Como países vizinhos aguardam a eleição no Brasil
Com uma nova leva de lideranças à esquerda que tomaram posse durante os dias de Bolsonaro, expectativa por uma vitória de Lula e temores por aventuras golpistas dominam cenário na região
Verbalizando em outra língua e com os olhos habitualmente vidrados no Norte, o Brasil ainda tem certa dificuldade em se encarar como parte da América Latina. Mas isso não torna sua relação menos indissociável com seus colegas de continente, de quem precisa para parcerias estratégicas e econômicas bilaterais. Neste domingo (2), em uma das eleições mais explosivas desde a redemocratização, 156,4 milhões de eleitores brasileiros começam a definir os rumos do país com a maior economia e a maior população da região – sob os olhos atentos dos vizinhos.
Os anos de Jair Bolsonaro foram de um isolamento ainda maior em relação à América Latina do que o habitual. A cientista política Talita Tanscheit lembra que o Brasil deixou o Mercosul jogado às moscas, diminuindo seu protagonismo no bloco para priorizar negociações extrarregionais. Da pergunta de Paulo Guedes, ainda em 2019, questionando “quando o Brasil precisou da Argentina para crescer?”, às sucessivas ausências do próprio presidente nas posses de seus homólogos (só comparecendo após as raras eleições de líderes sul-americanos de direita no período), o país pareceu abraçar a vocação projetada pelo ex-chanceler Ernesto Araújo – tornar-se um pária internacional. Uma situação que se agravou diante de uma aparente nova “Onda Rosa” que vem tomando conta da região nos últimos anos, recuperando o apelido dado às várias eleições de líderes de esquerda e centro-esquerda na América Latina na primeira década do século 21.
Trazendo a linha do tempo para a era do governo Bolsonaro, foi um período em que a direita sul-americana voltou ao poder no Uruguai e no Equador, mas “perdeu” (um termo que o próprio mandatário brasileiro empregou) Argentina, Bolívia, Peru, Chile e Colômbia – os dois últimos, aliás, sequer contam com embaixadores no Brasil atualmente, aguardando a definição das urnas neste mês de outubro para nomear representantes calibrados para o futuro ocupante do Planalto. Por outro lado, no Paraguai, que terá passado todo o mandato bolsonarista sob um governo conservador, desenvolveu-se uma das relações mais abertas com o Brasil, que em momentos flertou com um entreguismo que quase custou o mandato a Mario Abdo Benítez. Durante o período, não menos chamativo foi o elogio feito por Bolsonaro ao finado ditador paraguaio Alfredo Stroessner, repressor e pedófilo que esmagou a democracia guarani durante 35 longos anos no século 20.
E houve quem tenha aprendido a adotar uma relação pragmática pela necessidade comercial, como a Argentina, que a despeito dos repetidos ataques pessoais de Bolsonaro contra Alberto Fernández vem conseguindo sustentar um diálogo. Em entrevista recente ao jornal O Globo, o embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli, ressaltou a “afinidade pessoal e política” de Fernández e da vice Cristina Kirchner com Lula (os dois argentinos celebraram publicamente a soltura de Lula em 2019), mas destacou que “o governo Bolsonaro facilitou meu acesso a todas as áreas”. O que não impediu que a crise econômica argentina tenha sido uma pauta recorrente da direita brasileira – ignorando sua própria crise interna – como um “alerta” do que poderia ocorrer no Brasil em caso de vitória do candidato do Partido dos Trabalhadores.
Latino-americanos, aliás, apareceram repetidas vezes na campanha eleitoral brasileira, com frequência como forma de atacar a esquerda: com imagens dos protestos de 2019 no Chile falsamente difundidas como um cenário de caos que estaria ocorrendo agora sob a gestão Boric, ou com a repressão do regime do nicaraguense Daniel Ortega contra opositores, em especial à Igreja Católica, dando combustível a argumentos de uma suposta intolerância religiosa que o PT também encabeçaria no Brasil. Sem contar a Venezuela, convertida pela narrativa bolsonarista em um espantalho ideológico antes mesmo da ascensão de Jair em 2018.
Uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), indicada como provável pelas pesquisas mais reputadas de seu país, é aguardada por aliados de seu campo político, inclusive fora dos limites da América do Sul: o mexicano Andrés Manuel López Obrador, por exemplo, jamais escondeu sua simpatia pelo petista. Gabriel Boric, o presidente chileno que venceu a disputa contra o candidato simpático a Bolsonaro e Augusto Pinochet e tomou posse há seis meses, está entre os nomes com uma relação hoje gélida com Brasília, e que espera dias mais propensos à parceria com uma troca de governo – mesma situação do colombiano Gustavo Petro, este ainda mais recente no poder, que só assumiu em agosto e parece jogar com o relógio na expectativa de não precisar sentar-se à mesa com Bolsonaro. Em relação a Honduras, que também migrou da direita à esquerda com a eleição de Xiomara Castro no fim do ano passado, é possível que a relação também ganhe um tempero: em janeiro, Bolsonaro decidiu não enviar representante à posse em Tegucigalpa após Castro convidar Lula para o evento.
Lideranças políticas, intelectuais e personalidades à esquerda de vários pontos das Américas chegaram até mesmo a lançar uma carta aberta dirigida ao pedetista Ciro Gomes, terceiro colocado nas pesquisas, pedindo (em vão) sua desistência para ajudar a “frear” Bolsonaro ainda no primeiro turno. Em mais uma mostra da expectativa e do temor que o pleito deste domingo desperta na região, eles argumentavam que a manutenção de uma candidatura alegadamente contrária ao atual governo, mas incapaz de derrotá-lo, só faria “dispersar forças, debilitar a fortaleza do bloco antifascista, com todas as suas contradições, facilitar a vitória de Bolsonaro, e eventualmente abrir caminho a um novo golpe de Estado”.
A apreensão, inclusive, já repercutiu também fora da região, levando os Estados Unidos a passarem uma resolução e a Europa a lançar uma carta defendendo sanções contra aventuras que questionem as urnas – embora a comparação com a não-aceitação de Donald Trump seja a mais repetida, entre os sul-americanos basta recordar o recente exemplo da Bolívia, em 2019, quando o questionamento dos resultados levou a um motim das forças de segurança e à renúncia forçada de Evo Morales (um ano mais tarde, Jeanine Áñez – cujo destino parece atormentar Bolsonaro – viu a esquerda voltar a ganhar as eleições e acabou presa por seu envolvimento no golpe). O cenário boliviano foi a comparação adotada por Gabriel Boric, de quem veio, provavelmente, o mais enfático posicionamento de um atual líder da vizinhança sobre o assunto: o chileno, que já foi até atacado por Bolsonaro com fake news pessoais, defendeu há um mês a necessidade de uma união continental contra um eventual golpe pós-eleitoral no Brasil. “A América Latina tem que reagir em conjunto para impedi-lo”, afirmou.
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🇨🇴 Petro encara primeiros protestos da gestão – Espalhados por Bogotá, Cali, Bucaramanga e Medellín, principais cidades do país, manifestantes foram às ruas na segunda (26) no que ficou marcado como a primeira leva de protestos contra o governo do presidente Gustavo Petro, empossado há menos de dois meses. Apesar de eleito com mais de 50% dos votos, Petro chegou ao poder com a missão de governar um país tradicionalmente conservador, mas marcado por latentes pedidos de mudança e pelos ainda visíveis efeitos de dois anos de crise sanitária. Manifestantes criticam várias decisões recentes: destacam-se, entre outras coisas, uma reforma tributária apoiada pelo governo que pretende cobrar mais impostos dos ricos para financiar programas sociais, uma reforma agrária – que envolve tanto a titulação de terras já ocupadas quanto a compra de terrenos de grandes latifundiários para venda por preços abaixo do valor de mercado – e até mesmo a recente aproximação entre Bogotá e Caracas após anos de silêncio diplomático entre os dois países vizinhos de fronteira. Em El País e CNN.
🇨🇺 Aprovado novo código que inclui casamento igualitário – Autoridades eleitorais da ilha confirmaram na segunda (26) a aprovação do novo Código da Família, texto que atualiza diretrizes legais em vigor desde 1975 e abre caminho para uma série de avanços nos direitos civis – como casamento igualitário, adoção por casais homoafetivos, barriga de aluguel e novas políticas de combate à violência de gênero. A vitória do “sim” veio no dia anterior, quando mais de 6,2 milhões de cidadãos votaram o documento em um referendo popular, o primeiro processo de consulta sobre um tema específico desde o triunfo da Revolução Cubana em 1959. Cifras oficiais mostram que mais de 3,9 milhões de pessoas (66,8%) votaram pela aprovação – os números contrários a um projeto abertamente defendido pelo governo também são uma marca recorde na era revolucionária, fato que o presidente Miguel Díaz-Canel atribuiu a um possível “voto punitivo” diante de “temas complexos”. A oposição havia convocado um voto de protesto contra a reforma impulsionada pelo governo, mesmo que para isso fosse contrariar a ampliação de direitos civis. Díaz-Canel celebrou o desfecho da votação, dizendo que “a partir de hoje, seremos uma nação melhor”. Mais no hilo do GIRO.
🇪🇨 Ministro derrubado por feminicídio pode passar por processo político – O Pachakutik, partido ligado à Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), oficializou na quinta (29) um pedido para submeter o agora ex-ministro do Interior, Patricio Carrillo, a um julgamento político. Nas últimas horas da sexta passada (23), o presidente Guillermo Lasso exigiu a renúncia de Carrillo e do alto comando da polícia na sequência do brutal feminicídio da advogada María Belén Bernal, que havia desaparecido após ir visitar o marido na Escola Superior de Polícia, em Quito (leia mais aqui). É a terceira vez que o Pachakutik apresenta uma denúncia do tipo contra Carrillo, que tinha sob seu comando as forças de segurança pública do país, e a mais nova demanda acumula o caso de Bernal com outras razões já alegadas anteriormente: a prisão do presidente da Conaie, Leónidas Iza, no contexto dos protestos de junho, que o partido diz ter sido ilegal (nesta semana, a Justiça declarou a nulidade do processo que corria contra Iza); os massacres prisionais vividos pelo país enquanto o ministro estava no cargo; e o aumento da criminalidade “em todas as cidades do país”. Mesmo já não tendo mais um cargo do qual ser destituído, Carrillo ainda pode passar pelos chamados juicios políticos para ser impedido de assumir um novo posto público nos próximos dois anos. Em El Universal.
🇲🇽 Hackers vazam informações sobre saúde do presidente – O governo mexicano confirmou, na sexta (30), ter sido vítima de um ataque hacker que teve acesso a cerca de seis terabytes de dados mantidos sob o controle das Forças Armadas, incluindo dados de segurança pública, transcrições de comunicações internas e até registros do monitoramento das atividades do embaixador estadunidense no México, Ken Salazar. Entre as informações vazadas, detalhes sobre o estado de saúde do presidente López Obrador, incluindo um diagnóstico de angina que fez o mandatário de 68 anos passar por 10 consultas médicas apenas na primeira metade de janeiro deste ano – cardiopata, AMLO já sofreu um ataque do coração em 2013. Via Reuters.
🇵🇾 Incêndio letal destrói urnas e coloca primárias em dúvida – Uma pessoa morreu e cerca de 8,5 mil urnas eletrônicas foram destruídas em um incêndio de grandes proporções que atingiu a sede do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE) do Paraguai, na quinta-feira (29). A vítima, um funcionário identificado como Aníbal Ortiz, teria voltado ao prédio em chamas após originalmente se salvar, segundo testemunhas que não souberam explicar o motivo do retorno. O timing do desastre também preocupa: em menos de três meses, em 18/12, o país deve participar das primárias para as eleições presidenciais marcadas para abril do ano que vem, que usariam equipamentos do TSJE. Autoridades da Justiça Eleitoral chegaram a sugerir a divisão das primárias em duas fases, para compensar a falta de urnas, mas membros da oposição já rechaçam a ideia alegando que a divisão criaria um cenário propício a fraudes. No ABC Color.
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REGIÃO 🌎
O BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, demitiu na segunda (26) o presidente cubano-estadunidense Mauricio Claver-Carone após uma investigação concluir que a autoridade manteve uma relação íntima com uma funcionária, fato que viola as normas da entidade. Uma consultoria independente revelou que Claver-Carone teria, inclusive, tomado decisões que beneficiaram essa funcionária. O agora ex-presidente da entidade, que foi assessor de segurança nacional da Casa Branca e chegou ao cargo por indicação do ex-presidente dos EUA Donald Trump (2017-2021), negou as alegações, criticando a condução das buscas que, segundo ele, não atenderam “padrões internacionais de integridade”. Até que se aponte um sucessor, o cargo foi assumido temporariamente pela vice-presidenta do banco, a hondurenha Reina Irene Mejía. Na BBC.
“Um suicídio que não deve se repetir” e “um dia que mais cedo ou mais tarde chegaria”. Foi assim que, respectivamente, os presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Nicolás Maduro, da Venezuela, definiram na segunda (26) a reabertura da fronteira entre os dois países, permitindo a passagem de veículos de carga após sete anos de fechamento parcial e três de fechamento total devido a um rompimento diplomático por divergências políticas – que levou a uma queda comercial aguda. Em clima festivo, a retomada viária aconteceu por meio da ponte Simón Bolívar, que liga a venezuelana San Antonio del Táchira à cidade colombiana de Cúcuta. O evento esperava reunir os dois mandatários de forma presencial, mas Maduro não pôde comparecer. Autoridades dizem que a reunião dos presidentes é certa, mas que segue “sem data” para acontecer. Via AFP.
ARGENTINA 🇦🇷
O ministro da Economia, Sergio Massa, apresentou na quarta (28) a proposta de lei orçamentária para 2023, que deu algumas pistas sobre as projeções que a pasta faz para o país no ano que vem: crescimento de 2% do PIB, déficit fiscal de 1,9% e uma inflação anual de 60% – que seguirá como uma das mais elevadas do mundo, mas, se atingir a meta, terá caído em relação ao previsto para este ano (estima-se que superará os 90% anuais até dezembro). “O orçamento é realista”, garantiu Massa, que assumiu o cargo no início de agosto com status de “superministro” para tentar dar um rumo à grave situação econômica do país, que se deteriorou rapidamente em 2022. Via AFP.
O clima segue tenso: na quinta (29), menos de um mês após a tentativa de magnicídio contra a vice-presidenta Cristina Kirchner, agentes da Polícia Federal, membros da brigada de explosivos e bombeiros precisaram esvaziar a Casa Rosada, sede do governo, bem como o Ministério da Defesa, devido a uma ameaça de bomba. A crise – que não passou de um susto – ocorreu algumas horas antes de o presidente Alberto Fernández realizar um jantar para mais de 200 oficiais e comandantes das Forças Armadas. A agenda oficial do mandatário, no entanto, não sofreu alterações. N’O Globo.
BOLÍVIA 🇧🇴
“Me beijam pela frente e me chutam por trás”, disse na quinta (29) o ex-presidente Evo Morales (2006-2019), em mais uma amostra de que sua relação com seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), não anda boa. Segundo o ainda dirigente da legenda, haveria “infiltrados” no governo de Luis Arce, que estariam ali por “ocasião ou ambição”, e não por “convicção”. Suspeitas levantadas por Evo contra um suposto complô dentro do MAS têm aumentando nos últimos tempos: no início de setembro, o antigo mandatário denunciou não apenas ser alvo de uma possível conspiração interna – o que incluiria até mesmo militares — como também apontou possíveis crimes de corrupção cometidos por masistas. A intriga, estima-se, respinga em divergências relacionadas à própria influência de Evo no partido, que alguns dissidentes estariam desejando ver reduzida. Em El Deber.
CHILE 🇨🇱
Vai acabar: a partir deste sábado (1º), o Chile dá início ao chamado “Cenário de Abertura”, que encerra uma série de medidas restritivas relacionadas à pandemia de covid-19. Último país latino-americano que ainda contava com controles mais rígidos, o Chile vinha enfrentando críticas por manter cuidados semelhantes aos de 2020 mesmo com uma das campanhas de vacinação mais avançadas do mundo – 94,5% da população adulta e 88,8% de crianças e adolescentes entre três e 17 anos já receberam o esquema original completo. Agora, como já ocorreu em outras partes, caem a obrigação a uso de máscaras em todos os lugares que não sejam serviços de saúde (embora sigam “recomendadas”) e estão encerrados os limites de lotação em locais abertos e fechados, entre outras flexibilizações. Enquanto isso, o Ministério da Saúde anunciou um novo item no programa de imunização, com a chegada de uma nova vacina bivalente que utiliza tanto a cepa original da covid-19 quanto a da variante ômicron, a de maior circulação atualmente. O país já trabalha com a necessidade de vacinação anual contra o coronavírus.
COLÔMBIA 🇨🇴
Grupos armados entraram em acordo com o governo Petro e prometem cessar-fogo. Após fazer promessa de buscar “paz total” para o país, o presidente parece ter conseguido um passo importante ao divulgar que ao menos 10 grupos, incluindo dois dissidentes das antigas FARC, estão dispostos a negociar para pôr um fim na violência armada. O governo declarou que vai suspender ataques aéreos, em uma tentativa de evitar danos colaterais a civis e mortes de menores recrutados à força. Petro também pretende reiniciar as negociações de paz com o Exército de Libertação Nacional (ELN), considerado o maior grupo armado ativo no país. De acordo com levantamento do Instituto de Estudos para Desenvolvimento e Paz (Indepaz), desde a posse do novo governo, pelo menos 22 grupos armados publicaram comunicados demonstrando disposição em aderir à proposta de pacificação do país. Em El Espectador.
COSTA RICA 🇨🇷
Um novo ataque hacker – mas, dessa vez, mais brando e contra um alvo específico: os aparelhos eletrônicos do presidente Rodrigo Chaves. Apesar de minimizar mais uma invasão sofrida, o mandatário alerta que se trata de algo feito de uma maneira “muito deliberada” e que vem sendo um problema desde os tempos de sua campanha. E não apenas para ele: em abril deste ano, serviços públicos da nação tica foram totalmente paralisados após o país se tornar alvo de um dos mais agressivos ciberataques da história da América Latina (relembre o caso na edição #128). Ataques do tipo ransomware – sequestro de dados virtuais em troca de resgate – aumentaram 150% desde o ano passado. Em La República.
Problemas tecnológicos não são a única dor de cabeça de Chaves, que segue na mira da oposição por conta de um escândalo político que rendeu até abertura de investigação por um suposto esquema de “caixa dois” envolvendo as contas de sua campanha presidencial. Mesmo assim, a crise recente ainda não parece ter surtido tanto efeito, contam dados da pesquisa Idespo, feita pela Universidade Nacional (UNA) e divulgados na quinta (29): numa escala de 0 a 10, cidadãos dão nota 7,8 para o trabalho geral realizado pelo governo até aqui. Avaliação não muito diferente, próxima de 7, também receberam membros do gabinete e ministros de pastas-chave. Em La República.
CUBA 🇨🇺
Após a passagem do furacão Fiona pelo Caribe, desta vez foi o furacão Ian que causou estragos. Na terça (27), o ciclone tropical tocou solo no oeste de Cuba e deixou ao menos dois mortos e mais de 11 milhões de pessoas sem eletricidade. O sistema de abastecimento de energia da ilha colapsou com os danos provocados pelas inundações e os ventos de mais de 200 km/h, que deixaram uma onda de destruição principalmente na província de Pinar del Río. Cerca de 50 mil pessoas foram evacuadas na região. O furacão chegou ao país com categoria 3 e saiu rumo à Flórida, nos Estados Unidos, com categoria 4. Em terras estadunidenses, ao menos 10 pessoas morreram. Na BBC.
EL SALVADOR 🇸🇻
A Constituição não permite a reeleição imediata – mas, para os salvadorenhos, isso nunca pareceu importar muito. Segundo uma nova pesquisa divulgada na segunda (26) pelo Centro de Estudos Cidadãos (CEC), da Universidade Francisco Gavidia (UFG), cerca de 60% dos eleitores são a favor da reeleição presidencial imediata do presidente Nayib Bukele, apesar da proibição atual. Os dados foram coletados dias antes de o próprio Bukele anunciar que pretende tentar um novo mandato, decisão baseada em uma determinação de 2021 da Câmara Constitucional da Suprema Corte de Justiça que permite a inscrição para disputar nova eleição presidencial sob a condição de que o presidente em exercício – no caso, Bukele – renuncie seis meses antes do fim do mandato. Essa permissão extraordinária, porém, só aconteceu após o próprio presidente mudar cadeiras da Suprema Corte, levando a oposição a acusar o mandatário de não respeitar as regras democráticas. Críticas não apenas internamente: após Bukele admitir sua intenção de concorrer novamente, mais de 2o ex-presidentes da região assinaram uma carta crítica ao ímpeto do presidente. “Ladrões, mentirosos e assassinos”, reagiu Bukele. Na CNN.
GUATEMALA 🇬🇹
Há dois meses na quinta (29), o jornalista José Rubén Zamora era preso de forma controversa, num escândalo que jogou holofotes sobre abusos judiciais e também contra a figura do presidente Alejandro Giammattei, acusado de estar por trás das manobras contra o fundador do jornal El Periódico, de linha crítica ao governo (saiba mais no GIRO #143). Zamora segue detido de forma preventiva à espera de um julgamento que deve acontecer em dezembro, tudo enquanto a pressão por sua soltura imediata reverbera dentro e fora do país entre juristas, organizações de direitos humanos e liberdade de imprensa, e grupos de oposição. Segundo a Associação de Jornalistas da Guatemala (APG, em espanhol), foram registrados 350 atos de agressão à imprensa desde que Giammattei assumiu em 2020. Via EFE.
HAITI 🇭🇹
“Catástrofe humanitária”. Foi assim que a Representante Especial do secretário-geral da ONU para o Haiti, Helen La Lime, definiu a agoniante situação do país caribenho, na segunda (26), diante do Conselho de Segurança da organização. Segundo La Lime, o quadro de drama geral é fruto de uma “convergência de crises” que passam pelo crescente domínio das gangues em cidades haitianas e da “precária situação político-econômica” no país. Para além de já ser a nação mais pobre da América Latina, o Haiti passou a pandemia às cegas, sem conhecer números confiáveis de mortos e infectados. Enquanto isso, no campo político, tudo segue cercado de incerteza desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021 – crime jamais solucionado e que jogou o país em uma crise institucional sem precedentes em sua jovem era democrática. A ONU também traz números preocupantes: todo o cenário de descontrole na segurança publica já deslocou pelo menos 20 mil pessoas, ao passo que crimes de gênero já afetam 1,5 milhão de pessoas — a entidade fala em “casos sistemáticos de estupro”. A fome também preocupa: segundo informações oficiais, saques a armazéns do Programa Mundial de Alimentos geraram a perda de 2 milhões de toneladas de suprimento, quantidade que “poderia alimentar 200 mil pessoas em outubro”. A crise se estende às prisões do país, onde pelo menos 12 detentos morreram durante o mês por falta de comida e medicamentos. No UN News.
Un nombre:
Halach Uinic – Autoridade máxima maia, uma espécie de rei, imperador, ou príncipe. Suas funções incluíam a administração da política externa e interna, com a ajuda de um conselho formado pelos principais chefes das cidades, padres e conselheiros. Um Halach Uinic era considerado também a mais alta autoridade religiosa. Abaixo do Halach Uinic havia uma série de funcionários que administravam justiça severa, coletavam tributos dos camponeses e controlavam as atividades da população. A expressão significa “homem verdadeiro”.
HONDURAS 🇭🇳
Sem fiança: o ex-presidente Juan Orlando Hernández (2014-2022), preso e extraditado aos EUA duas semanas após deixar o cargo no começo deste ano, tinha a expectativa de contar com o apoio da comunidade judaica em solo norte-americano e hondurenho para conseguir aguardar o julgamento em liberdade, por meio de uma garantia financeira. Mas, na última hora, foi deixado sozinho: “simplesmente decidiram que não queriam colaborar com o processo”, lamentou Ángel Martínez, parte da equipe de defesa do político. Com isso, JOH, que teve seus próprios bens bloqueados, seguirá detido. O julgamento de Hernández por crimes relacionados ao narcotráfico está marcado para 24 de abril de 2023. Seu irmão, o ex-deputado Tony Hernández, foi condenado à prisão perpétua por acusações semelhantes. Na Prensa.
MÉXICO 🇲🇽
Em frente à sede do governo na Cidade do México, uma multidão marcha com cartazes e vozes pedindo justiça pelo desaparecimento forçado em 2014 dos 43 estudantes de Ayotzinapa. Apesar de serem conhecidas as passeatas em protesto a um dos casos mais brutais de violência no país, a vigília iniciada essa semana tem contornos diferentes: os jovens foram dados como desaparecidos há exatos quatro anos na segunda (26), infame aniversário de uma data que passou a ter outra interpretação na opinião pública após o resultados de uma nova investigação – iniciada em 2018 e publicada em agosto passado – implicarem uma série de autoridades, incluindo militares do Exército, em um massacre que, ao contrário do que se vendia de forma oficial, foi um “crime de Estado” (saiba mais sobre toda a trama no GIRO #149). Em El País.
NICARÁGUA 🇳🇮
“Virou moda pedir a libertação de presos políticos na Nicarágua”, disse na quarta (28), sem qualquer mea culpa, o presidente Daniel Ortega, em resposta aos cada vez mais frequentes pedidos de respeito à democracia por parte de autoridades internacionais – durante a semana, o governo nicaraguense também pediu que o embaixador da União Europeia deixasse o país e proibiu a entrada da especialista do Mecanismo Independente de Direitos Humanos dos Povos Indígenas da ONU. O mandatário sandinista ainda atacou seu homólogo chileno Gabriel Boric, contumaz crítico aos abusos aos direitos humanos e políticos dos quais o governo em Manágua é acusado – em Nova York por compromissos na ONU, Boric disse se sentir “furioso” quando grupos de esquerda fazem ressalvas à situação nicaraguense por razões ideológicas. “É como se só houvesse presos na Nicarágua!”, bradou Ortega, fazendo críticas à manutenção da Constituição chilena que, segundo ele, faz com que o país sul-americano permaneça sob um “regime constitucional golpista e terrorista”. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aponta a existência de pelo menos 200 civis detidos (muitas vezes por meio de obscuros processos jurídicos) por razões políticas no país centro-americano; entre eles, estão antigos aliados de guerrilha que lutaram ao lado do próprio Ortega em tempos de Revolução. Na Cooperativa.
PANAMÁ 🇵🇦
Novos capítulos da briga comercial que se arrasta desde 2020: a vizinha Costa Rica avisou, na quinta (29), que vai suspender os benefícios tarifários para produtos panamenhos, como represália pelo não-cumprimento de um acordo relacionado ao comércio de tomate entre os dois países. A série de disputas começou quando o Panamá impediu a entrada de produtos costa-riquenhos alegando razões sanitárias, dando início a uma sequência de ataques e contragolpes que rendeu até um processo em análise pela Organização Internacional do Comércio (OIC), já que as medidas contrariam um acordo de livre-comércio que os países mantêm desde 2008. “As normas internacionais proíbem esse tipo de ação unilateral e não hesitaremos em buscar nossos direitos”, avisou Federico Alfaro, ministro de Comércio e Indústria do Panamá, diante do mais novo desdobramento. Via Reuters.
PARAGUAI 🇵🇾
Começa neste sábado (1º), em Assunção, a edição 2022 dos Jogos Sul-Americanos, evento poliesportivo quadrienal que reúne atletas representantes de 14 Comitês Olímpicos – além dos 10 países da porção latina da América do Sul, comparecem também os colegas de continente Guiana e Suriname, além de Aruba e Panamá. É a 12ª versão dos Jogos regionais, que são disputados desde 1978 e nunca haviam sido sediados em solo paraguaio, e a organização estima a participação de cerca de 7 mil atletas, o que faria desta a maior edição da história. Os anfitriões chegam com a expectativa de melhorar sua participação de Cochabamba/2018, quando fizeram seu recorde de medalhas: 30 pódios, sendo seis no degrau mais alto – na ocasião, a liderança geral do ranking ficou com a Colômbia, com um total de 239 medalhas, 94 delas de ouro. Antes da estreia, um alívio para o governo: organizações de transportistas, que há semanas protestam contra a alta dos preços de combustíveis e ameaçavam bloquear o acesso ao Estádio Defensores del Chaco durante a cerimônia de abertura, prometeram “uma trégua” enquanto ocorrer a competição. No entanto, Darío Toñánez, o dirigente que vem representando a categoria, avisou ao presidente Mario Abdo Benítez: “não nos amedronta com suas advertências de repressão que beiram a ditadura”. No ABC Color.
PERU 🇵🇪
O governo declarou, no último sábado (24), estado de emergência ambiental na região amazônica de Loreto após o vazamento e o derramamento de pelo menos 2,5 mil barris de petróleo bruto oriundos do oleoduto Norperuano, que liga a região noroeste do país a portos com acesso ao Pacífico. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a nova crise afeta particularmente as comunidades indígenas de Cuninico e Urarina, onde vivem milhares de indivíduos da etnia kukama, povos dependentes da pesca artesanal. Apesar do derramamento ter sido controlado alguns dias após o incidente, especialistas alertam para possíveis danos mais duradouros a rios da região. Protestos liderados por grupos indígenas também ocorreram nos últimos dias. De acordo com a estatal Petroperú, que controla o oleoduto, o vazamento foi causado por um corte “intencional” nas tubulações do Norperuano – a companhia relata mais de 10 ataques às estruturas petrolíferas só este ano; procuradores ambientais investigam o caso. No Brazilian Report.
A onda verde tomou conta das ruas de Lima na última quarta-feira (28), em reivindicação ao aborto gratuito e legal. No Dia Mundial de Ação pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, centenas de mulheres percorreram o centro da cidade com faixas, demonstrando o descontentamento com as atuais politícas peruanas em relação à interrupção da gravidez, uma demanda que presidente o Pedro Castillo, conservador em temas sociais, descartou durante a campanha eleitoral. No país, a cada hora, cinco adolescentes, entre 15 e 19 anos, tornam-se mães. E, de acordo com dados de coletivos, cerca de 370 mil abortos clandestinos são realizados a cada ano no Peru. Via EFE.
PORTO RICO 🇵🇷
Passado o Fiona, as autoridades porto-riquenhas começaram a avaliar a dimensão do estrago deixado pelo furacão na ilha – especialmente na combalida rede elétrica (leia mais na abertura do último GIRO). Na quinta (29), a informação era que 50% das linhas de transmissão haviam sido danificadas em meio à tormenta, enquanto 270 mil clientes seguiam sem energia em casa. A Luma, a criticada concessionária do serviço, pediu outra semana para restaurar a maior parte do fornecimento nas áreas atingidas de forma mais severa. “Estou exigindo mais”, bradou o governador Pedro Pierluisi, que vem se notabilizando por subir o tom contra a empresa, mas sem ações concretas para melhorar a qualidade da distribuição. Via AP.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
O Fiona também deixou um rastro de destruição na República Dominicana, que decretou estado de emergência de 45 dias em 12 províncias. Segundo informou o presidente Luis Abinader na segunda-feira (26), as estimativas preliminares apontam danos na ordem de 20 bilhões de pesos (R$ 2 bilhões), o que inclui mais de 9 mil casas afetadas. De acordo com o governo, o próximo desafio é avaliar as perdas sofridas pelo setor agrícola, com a promessa de “medidas enérgicas” para ajudar a normalizar a produção o quanto antes. No Público.
URUGUAI 🇺🇾
Em uma crise pouco comum para os padrões uruguaios, o responsável pela segurança pessoal do presidente Luis Lacalle Pou, Alejandro Astesiano, foi denunciado e preso preventivamente por 30 dias na terça (27), no contexto de uma investigação que aponta a existência de um esquema de falsificação de documentos, envolvendo pessoas do paisito e da Rússia. Segundo informações do Ministério Público, Astesiano, um ex-agente da polícia que há anos presta serviço para a família do mandatário, é acusado dos crimes de formação de quadrilha e tráfico de influência – parte de um caso “longo e complexo”, dizem autoridades à frente da investigação, iniciada dois anos atrás. O fio solto que levou à prisão do chefe da segurança de Lacalle Pou começou a ser puxado em 2020 após o surgimento de um número suspeito de pedidos de cidadania uruguaia por parte de cidadãos russos – estes que, por sua vez, apresentavam certidões de nascimento com filiação uruguaia. Conta o MP que, a fim de obter passaportes do país platino, os envolvidos no esquema “adulteravam certidões originais”. A procuradoria diz que “provas de alta qualidade” ligam Astesiano ao caso. Pelo menos outras três pessoas já foram indiciadas. Em El Observador
VENEZUELA 🇻🇪
Como esperado, o governo venezuelano rejeitou o mais novo relatório da ONU sobre violações de direitos humanos cometidas no país, com vinculação direta dos crimes ao presidente Nicolás Maduro. Na segunda (26), Héctor Constant Rosales, embaixador permanente da Venezuela na entidade em Genebra, afirmou que o documento seria um “pseudorrelatório” guiado por “interesses obscuros” e contrários ao seu país. O próprio Maduro também difundiu uma carta aberta falando da existência de uma “campanha” contra a Venezuela para “asfixiar política e economicamente qualquer tentativa de criar alternativas a um sistema imperialista e depredador”. O levantamento, baseado “em testemunhos diferentes, mas consistentes”, segundo a líder do grupo de trabalho Marta Valiñas, sugeriu que Maduro teria inclusive dado ordens para tortura de opositores, embora sem detalhar casos específicos em que isso ocorreu. A Missão Internacional Independente foi estabelecida em 2019 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar as denúncias de violações no país sul-americano, e seus achados podem servir de base para eventuais julgamentos no Tribunal Penal Internacional ou em outras cortes que apliquem o conceito de “jurisdição universal” para crimes de lesa-humanidade. Via AP.
Como em Lima, mulheres venezuelanas marcharam na quarta (28) em frente à sede do Legislativo em Caracas pela mesma razão conhecida na região: sob os tradicionais lenços verdes, pediram mudanças no Código Penal que permitam o fim da imposição de penas de prisão relacionadas ao aborto. Movimentos feministas do país também cobram maiores garantias legais sobre educação sexual, acesso a métodos contraceptivos, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, planejamento familiar e, não menos importante, o direito amplo ao aborto gratuito e seguro e acompanhado. Em El País.
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