukele endurecer diretrizes de segurança pública, uma de suas principais bandeiras políticas. Na mira de organizações defensoras dos direitos humanos, as investidas do governo teriam levado, destaca o relatório, a casos de tortura e à morte de pelo menos 80 pessoas sob custódia, entre outros problemas. Via Reuters.
EQUADOR 🇪🇨
Roteiro triste e conhecido: pelo menos cinco pessoas morreram e outras 23 ficaram feridas dentro de uma penitenciária em Guayaquil após um novo episódio de enfrentamento entre detentos, informaram autoridades na quinta (6). E não foi o único caso brutal da semana: no início da semana, outro episódio semelhante deixou 16 mortos ao sul de Quito. As razões por trás de mais uma leva de massacres não são diferentes: além de um cenário de superlotação, prisões equatorianas têm se tornado palco de enfrentamento entre gangues adversárias, gerando uma disputa violenta por poder dentro de unidades prisionais. Desde o final de 2020, mais de 400 detentos morreram. Via AFP.
Un hilo:
GUATEMALA 🇬🇹
Ao menos 17 pessoas morreram e 13 ficaram feridas em função de um acidente com uma caminhonete que caiu em um precipício de mais de 100 metros no município de Jocotán, 200 quilômetros ao leste da capital, informaram autoridades na quarta-feira (5). Acidental, sim, mas um episódio que revela uma dura realidade: segundo o prefeito da cidade, as vítimas são moradores da aldeia Conacaste, local que padece diante de “recursos escassos”. Muitas vezes amontoada nos veículos, a população local se desloca para outras cidades em busca de sustento. O acidente da semana aconteceu após um grupo se dirigir até um centro urbano para receber uma quantia relativa ao Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU. O caso também expõe as péssimas condições de infraestrutura de regiões mais afastadas, especialmente em épocas de chuvas e fortes ventos – na última semana, eventos climáticos causaram deslizamentos fatais em outros países centro-americanos, casos de Costa Rica e em El Salvador. Via AFP.
Foi detido ao chegar ao país, na quarta (5) o ex-candidato presidencial Manuel Baldizón, antigo representante do finado partido Líder, após a Justiça dos EUA cumprir uma ordem de extradição. Em seu país natal, Baldizón é acusado por procuradores anticorrupção de financiamento ilícito de campanha e lavagem de dinheiro no âmbito de dois casos – um deles envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht, que há poucos dias levou o Ministério Público do Panamá a pedir que dois ex-presidentes fossem a julgamento. Já sob custódia na Cidade da Guatemala, o ex-candidato disse que optou por “aceitar a culpa” para acelerar sua volta ao país, onde pretende esclarecer o que chamou de “mentiras perversas”. Ele também apontou o dedo contra antigos procuradores, dizendo ser alvo de perseguição. Na Prensa Libre.
HONDURAS 🇭🇳
O governo vai beneficiar pelo menos 100 mil trabalhadores rurais com um chamado “bônus do café”, quantia financeira repassada a pequenos produtores com objetivo de aumentar a produção do setor. Foi o que disse na quarta (5) o vice-ministro do Ministério da Agricultura e Pecuária (SAG), Ángel Acosta. No total, Honduras deve destinar 250 milhões de lempiras (cerca de R$ 52,5 milhões) a 222 municípios em 15 departamentos do país. A ideia, que segue promessas de investimento no ramo cafeeiro por parte da presidenta Xiomara Castro, é permitir que produtores reforcem a fertilização das lavouras para, daqui um ano, aumentar a quantidade de grãos da safra. Terceiro maior produtor de café da América Latina, Honduras sofre sazonalmente com furacões e fortes chuvas, que muitas vezes comprometem as plantações. Na Prensa.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) anunciou na segunda (3) uma nova condenação ao Estado hondurenho, agora obrigado a pagar uma indenização superior a US$ 1 milhão pelo assassinato de Herminio Deras García, líder do Partido Comunista, professor e conhecida liderança sindical. Deras García foi executado em 1983 por militares do Batalhão 3-16, um entre tantos que assumiam o papel de esquadrões da morte contra movimentos de esquerda na época. Posteriormente, a família do comunista foi alvo de perseguição, detenção ilegal, tortura, violência e exílio, elementos que aumentaram a busca por reparação por parte do Comitê de Familiares de Detentos Desaparecidos em Honduras (Cofadeh), órgão denunciante. Pelo menos 17 parentes da vítima serão beneficiados pela indenização. Segundo o Cofadeh, cerca de 184 pessoas foram desaparecidas entre 1979 e 1989, auge da repressão anti-esquerda no país. Em El Heraldo.
MÉXICO 🇲🇽
Violento demais até para os padrões mexicanos: pelo menos 19 pessoas morreram e outras três ficaram feridas após um massacre cometido por um grupo de homens encapuzados em uma residência na cidade de San Miguel Totolapan, estado de Guerrero. Entre as vítimas estão o prefeito da cidade, Conrado Mendoza, além de seu pai, ele próprio um ex-prefeito da localidade. A matança também cobrou a vida de vários funcionários da administração municipal e até mesmo de um homem, supostamente um transeunte desavisado, que passava perto do local do crime na hora da chacina. Segundo procuradores do estado, um efetivo de pelo menos 100 agentes uniu forças a equipes de segurança em nível civil e militar na região. Ainda que haja fortes indícios de que o banho de sangue seja obra dos poderosos cartéis de droga, as autoridades não haviam dado mais informações até o fechamento deste GIRO. O crime também ocorre em meio a um debate nacional sobre uma mudança de rumo na condução da segurança – outrora a favor de “menos bala” para resolver a violência, o presidente Andrés Manuel López Obrador voltou atrás e têm ido pela estrada da militarização. No Excelsior.
Novo abalo no governo de López Obrador com a renúncia, na quinta (6), da ministra da Economia, Tatiana Clouthier. Sem informar oficialmente as razões de sua saída, a responsável pela pasta já conservava uma série de desacordos com o presidente, especialmente em relação à agenda energética. Clouthier era uma das principais negociadoras do lado mexicano em conversas com os EUA e o Canadá – os três países compõem um acordo de livre-comércio – envolvendo planos de AMLO para nacionalizar o setor de energia. O ponto mais sensível da negociação se deu em julho, quando Washington iniciou disputa alegando discriminação do México contra empresas de energia estadunidenses e canadenses em favor das estatais mexianas. AMLO, por sua vez, segue defendendo seu plano de “soberania energética”. Há alguns meses, Clouthier já havia dado sinais de que desejava sair diante de tantos desentendimentos. Outra hipótese foi lançada pelo irmão da ex-ministra, o ex-deputado Manuel Carrillo, que sugeriu que a renúncia tem a ver com uma decisão polêmica do governo de transferir a Guarda Nacional (até então sob controle civil) para as Forças Armadas, fato que marcou uma guinada na agenda de segurança – e gerou uma crise política (saiba mais no GIRO #149). Na sexta (7), foi nomeada para o cargo Raquel Buenrostro, antiga chefe da autoridade tributária.
Una expresión:
Cuento k’epi – De origem indigena aymara, cuento k'epi faz referência a uma pessoa que espalha fofocas, boatos e histórias falsas para causar intrigas, disputas e divisões. Foi a expressão usada pelo vice-presidente da Bolívia, David Choquehuanca, para falar sobre rumores de uma possível divisão dentro do partido Movimento ao Socialismo (MAS). “Tem muito cuento k’epi por aí que querem nos fazer brigar”, disse Choquehuanca, durante uma atividade em Sacaba, Cochabamba.
NICARÁGUA 🇳🇮
Incansável, o governo cada vez mais intolerante de Daniel Ortega agora tem um novo alvo: os parentes de cidadãos que fugiram do país com medo da repressão. O caso da semana envolve a família do economista Javier Álvarez, apenas um entre tantos exilados políticos que hoje residem na Costa Rica. Nos últimos dias, a família de Álvarez, que já havia sido detida de forma controversa semanas atrás, recebeu duras acusações criminais, o que pode estender o tempo sob custódia. Organizações defensoras dos direitos humanos dentro e fora do país seguem denunciando que o governo faz “reféns” – ao passo que o fluxo de exilados aumenta. “Senti o mundo cair sobre mim”, disse o economista, cujo caso já é classificado por entidades como um “novo padrão de extorsão mediante sequestro” cometido pelo orteguismo. Via AP.
PANAMÁ 🇵🇦
Uma série de descumprimentos nas obras de ampliação do terminal aéreo do Aeroporto Internacional de Tocumen, com novas fases iniciadas em junho, levou a administração aeroportuária a processar a Odebrecht em US$ 20 milhões. Representantes do aeroporto, operado pelo Estado, alegaram na segunda (3) que atrasos na entrega dos projetos têm levado a administração a arcar com “despesas extraordinárias atribuíveis à empreiteira”. Toda a fábula envolvendo a Odebrecht e Tocumen começou em 2012, data de início da construção de uma terminal que, no fim das contas, saiu bem mais caro e extrapolou os prazos contratados. O novo problema deve entrar em imbróglio judicial. Obras e escândalos resumem a relação entre a construtora e o país do istmo: desde 2005, a Odebrecht soma vinte projetos de infraestrutura avaliados em US$ 10 bilhões que já levaram ao indiciamento de dois ex-presidentes. Via AFP.
PARAGUAI 🇵🇾
Novidade nas buscas pelo ex-vice-presidente Óscar Denis (2012-2013), sequestrado há mais de dois anos pela guerrilha Exército do Povo Paraguaio (EPP): a polícia do país confirmou, na quinta (6), que encontrou um celular que pertenceria ao político – informação posteriormente confirmada pelas filhas de Denis, segundo as quais o aparelho havia sido um presente de Dia dos Pais, entregue pouco antes do desaparecimento em setembro de 2020. Apesar do achado voltar a atrair atenção para um caso que está frio há tempos, há pouca esperança de obter pistas novas com o dispositivo: o celular não apenas estava destruído como foi encontrado na mesma propriedade onde Denis foi visto pela última vez, o que acrescenta poucas informações sobre o deslocamento ocorrido na época. Desde o sequestro, a família tentou em vão abrir um canal de comunicação com o EPP, reclamando da inação das autoridades nas investigações, e até hoje se desconhece o paradeiro do ex-vice-presidente ou, mesmo, se ele segue vivo. No ABC Color.
PORTO RICO 🇵🇷
Após a devastação de mais um furacão, Porto Rico voltou a receber a visita – e as promessas – de um presidente dos EUA: na segunda-feira (3), Joe Biden passou pela ilha e prometeu “reconstruir tudo” o que foi perdido pela passagem do Fiona, garantindo que está “comprometido” com a população local. Alfinetando a gestão de Donald Trump (2017-2021) e sua catastrófica resposta ao furacão María, de cinco anos atrás, Biden insistiu que os porto-riquenhos não têm recebido a ajuda necessária com a rapidez que precisam, prometendo que agora será diferente. Enquanto as palavras não viram realidade, porém, os impactos seguiam latentes: na quinta (6), passadas já duas semanas da vinda do Fiona, mais de 80 mil clientes ainda seguiam sem luz em Porto Rico, mostrando que a longa jornada para superar os apagões – que acontecem mesmo sem as tempestades – está longe de terminar. Via AP.
Un nombre:
Gabriela Mistral – A primeira latino-americana a receber um Nobel de Literatura, prêmio que voltou a ser concedido nesta semana, agora para a francesa Annie Ernaux. Seu nome de batismo era Lucila Godoy – mas pegou emprestado o “Gabriela” e o “Mistral” dos poetas Gabriele D’Annunzio e Frédéric Mistral. Filha de uma costureira, Mistral chegou a ser apedrejada por colegas e chamada de “débil mental” por uma professora, que a acusou de roubar papel. Em 1908, foi barrada no curso de magistério em La Serena, uma das cidades mais antigas do Chile. O motivo: os artigos que ela publicava em jornais da região, considerados “profanos” e “socialistas” demais pelos conservadores locais. Após se formar como professora primária em uma instituição de Santiago, percorreu o interior do país em busca de um modelo pedagógico baseado no desenvolvimento e bem-estar das crianças. Trabalhou como diplomata na Liga das Nações e na ONU. E, nas horas vagas, escreveu os versos inspiradores de “Desolação”, “Sonetos da Morte”, “Tala” e “Lagar” – obras que lhe renderam o Nobel em 1945, muito antes que Pablo Neruda e Gabriel García Márquez sonhassem com a honraria.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
O preço do petróleo até teve queda em tempos recentes, mas os combustíveis na República Dominicana seguiram sem alterações para baixo. Por quê? Para Víctor Bisonó, ministro de Indústria e Comércio do país, uma das razões é justamente o pacote de subsídios anunciado pelo próprio governo ainda em março, quando começou a alta dos preços em função do conflito na Ucrânia: há mais de meio ano, o país caribenho vem mantendo congelados os valores sempre que o barril do petróleo West Texas Intermediate (WTI) estivesse com valores entre US$ 85 e US$ 115. Mesmo com quedas, a alta dependência da importação por parte dos dominicanos e a manutenção das sanções contra a Rússia teria significado que Santo Domingo nunca conseguiu comprar o WTI abaixo da faixa prevista originalmente – o que significa que o congelamento se manteve intacto, ainda que outros países tenham experimentado reduções após os aumentos anteriores. O governo calcula que a política de subsídios já custou 31 bilhões de pesos dominicanos (R$ 3 bilhões). Na Bloomberg Línea.
VENEZUELA 🇻🇪
Venezuela e Estados Unidos trocaram presos no último sábado (1º), um movimento pouco comum entre as duas nações. Do lado venezuelano, sete pessoas foram liberadas – entre elas, cinco executivos do setor petrolífero. Já os estadunidenses soltaram dois sobrinhos da esposa de Nicolás Maduro que haviam sido condenados por narcotráfico. Apesar do aceno favorável entre as duas nações, o governo de Joe Biden garante que nada muda em relação às sanções impostas ao país sul-americano. Via AP.
Gostou do nosso conteúdo? Com o seu apoio, podemos construir juntos um GIRO ainda melhor e mais completo. Faça parte!
Também estamos no Twitter, Instagram, YouTube, Podcast e Telegram.