Uruguai negocia com China e joga sal na ferida do Mercosul
México despenaliza aborto | El Salvador: “STF” governista abre caminho à reeleição do presidente | Nicarágua: Ortega já mira até seu ex-vice | Colômbia: aprovada reforma tributária alvo de protestos
O clima no Mercosul já era ruim, mas piorou após o Uruguai – um dos membros do bloco também composto por Argentina, Brasil e Paraguai – anunciar “avanços concretos” na polêmica negociação bilateral de um tratado de livre comércio (TLC) com a China, decisão que causa diferentes interpretações legais e diplomáticas entre os países mercosulinos. Para o presidente uruguaio Luis Lacalle Pou, não há nada de errado na história: o liberal, que em suas críticas ao engessamento do Mercosul já chegou a dizer que o bloco deveria ser “um trampolim e não um espartilho”, garante que o acordo entre Montevidéu e Pequim não exige aprovação dos outros países sul-americanos que integram o grupo. Segundo ele, o Uruguai teve “uma vocação histórica de pertencer ao Mercosul e ao mesmo tempo abrir nossas fronteiras ao mercado mundial”, conforme disse em entrevista coletiva, na terça-feira (7).
Mas não é isso que entende a Argentina, uma das nações mais críticas às aventuras uruguaias. Se em março deste ano, nos 30 anos do bloco, Lacalle Pou e seu homólogo argentino, Alberto Fernández, já chegaram a se desentender por divergências sobre flexibilizações, dessa vez quem reage de forma mais contundente é justamente a cúpula em Buenos Aires: em entrevista ao La Nación, um membro da equipe econômica argentina chegou a classificar as decisões uruguaias como um “delírio”, jogando dúvidas sobre as promessas de Lacalle Pou de que seu chanceler, Francisco Bustillo, já havia comunicado seu par argentino Felipe Solá sobre o avanço das conversas com os chineses. Posteriormente, o contato entre os ministros foi confirmado, o que não diminuiu a surpresa entre outros membros do gabinete de Fernández.
Todo desconforto e incerteza parecem não abalar o líder uruguaio, que garantiu: “se houver algum incômodo, não passará disso”. Mas tem sido bem mais que só incômodo. Não é de hoje que as relações entre as nações sul-americanas têm revelado desgaste e desentendimento: em abril de 2020, como contamos no GIRO #27, a Argentina chegou a suspender temporariamente sua participação em negociações do Mercosul, também por discordar de acordos bilaterais entre seus aliados regionais e outros países. Com o tempo, Buenos Aires retomou a atividade no grupo, mas com um pé atrás. Em uma de suas declarações, o presidente argentino disse: “não queremos ser peso de ninguém. Se somos, que tomem outro barco. Não somos lastro de ninguém”.
O Brasil de Jair Bolsonaro também tem dedo na crise que se desenrola nos últimos anos: ainda que o Planalto esteja fechado com as intenções uruguaias de expandir os laços do Mercosul a qualquer custo – que é a posição majoritária, já que o Paraguai, também sob uma gestão liberal, pensa parecido – o desastre ambiental brasileiro tem sido um dos principais entraves para um dos poucos temas que interessam a todos os quatro países aliados: o acordo com a União Europeia. Em 2020, quando os ânimos já se deterioravam, foram as políticas ambientais brasileiras que renderam uma sequência de derrotas ao tratado com o bloco europeu, o que abriu as portas a mais desacordos. Nesta semana, as mobilizações golpistas encabeçadas por Bolsonaro foram citadas na Europa como mais um entrave que “impossibilita” o avanço do tratado entre os dois blocos. A recente decisão do Uruguai, então, é só mais sal em uma ferida que ninguém, além da Argentina, parece disposto a curar.
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DESTAQUES
🇲🇽 Aborto legal – Ventos progressistas: após uma decisão histórica aprovada por unanimidade, a Suprema Corte do México descriminalizou o aborto, anulando a pena de prisão para a interrupção voluntária da gravidez. “A partir de agora não será possível processar nenhuma mulher que faça aborto nos casos considerados por este tribunal”, disse o chefe dos magistrados, Arturo Zaldívar. A medida é importante: entre os 32 estados mexicanos, só quatro têm leis que preveem a regulamentação da interrupção da gravidez, mas com prazos-limite para a prática ser permitida. Nos demais, só é possível recorrer a procedimentos nos três casos clássicos: risco à saúde da mãe, má-formação fetal e gravidez em casos de estupro. E, mesmo assim, uma lei desigual ainda torna subjetiva a solicitação para esses casos. A Corte vem sendo irredutível: na mesma semana, o tribunal máximo também declarou inconstitucional que estados reconheçam “a vida humana desde sua concepção”, precedente legal e obrigatório para que não haja processos enquadrando o aborto como uma violação de direitos humanos. Em El País.
🇸🇻 Manobra pode reeleger Bukele – A ONU pediu o respeito à Constituição, ao estado de direito e à separação entre os poderes após uma decisão histórica do Supremo salvadorenho, que abriu caminho para o presidente Nayib Bukele disputar uma reeleição em 2024. O novo posicionamento contraria o entendimento vigente até aqui sobre a Carta Magna, que previa uma “quarentena” de dez anos a partir do final do mandato para que um presidente voltasse a disputar o cargo – o que significava que Bukele não poderia buscar a presidência novamente antes de 2034. A decisão causa ainda mais temor da oposição em meio a uma escalada autoritária do presidente, que na semana anterior havia aprovado a aposentadoria compulsória de um terço dos juízes do país, e é feita por um Supremo totalmente alinhado ao Executivo: os ministros que decidem sobre temas constitucionais foram substituídos por magistrados leais a Bukele após a base governista se tornar majoritária no Congresso em maio, destituindo de imediato os juízes anteriores. Ainda aliados de Bukele, os EUA manifestaram preocupação e disseram que “já vimos isso na Venezuela”. Em El Tiempo.
🇳🇮 Ortega já mira até em seu ex-vice – Mais abusos a mando de Daniel Ortega: por meio de aliados no Ministério Público, o governo pediu a prisão do escritor e sandinista dissidente Sergio Ramírez, vencedor do Prêmio Cervantes. Ramírez, que também atuou como vice-presidente no governo revolucionário de Ortega entre 1985 e 1990, foi acusado de “lavagem de dinheiro, bens e ativos; menosprezo pela integridade nacional e provocação, proposição e conspiração”, segundo promotores. Após romper com Ortega nos anos 90, quando o hoje outra vez presidente começou a traçar alianças com setores conservadores, Ramírez se dedicou unicamente à tarefa de escritor, tornando-se um dos principais críticos do que viria a ser o atual regime. Após receber a ordem de prisão, o autor de Tongolele no sabía bailar, entre outras obras, classificou o governo atual como uma “ditadura”, e voltou a comparar o atual governo com o regime de Anastasio Somoza, derrubado pelos próprios sandinistas (saiba mais sobre o paralelo neste vídeo): “não é a primeira vez que acontece na minha vida. No ano de 1977, a família Somoza me acusou por meio da sua própria promotoria, e perante seus próprios juízes, de delitos semelhantes”, disse. Desde junho, pelo menos 36 pessoas foram detidas, incluindo sete pré-candidatos que esperavam enfrentar o próprio Daniel Ortega nas eleições presidenciais de novembro. Em El País.
🇨🇴 Aprovada reforma que provocou paro nacional – Após meses de protestos, brutalidade policial e reparos ao texto, o Congresso finalmente aprovou na quarta (8) o projeto remendado da reforma tributária, pedra fundamental do estallido social do início do ano. A medida, que pretende elevar a arrecadação do Estado em mais de 15 trilhões de pesos colombianos (o equivalente a R$ 20,4 bilhões ou 1,5% do PIB) e deve entrar em vigor em sua totalidade em 2022, até sofreu alterações em relação à proposta inicial, que atingia duramente a cesta básica de consumo do cidadão – e, por isso, causou Paro Nacional, como contamos neste episódio especial do Giro Latino Cast — mas ainda enfrentará novo repúdio das ruas, em especial de movimentos sindicais. No Sputnik.
🇦🇷 Futebol gera crise diplomático-sanitária – A suspensão do jogo entre Brasil e Argentina, válido pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo, no último domingo (5), segue dando o que falar: uma guerra de versões se desenrola desde que a Anvisa ordenou a interrupção da partida após os argentinos utilizarem jogadores que, vindos da Inglaterra, estariam impedidos de atuar (ou circular pelo Brasil) sem quarentena prévia – as autoridades brasileiras também alegam que os visitantes teriam omitido que estiveram naquele país em seus formulários de imigração. Enquanto não se sabe o que será da partida, o site da Anvisa chegou a ser hackeado e teve exposta uma bandeira da Argentina com o questionamento: “vão nos expulsar também?” Na sequência da semana, os argentinos voltaram a campo para derrotar a Bolívia por 3x0 na quinta-feira (9), em uma partida duplamente simbólica: o confronto marcou o retorno da torcida aos estádios do país após longa ausência causada pela pandemia, e ainda viu Lionel Messi (que marcou três vezes) chegar a 79 gols, superando os 77 do brasileiro Pelé, e se tornar o jogador latino-americano que mais vezes foi às redes por sua seleção nacional.
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Um álbum com fotos de locais de memória no aniversário do golpe no Chile.
MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
“Os empregos do futuro serão sustentáveis. Do contrário, não existirão”. As falas do presidente argentino Alberto Fernández compõem um discurso uníssono: o que pede ajuda para o continente combater as crescentes mudanças climáticas. Com a Argentina enquanto sede do Diálogo de Alto Nível sobre Ação Climática nas Américas, e sem a presença do Brasil, vários países da região solicitaram novos mecanismos financeiros para impulsionar a economia circular e reduzir as emissões, o que acontece em um momento de crise climática que afeta todo o continente. Ainda que nenhum país latino-americano esteja entre os dez que mais poluem no mundo, a região (com a maior biodiversidade no planeta) é uma das que mais sofre diante do quadro atual. Em El País.
Nova semana de queda nos números da pandemia na região: os novos casos e óbitos por covid-19 na América Latina, agora, estão nos patamares mais baixos desde novembro do ano passado. Leia nosso levantamento semanal.
ARGENTINA 🇦🇷
PASO. Essas são as quatro letras, sigla para Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias, que não saem da cabeça dos argentinos. Elas são basicamente um processo que afunila candidaturas que depois serão testadas nas urnas em novembro, quando acontecem as eleições legislativas, que vão definir 127 cadeiras para deputados em todo o país (de um total de 257) e de 24 senadores (de um total de 72) de oito províncias. Um dos elementos mais importantes em jogo é a sobrevida política do governo Alberto Fernández, abatido por uma pilha de críticas: da controversa gestão da pandemia às polêmicas envolvendo o próprio presidente, flagrado em uma aglomeração bem na época em que impunha as restrições mais duras ao país, o cenário faz com que os mais variados grupos políticos escolham palavras a dedo para angariar apoio necessário para se sair bem nas primárias deste domingo (12). Quem já está de olho em acenar à base é a vice-presidenta Cristina Kirchner, que durante a semana fez um de seus discursos mais estratégicos desde sua volta à Casa Rosada. Nessa nova corrida, vale tudo, como conta a reportagem de El País.
BOLÍVIA 🇧🇴
Nova bomba no caso que investiga o suposto contrabando de armas e munições por parte do governo do argentino Mauricio Macri (2015-2019) na sequência do golpe de Estado boliviano de 2019: uma nova testemunha, ligada à embaixada da Argentina em La Paz, confirmou ter presenciado a entrega de “caixas muito grandes” que foram distribuídas entre a Força Aérea Boliviana e a polícia local. Sabe-se que o governo argentino da época enviou pelo menos 70 mil projéteis antidistúrbios, que teriam sido usados durante a repressão aos opositores da então recém-instalada interina Jeanine Áñez (2019-2020), o que levou à abertura de investigações judiciais nos dois países. O funcionário da embaixada também desmentiu uma versão oficial segundo a qual as balas de letalidade reduzida teriam sido utilizadas em treinamentos da própria equipe de segurança do corpo diplomático (e não contra manifestantes). “Sem descarregar um só tiro para treinos. Nada. Nada”, insistiu. No Página 12.
O Ministério da Defesa respondeu com repúdio à prisão de três militares bolivianos no Chile, suspeitos de roubar três veículos na noite de terça-feira (7). Segundo a versão do governo Luis Arce, os militares são, na verdade, integrantes de uma força-tarefa legal que atua na luta contra o crime transnacional de contrabando, em especial na fronteira entre os dois países – La Paz diz que eles estariam tentando evitar a entrada dos veículos irregulares. Na confusão, Carabineros chilenos interceptaram a ação “fazendo o uso da força”, diz o comunicado, o que deixou um agente boliviano ferido. Ainda segundo a pasta, “canais diplomáticos foram ativados para superar este infeliz impasse”. Na Cooperativa.
CHILE 🇨🇱
Buscando avançar ainda mais na campanha de imunização, o Chile agora começará a vacinar crianças de até 6 anos: na segunda-feira (6), o órgão regulador local autorizou que a Coronavac seja aplicada também nessa faixa etária. O Chile, que já completou o ciclo vacinal em quase 73% da população e vem inclusive aplicando uma terceira dose de reforço, também já vacinava crianças e adolescentes de até 12 anos utilizando o imunizante da Pfizer. Na Folha.
Um caso incomum: Rodrigo Rojas Vade, de 37 anos, se tornou uma das principais figuras dos protestos sociais de 2019, que viraram a chave em um país afetado por uma desigualdade silenciosa e levaram à criação de uma histórica Assembleia Constituinte – que pode sepultar a herança legal da ditadura. Rojas Vade teve parte nisso, com uma militância que ganhou o mundo: até onde se sabia, o rosto conhecido (sobretudo por aparecer nas manifestações sem sobrancelha e cabelos) ergueu a bandeira de uma suposta luta de oito anos contra uma grave leucemia, cobrando melhores condições de tratamento e denunciando dívidas estratosféricas com as clínicas. Mas, ao que parece, nada disso era verdade: após uma investigação do portal La Tercera, revelou-se que, na realidade, o ativista nunca teve câncer. Mais do que um prato cheio para a direita chilena e um motivo de revolta para diversos setores, em especial as pessoas que realmente padecem da doença, o escândalo pode encerrar a principal conquista de Rojas Vade: sua posição entre os 27 constituintes eleitos em maio pela Lista do Povo, grupo de nomes independentes de esquerda que, de forma surpreendente, acabou se tornando uma das principais forças à frente da Constituinte (até se desintegrar recentemente). Agora, ele diz que “sente que precisa” se retirar do órgão que está redigindo a nova Carta Magna e do qual chegou a ser um dos vice-presidentes. Sua saída, mesmo requisitada, não é certa: ainda que o grupo tenha aceitado sua renúncia, será necessário deliberar sobre a possibilidade (e as condições) de alteração dos membros da Constituinte. Em La Tercera.
Un nombre:
La Moneda – o palácio que sedia o governo do Chile (e que foi bombardeado no golpe de 48 anos atrás) é conhecido por esse nome porque surgiu com o objetivo de ser a Casa da Moeda no período colonial. Inaugurado em 1805, La Moneda passou a ser a sede do poder 40 anos depois, já com o país independente, durante o governo de Manuel Bulnes (1841-1851). Após a destruição parcial do prédio em 11 de setembro de 1973, La Moneda passou por uma controversa remodelação que durou oito anos, e a ditadura de Pinochet transferiu temporariamente os escritórios do Executivo para o então Edifício Diego Portales, hoje Centro Cultural Gabriela Mistral.
COLÔMBIA 🇨🇴
Há um ano, outra série de protestos também deixou um rastro de mortes pelo país: em setembro de 2020, manifestações contra a execução do taxista Javier Ordóñez nas mãos da polícia foram respondidas com mais violência policial e um saldo de outras 13 vítimas (leia no GIRO #47 e veja mais neste vídeo). Mas, apesar da indignação coletiva, doze meses mais tarde a impressão de impunidade da época só se reforçou: as investigações em torno das mortes nos protestos seguem apenas em estágios iniciais e, desde então, o país viveu uma escalada de execuções extrajudiciais de manifestantes pela polícia, como no caso dos protestos contra a reforma tributária, aprovada nesta semana (saiba mais nos destaques desta edição). A luta por justiça, nesta matéria da Reuters.
COSTA RICA 🇨🇷
O país registrou alguns dos piores resultados da América Latina em relação a emprego e renda após um ano de pandemia: em uma nota técnica que analisou 13 países da região, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) colocou a Costa Rica com a segunda maior perda de renda (uma queda de 20,3% entre o quarto trimestre de 2019 e o mesmo período de 2020) e com a maior desocupação (a taxa chegou a 18,7% no primeiro trimestre de 2021, um salto de 6,2 pontos percentuais em um ano). De acordo com a OIT, mesmo com a recuperação dos últimos meses, o cenário do emprego ainda é sombrio em toda a região, e sete em cada dez vagas criadas desde meados de 2020 são na informalidade. No Economista.
CUBA 🇨🇺
Os protestos de julho ainda ecoam, e aumenta o cerco do governo em Havana a seus críticos: durante a semana, foi preso em Santa Clara o opositor Guillermo Fariñas, 59, escritor renomado e que ganhou destaque após fazer uma greve de fome de 135 dias em 2010, como forma de criticar o então governo de Fidel Castro. Segundo seus familiares, as causas para a nova detenção não foram esclarecidas. O dissidente, líder da Frente Antitotalitária Unida (Fantu), banida pelo governo, também chegou a ser preso por alguns dias em 2020, sendo impedido de viajar para a Europa (onde já recebeu uma série de prêmios em favor dos direitos humanos). Segundo Fariñas, o governo argumenta que suas idas ao velho continente servem para minar as relações entre Cuba e a União Europeia. Ainda sem dar por superada a onda de protestos, que completa dois meses neste sábado (11), o país vê denúncias de arbitrariedade aumentarem: segundo novo relatório da ONG Cubalex, dos 949 civis presos, 437 seguem privados de liberdade. Em El País.
EL SALVADOR 🇸🇻
Desde terça (7), El Salvador é o primeiro país do mundo a utilizar o bitcoin como moeda legal. A polêmica e apressada adoção da criptomoeda começou com problemas no acesso à carteira digital desenvolvida pelo governo (a “Chivo”) e um exemplo da extrema volatilidade que preocupa muitos: ao longo do dia de estreia, a cotação do bitcoin chegou a despencar de US$ 52 mil para US$ 42 mil, antes de encerrar o dia 7 na metade do caminho. Até o fechamento desta edição, o governo ainda estava tentando resolver as questões técnicas, que incluíam dificuldades de login, incorreções no saldo exibido pela Chivo, dificuldade de sacar dinheiro no caixas eletrônicos e o “sumiço” do bônus de US$ 30 que o governo havia prometido como incentivo para a população utilizar a moeda digital. Em La República.
EQUADOR 🇪🇨
Após um encontro com uma missão do Fundo Monetário Internacional, o governo do presidente Guillermo Lasso e a entidade financeira chegaram a um acordo técnico, que ainda deve ser votado pelo conselho do FMI, mas que estenderia ao país andino o acesso a cerca de US$ 800 milhões em créditos para mitigar “necessidades orçamentárias”. Com uma queda econômica história de 7,8% em 2020, o país – que já vinha enfrentando uma desaceleração e rombos fiscais nos últimos anos – celebra o avanço da vacinação nos primeiros 100 dias do novo governo, mirando “restaurar a sustentabilidade fiscal com equidade e gerar crescimento sustentável com empregos de alta qualidade”, diz o documento conjunto. Mas é preciso cautela: é o terceiro ano consecutivo em que Quito e FMI acertam termos, o que evoca fantasmas antigos: foi justamente uma tratativa entre as partes que, em 2019, levou o governo do então presidente Lenín Moreno (2017-2021) a cortar subsídios para comprovar austeridade e obter empréstimos, gerando a maior crise nacional do século (e que quase derrubou o próprio Moreno). Em El Universo.
Un hilo:
GUATEMALA 🇬🇹
Mais uma vez, o Congresso guatemalteco derrubou um estado de calamidade decretado pelo presidente Alejandro Giammattei em função da pandemia. Desta vez, a resposta veio em quatro dias: o mandatário assinou a medida no dia 2 e a viu ser tornada sem efeito no dia 6. Além da reticência em conceder poderes para o governo fazer compras sem muitas regulamentações, críticos entendem que o decreto poderia reabrir a margem para Giammattei restringir os protestos contra o governo – um desejo antigo do presidente, que vem convivendo com constantes exigências para que renuncie. Na DW.
HAITI 🇭🇹
O presidente Jovenel Moïse foi morto em 7/7, mas um de seus projetos mais caros segue vivo: a reforma da Constituição. Atuando como governante de fato, o primeiro-ministro Ariel Henry anunciou que pretende levar o novo texto a referendo. Adiada várias vezes e prevista para ocorrer em setembro quando Moïse foi assassinado, a votação agora está projetada para ocorrer no primeiro domingo de novembro. A Carta Magna proposta é criticada por ter sido redigida com pouco debate junto à sociedade e por prever uma maior concentração de poderes no presidente, derrubando as salvaguardas que a Constituição de 1987 havia colocado após a longa ditadura da família Duvalier (1957-1986). Enquanto isso, a investigação em torno do assassinato de Moïse agora quer ouvir o próprio Henry – e entender por que o premiê conversou, na véspera da morte do presidente, com Joseph Félix Badio, hoje considerado um dos principais suspeitos do crime. Via AFP.
HONDURAS 🇭🇳
A oposição de esquerda em Honduras tem um plano: estabelecer relações com a China, revendo a histórica e peculiar posição (compartilhada por um punhado de países centro-americanos, caribenhos e pelo Paraguai) de não reconhecer o governo comunista e, em vez disso, manter aproximação com Taiwan. Essa é a promessa do Partido Liberdade e Refundação, o Libre, liderado pelo ex-presidente Manuel Zelaya (2006-2009, quando foi derrubado por um golpe) e encabeçado neste pleito por sua esposa, Xiomara Castro. Ela garante que, se for vencedora nas eleições de 28/11, vai abrir relações diplomáticas e comerciais imediatas com a China, além de iniciar uma “auditoria e reajuste” das dívidas interna e externa do país. A pouco mais de dois meses do pleito, Castro vem aparecendo em empate técnico no topo com o governista Nasry Asfura (leia mais sobre os três principais nomes na seção hondurenha do GIRO #73). O atual presidente, Juan Orlando Hernández, não pode concorrer a um novo mandato. Via Reuters.
Dezenas de migrantes hondurenhos receberam vacinas contra a covid-19 na cidade de Tapachula, no sul do México. A ação foi coordenada pelo Ministério da Saúde e o Instituto Mexicano de Seguridade Social (IMSS), dando conta de aplicar doses em 150 pessoas em um único dia. Até aqui, mais de 600 nessa condição de trânsito já se vacinaram. As autoridades mexicanas têm pressionado pela aplicação de vacinas em migrantes, incluindo aqueles que estão na fronteira com os EUA. Via Reuters.
Una palabra:
Tanquetazo – é como se chama a tentativa frustrada de golpe de Estado no Chile em 29 de junho de 1973, quando forças leais ao governo de Salvador Allende impediram que os tanques sublevados (daí o nome Tanquetazo, ou Tancazo, para o episódio) derrubassem o presidente. Foi uma curta sobrevida, já que, em 11 de setembro, há exatos 48 anos, um novo putsch teria sucesso – levando à morte de Allende e ao fim da democracia no Chile pelos 17 anos seguintes. O Tanquetazo, assim, ficou como uma palavra que se refere a uma intentona golpista fracassada que, no entanto, precede outra ainda mais forte.
MÉXICO 🇲🇽
Avanço no campo dos direitos civis, problemas naturais: na mesma semana em que o centro do país foi abalado por um terremoto de magnitude 7,1 – com uma vítima fatal, diversas estruturas danificadas no epicentro em Acapulco e até mesmo um raro fenômeno de “luzes apocalípticas” no céu no momento do tremor – sismólogos ligaram o alerta por conta da proximidade do novo abalo da falha sísmica de 110 km no estado de Guerrero. Segundo especialistas, a faixa tectônica não registrava um grande terremoto há mais de um século, e se faz necessário avaliar os riscos de um eventual rompimento dessa falha geológica. “Não podemos impedir um terremoto neste local, mas podemos mitigar seus efeitos se agirmos de modo correto”, diz um pesquisador do Instituto de Geofísica da Universidade Nacional Autônoma do México, a UNAM. De fato, a prevenção é importante: o terremoto deste ano teve impacto similar ao de 2017, que deixou mais de 220 mortos. Mas ainda que o atual tenha causado menos estragos à vista, pode ter danificado estruturas que virão a colapsar no futuro, como aconteceu com o metrô da Cidade do México em maio, deixando 26 mortos. Um novo relatório detalhou as falhas estruturais da linha, mais um componente que se soma ao risco dos terremotos. Em El País.
Mas a capital do país também tem suas boas notícias: seguindo uma tendência regional de reavaliar a ode a símbolos da violência colonial (como detalhamos neste video), a Cidade do México decidiu que vai colocar a estátua de uma mulher indígena no lugar onde ficava um monumento em homenagem a Cristóvão Colombo. Segundo o escultor Pedro Reyes, responsável por criar a nova peça, “se alguém pode nos ensinar a cuidar do planeta, são os povos origionários”. Na CNN.
Localizado no México, o caminhoneiro brasileiro Zé Trovão (codinome de Marcos Antônio Pereira Gomes), um dos líderes do movimento golpista que tentou sacudir Brasília nesta semana, já recebeu apoio de nomes ultraconservadores do país ao norte: “toda nossa solidariedade com Zé Trovão [...] que o abusivo ministro Alexandre de Moraes quer botar preso por ser conservador [sic]”, escreveu Raúl Tortolero, um “consultor político” ligado ao Movimento Cristão Conservador Latino-Americano que, entre outras coisas, garante que Bolsonaro será reeleito em 2022. Foragido da Justiça, Trovão garantiu à Veja ter solicitado asilo ao México. Em El País.
PANAMÁ 🇵🇦
A Justiça da Guatemala transferiu o processo de Luis Enrique Martinelli Linares, filho do ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli (2009-2014), ao Ministério das Relações Exteriores, avançando o trâmite que pode levar à extradição do filho do político para os Estados Unidos, onde é acusado de lavagem de dinheiro. Apesar da resistência por parte de diversos órgãos panamenhos, a extradição de Luis Enrique foi ordenada em maio, quase um ano após ele e seu irmão, Ricardo Alberto Martinelli, serem presos quando pretendiam embarcar para o Panamá. No momento da detenção, os dois estavam desaparecidos havia um ano. A procuradoria do estado de Nova York entende que os filhos do ex-presidente seriam parte de um esquema financeiro no âmbito dos escândalos ligados à brasileira Odebrecht, ocorridos durante o mandato de Martinelli. Via EFE.
PARAGUAI 🇵🇾
Há um ano nesta quinta-feira (9), o ex-vice-presidente Óscar Denis (2012-2013) era sequestrado por guerrilheiros do Exército do Povo Paraguaio (EPP), pouco depois de uma catastrófica intervenção de forças do governo que acabou causando a morte de duas meninas em uma área de ação do grupo armado (leia o início da história no GIRO #47). O que à época parecia apenas uma aparatosa represália para cobrar resgate se converteu em uma longa novela sem respostas: apesar de garantirem ter cumprido as exigências dos sequestradores, as filhas de Denis dizem jamais ter recebido qualquer prova de que o pai seguia vivo, e reclamam do abandono do governo paraguaio nas buscas. Com 74 anos no momento do rapto, saúde debilitada e um contexto de pandemia que sairia do controle no Paraguai nos meses seguintes, há pouca esperança de que o político seja reencontrado com vida. Nesta semana, foram relançadas campanhas que oferecem recompensa de 1 bilhão de guaranis (R$ 750 mil) por informações que levem ao paradeiro não só de Denis, mas também de Edelio Morínigo, sequestrado em 2014, e Félix Urbieta, nas mãos do EPP desde 2017. Em La Nación.
PERU 🇵🇪
Deu em nada o pedido dos deputados governistas para abrir uma moção de censura contra a presidenta do Congresso, María del Carmen Alva. Foram apenas 33 votos a favor da requisição, que exigia ao menos 62 para que o Plenário discutisse a questão, capaz de provocar o afastamento da líder da Casa. A demanda dos representantes do Perú Libre, partido do presidente Pedro Castillo, veio como resposta a declarações de Alva em uma entrevista concedida na semana passada: questionada sobre uma possível “vacância presidencial” (procedimento similar ao impeachment e muito utilizado nos últimos anos no Peru) para remover Castillo do cargo, a líder do Congresso disse que não havia qualquer pedido dos legisladores nesse sentido, mas que “as ruas pedem isso”. Os governistas consideraram a declaração “repudiável e antidemocrática”, mas não conseguiram angariar apoios para sua causa. Após eleições extremamente polarizadas, a discórdia segue nessas semanas iniciais do governo Castillo, que sequer completou 50 dias no cargo mas já viu se acumularem renúncias em seu gabinete e dificuldades de diálogo com a oposição. Na RPP.
Dale un vistazo:
📚 Incitação ao Nixonicídio e Louvor da Revolução Chilena – publicado no início de 1973, o último livro de Pablo Neruda costuma ser visto como uma de suas obras menores. Pudera: assumidamente panfletário, está cheio de referências políticas ligadas ao governo de Salvador Allende – do qual o poeta comunista foi embaixador – e às pressões e sabotagens contra ele lideradas pelos EUA de Richard Nixon (daí o Nixonicídio do título: “só os poetas são capazes de colocá-lo contra a parede e perfurá-lo inteiro com os mais mortíferos tercetos”, explica Neruda no prólogo). Mas, se não agradou a crítica, a obra é um retrato de seu tempo, o detalhe final de um Chile que acreditou na “revolução pacífica” e ainda tentava se sustentar, já sabendo que vivia uma crise com aparência de definitiva, mas sem ideia de quanto tempo o experimento ainda duraria. E o próprio Neruda, que admitia que aqueles eram versos “deliberadamente escritos para serem lidos a grandes multidões”, acreditava que talvez fosse sua obra mais capaz de ter um “efeito direto” na sociedade. Já era, porém, tarde demais: o golpe tão temido veio em 11 de setembro, e o próprio poeta morreria apenas doze dias depois.
Incitación al Nixonicidio y Alabanza de la Revolución Chilena foi lançado originalmente em 1973 e tem edições brasileiras dos anos 1980, que podem ser encontradas em sebos.
PORTO RICO 🇵🇷
A Suprema Corte da ilha decidiu, na quinta (9), que os júris agora precisam ser unânimes ao declarar um acusado inocente. O posicionamento vem como complemento a uma decisão da Suprema Corte dos EUA (que afeta Porto Rico por este ser um estado livre associado) que, em 2020, havia concluído o mesmo, mas no sentido oposto: para declarar um acusado culpado, ele necessariamente deve ter um veredito de todos do júri. O debate desta semana girou em torno da obrigação (ou não) de aplicar a mesma exigência para os dois tipos de decisão. Até aqui, bastava uma maioria qualificada de nove dos doze jurados decidindo para um dos lados. A exigência de unanimidade existiu em Porto Rico até 1948, quando acabou derrubada por razões políticas – à época, o governo local vinha perseguindo grupos que lutavam pela independência da ilha e buscou a reforma para facilitar a condenação dos “subversivos”. Via AP.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Com a campanha de vacinação mais avançada entre os latinos da América Central e do Caribe, a República Dominicana ostenta 52% da população totalmente vacinada e é um dos países da região que já aplica uma terceira dose de reforço. Agora, o governo em Santo Domingo se solidariza com os menos afortunados da vizinhança: o chanceler dominicano, Roberto Álvarez, anunciou que seu país vai distribuir 505 mil doses entre Honduras, Guatemala e Haiti – que têm, respectivamente, 17%, 9% e 0,1% da população imunizada até o momento. Na CNN.
URUGUAI 🇺🇾
Após três meses de números em queda livre, o Uruguai voltou à condição de “país exemplar” na pandemia, que havia ostentado ao longo de 2020 e perdido durante a aceleração de casos e mortes no início deste ano. Além de abrir a própria fronteira para estrangeiros no início deste mês, o Uruguai agora voltará à lista de países cujos cidadãos não precisarão mais seguir restrições sanitárias especiais ao entrar na União Europeia. O paisito, um dos que já aplica terceira dose, tem mais de 72% da população com o esquema vacinal original concluído, e passou de uma média de mais de 400 mortes semanais em seu pior momento para apenas três óbitos na última semana, o menor patamar desde novembro. Em El Observador.
VENEZUELA 🇻🇪
A Venezuela foi o país que mais perdeu população no mundo nos últimos anos, segundo um relatório divulgado pela ONU em agosto: com 28,5 milhões de habitantes, o país permaneceu estagnado no mesmo patamar de uma década atrás, com 4 milhões de pessoas a menos que o esperado se o crescimento populacional seguisse o caminho normal. A emigração em massa, que já conta mais de 6 milhões de venezuelanos vivendo em outros lugares para escapar da crise interminável, e o aumento da desnutrição, da mortalidade infantil e das mortes violentas em um contexto de estagflação que não cessa, são algumas das causas apontadas para o colapso demográfico. Com um elemento a mais: há tanta gente jovem saindo que a proporção de idosos do país aumentou mais do que o normal, muitos deles sem família que os sustente. No Latinoamérica 21.
A segunda rodada de diálogos entre o governo e a oposição, no México, aconteceu no último fim de semana e produziu novos pontos de acordo: os dois lados concordaram na necessidade de estabelecer novas medidas sociais, em especial para amparar aqueles afetados pela covid-19, e quanto ao direito da Venezuela em demandar a soberania sobre o território de Essequibo – uma área contestada da fronteira, rica em petróleo, que hoje está nas mãos da Guiana (a chancelaria guianense se manifestou dizendo que o acordo é uma “ameaça” e que seu país “não pode ser usado como um altar de sacrifício para resolver as diferenças políticas internas” do vizinho). Os representantes de governo e oposição dizem que a próxima rodada de conversas, prevista para o final deste mês, deve abordar temas econômicos, incluindo um esboço de pedido de ajuda ao FMI. O diálogo, uma tentativa de reaproximação após o fracasso de iniciativas semelhantes em anos anteriores, é visto por Nicolás Maduro como uma forma de convencer a comunidade internacional a aliviar sanções – e já ajudou a oposição a rever seu posicionamento recente, de boicotar as eleições internas, anunciando que participará dos pleitos que ocorrem em novembro deste ano. Via Reuters.