Venezuela oferece oxigênio para Manaus
EUA recolocam Cuba na lista do terror | Ford deixa Brasil rumo à Argentina | Presidente de Honduras acusado de laços com o tráfico | Evo Morales está com covid-19
“Solidariedade latino-americana acima de tudo”, disse o chanceler venezuelano Jorge Arreaza em seu Twitter, na noite de quinta-feira (14), ao anunciar que seu país colocaria oxigênio à disposição para o governo amazonense tentar contornar a catástrofe humanitária que ganhou novos contornos durante a semana. Segundo Arreaza, a instrução partiu de Nicolás Maduro. Imediatamente, o governador do Amazonas, o bolsonarista (agora atacado pelo próprio Bolsonaro) Wilson Lima, deixou as divergências ideológicas de lado para agradecer o oferecimento do vizinho ao norte. Ele diz que, apesar da “comoção mundial”, nenhum outro lugar ofereceu ajuda concreta.
Não está claro quando (ou se) a carga venezuelana efetivamente chegará a Manaus, que se viu obrigada a transferir pacientes para outros estados e vive um drama pela falta de oxigênio que afeta inclusive internados que não sofrem diretamente com a covid-19, como bebês prematuros. Certo é que o Brasil voltou a centralizar as preocupações pandêmicas da região, meses depois de ter sido um dos países que alçou a América do Sul ao triste posto de epicentro da pandemia, em maio passado: além das “câmaras de asfixia” em que os hospitais manauaras se converteram, o país segue na incerteza sobre o início da sua campanha de vacinação e encerrou a semana com o fiasco de cancelar o voo que iria à Índia buscar vacinas, depois que a nação asiática indicou que era “cedo demais” para exportar os imunizantes de que também necessita. De quebra, a nova cepa de coronavírus identificada no próprio estado do Amazonas passou a preocupar o mundo – o Reino Unido já suspendeu viagens vindas do Brasil e seus vizinhos, além de Portugal, entreposto comum aos brasileiros circulando pela Europa.
A situação agora enfrentada por Manaus não é inédita nas Américas, e o mais notável exemplo anterior dá poucas esperanças em relação ao desfecho do drama: em junho de 2020, o Peru também enfrentou uma escassez de oxigênio, com muitas famílias precisando adquirir cilindros por conta própria, como ocorre agora no Amazonas, chegando a pagar sobretaxas de até 1.000% em relação ao valor de mercado habitual. O Peru acabaria se tornando o primeiro país latino-americano a atingir a triste marca de uma vítima de covid-19 a cada mil habitantes (limiar estatístico que o Brasil também vai atingir ao longo da próxima semana) e ainda hoje é a nação com mais mortes proporcionais na região – leia aqui nosso levantamento semanal da situação da pandemia na América Latina, que voltou a bater recorde de casos. Neste início de 2021, o México também passou a registrar problema semelhante de falta de oxigênio.
A Venezuela, que agora oferece auxílio aos brasileiros, vê-se diante de uma oportunidade imperdível de propaganda, prestando solidariedade a um país cujos governantes vinham tripudiando sobre a crise em Caracas até pouco tempo atrás. O oferecimento também joga luz sobre a paradoxal situação da pandemia por ali: os principais órgãos internacionais veem com justificada desconfiança os baixos números venezuelanos, diferentemente do que ocorre com Cuba e, oficialmente, o governo Maduro reconhece apenas 118 mil casos e 1.089 mortes, os mais baixos números proporcionais da América do Sul. Embora médicos do país denunciem a falta de produtos mais básicos e, por vezes, até mesmo cortes no fornecimento de água e luz para os hospitais, imagens extremas como as vistas em Guayaquil ou em Manaus não chegaram a se difundir, apesar do colapso visto em locais como Maracaibo – nem mesmo a partir de lideranças opositoras, que denunciaram que os números reais seriam “mais que o dobro” dos oficiais.
Para explicar a situação, especialistas apontam não apenas para os controles rígidos impostos no país, mas também para a pouca integração internacional ocasionada pelas sanções e pelos números irrisórios de turistas, o que teria reduzido a circulação do vírus – o governo dificultou até mesmo o retorno de expatriados, especialmente através da fronteira com a Colômbia, e chegou a tachá-los de “armas biológicas”. Diante da crise, até um improvável acordo entre Maduro e Guaidó para enfrentar a pandemia chegou a ser firmado. Não quer dizer que a Venezuela não enfrente seus próprios problemas com o coronavírus. Ainda em abril do ano passado, o país recebeu concentradores de oxigênio da Unicef para driblar a estrutura sucateada, e uma missão da Médicos Sem Fronteiras (MSF) se retirou em novembro, citando as “restrições de entrada de pessoal humanitário especializado no país”. Hoje, porém, sufocado em todos os sentidos, o Brasil recebe ofertas de auxílio de um país sinônimo de infâmia pela boca do bolsonarismo – que agora pode acabar tendo que aceitar a ajuda da mesma nação em que tanto teme se transformar.
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Un sonido:
ARGENTINA 🇦🇷
O anúncio de que a montadora Ford encerraria suas operações no Brasil dominou manchetes no início da semana, especialmente pela confirmação de que a empresa pretende investir US$ 580 milhões para ampliar seus negócios na Argentina. Citada como um exemplo do fracasso da economia sob Jair Bolsonaro, a decisão não reflete, necessariamente, um sucesso argentino mais amplo, e sim um episódio pontual: os dois países vêm enfrentando repetidas saídas de empresas estrangeiras nos últimos anos. Na BBC.
BOLÍVIA 🇧🇴
O ex-presidente Evo Morales (2006-2019) testou positivo para covid-19, informou um comunicado de imprensa do seu partido, o MAS, durante a semana. Inicialmente, Evo e seu entorno negaram o diagnóstico, mas a versão mudou pouco após o rumor. Segundo o documento, Evo (que já perdeu a irmã, Esther Morales, para o coronavírus em agosto) está estável e recebendo tratamento. A curiosidade da semana ficou por conta de quem desejou melhoras a Evo: pelo Twitter, o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, considerado a pedra fundamental do impasse que levou ao golpe em 2019, estimou “pronta recuperação”. Os internautas não perdoaram. No Página 12.
Un video:
CUBA 🇨🇺
Os EUA voltaram a incluir Cuba na lista de “Estados patrocinadores do terrorismo” na segunda-feira (11), recolocando a ilha no clube hoje integrado por Coreia do Norte, Irã e Síria, mas não por nações “amigas” de Washington e com laços com o extremismo como a Arábia Saudita. A designação impede o acesso do governo cubano ao comércio de armas com aliados dos EUA e dificulta ainda mais a busca de auxílios financeiros de entidades como o Banco Mundial e o FMI. Cuba fez parte da lista entre 1982 e 2015, mas foi retirada durante os esforços de reaproximação de Barack Obama. Já com seu governo no fim, Trump ainda tinha reservada uma última sanção para Havana, justificando-a pelo abrigo concedido pelo governo cubano a guerrilheiros da Colômbia e pelo apoio a Nicolás Maduro. Na BBC.
Un nombre:
Guantánamo – cidade na ilha de Cuba, onde fica a baía de 116 km² que comporta uma base naval arrendada de forma perpétua pelos EUA, em 1903. Esse paradoxo geopolítico, no entanto, virou metonímia para algo pior: desde os atentados do 11 de setembro, “Guantánamo” remete à prisão política em que os EUA mantinham acusados de vínculos com atividades terroristas. Apontado como antro de tortura física e psicológica, o lugar fica fora dos radares das leis internacionais e, desde 11 de janeiro de 2002, quando os primeiros prisioneiros chegaram à ilha, é alvo de críticas de diversas entidades defensoras de direitos humanos. O ritmo da música Guantanamera, criada a partir de um poema escrito pelo revolucionário cubano José Martí, ajuda a criar o imaginário desse contrassenso histórico.
HONDURAS 🇭🇳
O presidente Juan Orlando Hernández passou a ser oficialmente alvo da procuradoria dos EUA: nos primeiros dias do ano, chegou a Tegucigalpa uma acusação formal contra o mandatário, agora acusado de receber propinas do tráfico de drogas. A justiça estadunidense também alega que o exército hondurenho teria colaborado com traficantes, além de proteger laboratórios de cocaína. Se a acusação contra JOH é nova, não se pode dizer o mesmo de seu sobrenome: em 2019, o irmão do presidente, Tony Hernández, foi declarado culpado por narcotráfico em Nova York, o que apertou o cerco contra o governo. Em El Heraldo.
Un clic:
Um panorama de Bogotá.
PARAGUAI 🇵🇾
O governo paraguaio rejeitou que a Comissão Internacional da Cruz Vermelha faça a mediação das negociações pela liberação do ex-vice-presidente Óscar Denis (2012-2013), sequestrado em setembro por guerrilheiros do Exército do Povo Paraguaio (EPP). A entrada da Cruz Vermelha foi solicitada por familiares de Denis, frustrados com a incapacidade do governo em localizar o político de 74 anos: desde o rapto, as autoridades paraguaias não conseguiram descobrir o paradeiro de Denis e sequer obtiveram uma prova de que ele ainda está vivo. A justificativa da chancelaria para recusar a ajuda se baseia em normas jurídicas: ao envolver a Cruz Vermelha, há o risco de que seja reconhecido um “status de beligerância” para o EPP, dificultando seu enquadramento como um grupo terrorista. No Hoy.
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