República Dominicana fecha fronteira com Haiti
Medida vem após presidente dominicano anunciar suspensão de vistos para migrantes do país vizinho. Bloqueio também afeta comércio bilateral e tem relação com desvio de rio por agricultores haitianos.
Desde o início da manhã de sexta-feira (15), todas as fronteiras entre República Dominicana e Haiti estão fechadas, inclusive para comércio bilateral por terra, água e ar. A decisão drástica de fechar as passagens veio quatro dias após, no início da semana, o presidente dominicano Luis Abinader anunciar que suspenderia a emissão de vistos para os cidadãos do país vizinho, indicando já na ocasião que se tratava apenas do primeiro passo de uma série de novas retaliações em função de uma prolongada disputa pelo uso de um rio compartilhado na divisa norte da ilha de Hispaniola. Segundo o governo dominicano, a interrupção da circulação fronteiriça seguirá “enquanto for necessário”, isto é, até que a disputa tenha uma resolução – um sinal do fracasso das conversas levadas a cabo durante a semana entre representantes dos dois governos para tentar solucionar o impasse sem bloquear a ligação entre os únicos países que dividem o território insular.
A razão do imbróglio já dura dois anos. Em 2021, fazendeiros do Haiti iniciaram a construção de um canal para desviar as águas do Rio Massacre, também chamado Dajabón, que deve o curioso nome a uma matança ocorrida ali durante o período colonial, no século 18. As obras causaram indignação no lado dominicano, que entende ter direito igual sobre os recursos fluviais segundo um tratado firmado em 1929 e afirma que os trabalhos estão prejudicando a agricultura e o meio ambiente no seu lado da divisa, já que alterariam o volume habitual disponível. Porto Príncipe, por sua vez, diz que o mesmo acordo dá aos haitianos “pleno direito” de explorar a água como bem entenderem enquanto nação soberana.
O “Tratado de Paz, Amizade Perpétua e Arbitragem” de 94 anos atrás realmente concede aos países o direito de dispor da água para uso agrícola e industrial “de maneira justa e equitativa”, mas impede a realização de obras capazes de alterar as correntes dos rios compartilhados. O Haiti, hoje, agarra-se a uma declaração conjunta das duas chancelarias assinada em 28 de maio de 2021, quando a disputa começou. No documento, os dominicanos reconheceram que as obras em andamento não contrariavam o acordo ao “não constituir um desvio do leito do rio”. Santo Domingo, por sua vez, argumenta que a situação mudou desde então, e a alteração no Massacre já seria significativa o bastante para se enquadrar como uma violação dos termos.
A suspensão da concessão de vistos e o subsequente fechamento da fronteira também têm sido encarados como um novo pretexto de Santo Domingo para conter a imigração irregular haitiana, que segue em níveis elevados em função das sucessivas crises vividas pelo país na última década. Se o objetivo era este, em um primeiro momento Abinader foi bem-sucedido: na véspera do fechamento da fronteira, estimava-se que até 300 migrantes estavam retornando diariamente para o Haiti nos dias prévios, temendo deportações compulsórias ou ficar sem contato com familiares no país natal.
Nem todos os dominicanos estão de acordo com a medida que muitos veem como exagerada. O ex-presidente Leonel Fernández (1996-2000 e 2004-2012), por exemplo, disse que as ações – que envolvem até o uso de militares – equivalem a um chamado à guerra. “É preciso ver se não estamos fazendo algo desproporcional ao que se quer obter e, em todo caso, há mecanismos diplomáticos para abordar a questão antes de fazer uso da força bruta”, argumentou.
Não está claro por quanto tempo Abinader será capaz de sustentar a política imposta no final desta semana. Apesar do incômodo com a crise vizinha, a República Dominicana ainda tem no Haiti seu terceiro maior parceiro comercial, com US$ 11 bilhões em exportações só no ano passado – também se estima que o comércio informal em áreas de fronteira, agora fechadas, movimente em torno de US$ 400 milhões em um ano normal. A tendência é que o assunto não tenha desfecho simples: mesmo se houver vontade do governo do premiê haitiano Ariel Henry em interromper as obras, ele conta com escasso poder e legitimidade dentro do próprio país e vê seus apelos rotineiramente ignorados pela população – especialmente em áreas distantes da capital Porto Príncipe, como é o caso dos arrabaldes do Massacre.
Enquanto Abinader manda as Forças Armadas para vigiar a divisa e diz que a obra é ação de “um grupo de anárquico” que age diante da “falta de ação do governo central”, os agricultores que estão desviando o rio não titubeiam. “Nossa posição é clara: o canal ou a morte”, garantiu a uma rádio local Jean Brévil Weston, que coordena o movimento campesino na região. “Estamos prontos para ser enterrados no canal”.
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🇲🇽👽 Imagens de múmias de supostos alienígenas viralizam em assembleia no México; entenda – O que era para ser uma audiência pública sobre a regulamentação de Fenômenos Aéreos Não Identificados (FANI, nova denominação dada a episódios que antes eram chamados de OVNIs) na terça (12), realizada na sede do Legislativo mexicano, virou um festival de coisas estranhas, memes instantâneos e, claro, dúvidas sobre se o ser humano realmente vaga sozinho pelo Universo. Durante a sessão na Câmara, o jornalista e ufólogo Jaime Maussan, além de propor mudanças na legislação de proteção do espaço aéreo mexicano, apresentou amostras e radiografias do que, segundo ele, seriam os “corpos mumificados de alienígenas de mais de mil anos de idade”. Segundo Maussan, os exemplares humanoides de cerca de 60 centímetros teriam sido encontrados no Peru e consistiriam numa prova substancial de que não estaríamos sozinhos. Para fundamentar sua inusitada tese, o ufólogo até citou o apoio de especialistas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), um dos mais renomados centros de ensino do país. No dia seguinte, porém, o Instituto de Física da UNAM comentou que o tal estudo de medição de carbono mencionado por Maussan, realizado em 2017, buscou “apenas determinar a idade de cada amostra” e que “em nenhum caso tiramos conclusões sobre a origem das referidas amostras”. Já o Instituto de Astronomia da mesma universidade havia soltado, na véspera da sessão da Câmara, uma nota pedindo seriedade no trato do tema: “até a data não há nenhum relato observacional ou experimental que ofereça evidências de vida fora da Terra ou de visitas de civilizações desses mundos”. Outros cientistas também acusam o ufólogo de expor um trabalho fraudulento – Maussan é uma figura conhecida em difundir histórias midiáticas sem comprovação e afirma já ter até mesmo ouvido a voz da Virgem de Guadalupe. Seja como for, as imagens dos supostos ETs “mexicanos” (na verdade, peruanos) ganharam o mundo rapidamente, motivando a criação de um número interplanetário de memes e piadas na internet. No The Brazilian Report.
🌎Quase 90% das mortes de ambientalistas em 2022 ocorreram na América Latina, diz relatório – Gustavo Antonio Torres, Cynthia de la Cruz, Alba Bermeo Puin. Esses são alguns dos nomes de ativistas ambientais assassinados em 2022, segundo um novo relatório da Global Witness divulgado na quarta-feira (13). No total, 177 pessoas que atuam na defesa do meio ambiente foram assassinadas no mundo em 2022 – e 88% dessas mortes foram registradas na América Latina, o lugar mais letal do planeta para ambientalistas e defensores da terra. Outros números dimensionam a crise continental: dos 18 países contemplados pelo extenso relatório, 11 têm espaço neste GIRO. O estudo também revela uma triste tendência relacionada a ativistas socioambientais em regiões amazônicas: mais de uma em cada cinco mortes são registradas em territórios englobados pela floresta, que compreende nove nações na América do Sul; no mundo todo, indígenas representam cerca de 36% das vítimas. Destaque e líder do ranking infame, a Colômbia registrou 60 mortes no último ano, quase o dobro do que se viu em 2021. O país é seguido por Brasil (34), México (31) e Honduras (14). Na Global Witness.
🇨🇺 Cuba prende 17 por suposta participação em rede que traficava cubanos para lutar pela Rússia na guerra; Moscou segue em silêncio – A rede de tráfico humano ‘desbaratada’ pelo governo cubano na última semana teve desdobramentos: na última sexta-feira (8), ao menos 17 pessoas foram presas por suspeitas de participar do suposto esquema que recrutaria jovens para integrar as fileiras da Rússia na guerra contra a Ucrânia. Segundo informações da mídia local, a tal rede procurava, em sua maioria, pessoas em situação vulnerável, como homens com antecedentes criminais ou vindos de famílias desestruturadas – muitos teriam chegado à Rússia sem saber que pegariam em armas. Autoridades cubanas dizem que pelo menos três pessoas (ainda não identificadas) operariam o esquema de dentro da própria ilha e que outras 14 agiriam de forma “independente”. Quando a trama foi revelada, a chancelaria em Havana se posicionou de forma enfática contra crimes de “mercenarismo”, tipo penal grave que pode até ser punido com pena de morte, segundo o Código Penal de Cuba – a última sentença dessa natureza, porém, foi proferida em 2003. Aliados de Moscou e vivendo um momento de franca aproximação com a nação euroasiática, os cubanos trazem o escândalo à tona de forma a dificultar qualquer análise, já que ainda não é possível determinar o impacto político dos últimos eventos. O silêncio russo sobre o caso, mantido até o fechamento desta edição, também levanta dúvidas, sobretudo após uma reportagem do The Intercept revelar que os próprios militares sob Vladimir Putin poderiam estar por trás do recrutamento de mão de obra para o conflito armado. Por último, vale lembrar que a ida de cubanos à Rússia (em supostamente em troca de quantias mensais e até ganho de cidadania) já havia sido noticiada meses antes por ONGs e pela própria imprensa russa – sem a conotação negativa de ser uma suposta “rede de tráfico” de pessoas. No apagar das luzes, um morde e assopra do lado cubano só reforçou as incertezas sobre a trama toda: o embaixador em Moscou, Julio Antonio Garmendia, disse que Havana não vê problemas no ingresso legal de seus cidadãos no Exército russo e que o problema se concentra apenas nos trâmites que acontecem na ilegalidade – só que, na sequência, o chanceler Bruno Rodríguez contrariou as palavras de seu próprio diplomata e reforçou nas redes sociais que “a posição inequívoca e invariável do governo cubano é contrária à participação de cidadãos cubanos em qualquer conflito”. Via Cubadebate e El País.
🇬🇹 Guatemala: presidente eleito suspende transição e pede renúncia de artífices da crise eleitoral – Achou que não teria mais Guatemala nos destaques? Achou errado, leitor. A crise não para no país centro-americano e, durante a semana, ganhou novo capítulo: na terça-feira (12), o presidente eleito Bernardo Arévalo anunciou em coletiva a suspensão do processo de transição, medida esta que já estava em andamento desde a última semana após encontros entre o futuro mandatário e o presidente sainte Alejandro Giammattei. Arévalo, porém, tem uma condição para retomar a troca de turno no Executivo: a renúncia da procuradora-geral Consuelo Porras, do procurador Rafael Curruchiche e do juiz Fredy Orellana, todos classificados pelo político eleito de “conspiradores golpistas”. Cada um à sua maneira, todos têm parte na longa crise política, judicial e eleitoral que ofuscou as eleições em 2023: se Porras é apontada como a mentora de perseguições judiciais mais antigas (entenda), Curruchiche e Orellana ganharam destaque em tempos mais recentes – o primeiro lidera a FECI, um ‘braço’ do MP que segue implacável contra o sistema eleitoral, cumprindo ordens (determinadas justamente por Orellana) consideradas arbitrárias contra o Semilla, partido de Arévalo. Durante a semana, Curruchiche voltou a entrar em desavença com o TSE após funcionários da FECI decidirem abrir e inspecionar pelo menos 70 caixas de votação – de um total de 160 que teriam sido solicitadas para averiguação – contendo sufrágios do primeiro turno, sob justificativa, mais uma vez, de “investigar supostas irregularidades” eleitorais. Rejeitando a ofensiva “grotesca” e que “põe em risco todo o processo eleitoral”, o mesmo TSE resolveu levar o caso à Corte Constitucional, alegando que a medida viola direitos. Mais perto do final da semana, Arévalo recebeu observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos (OEA), com quem tratou dos “recentes eventos que colocam em risco a democracia”. Se nada der errado, o político toma posse em 14 de janeiro de 2024.
🇵🇦 Panamá mira deportações ante colapso migratório em Darién; países afetados pela crise devem se reunir em breve – “Vamos aumentar as deportações para que o impacto necessário seja sentido”, disse, na última sexta-feira (8), a diretora da Autoridade Nacional de Imigração do Panamá, Samira Gozaine. A declaração é nova, mas o problema, não: a decisão comunicada pela autoridade vem no contexto de uma situação de completo colapso migratório em função das crescentes travessias pelo estreito de Darién, um inóspito corredor de selva conhecido por conectar as porções sul e central do continente americano, ligando a Colômbia ao Panamá. Segundo dados oficiais, só até setembro deste ano, mais de 350 mil pessoas de todas as partes da região cruzaram o caminho de mata fechada, superando em 100 mil o total registrado no ano passado. Nesse meio tempo, o governo panamenho acusa a Colômbia, cujo território também compreende uma parte do estreito, de “não colaborar” para resolver o assunto – ao lado dos EUA, os dois países vizinhos definiram em abril um plano para resolver o assunto Darién, mas pouca coisa mudou desde então. Diante desses impasses e de números migratórios cada vez mais descontrolados, os governos dos três países devem se encontrar na cidade colombiana de Cartagena em breve, conforme anunciou no início da semana o chanceler Álvaro Leyva, da Colômbia. As datas do encontro serão confirmadas nos próximos dias. Em El Tiempo.
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MAIS NOTÍCIAS
ARGENTINA 🇦🇷
Episódio sombrio: autoridades anunciaram na quarta (13) o fechamento de uma livraria na capital que vendia, entre outras coisas, livros de conteúdo nazista e antissemita. A operação foi fruto de anos de investigação por parte de grupos ligados à comunidade judaica e prendeu pelo menos uma pessoa durante a semana. “Não me lembro de nada parecido ter sido encontrado antes”, disse um representante da Delegação das Associações Israelitas Argentinas, que participou do processo. De acordo com a legislação argentina, a exibição e apologia de elementos nazistas é crime. E precisa ser por todos os motivos: após a Segunda Guerra Mundial, o país platino, que também tem a maior população judaica da América Latina, tornou-se destino de muitos próceres do nazismo – até hoje, há quem acredite que o próprio Adolf Hitler tenha terminado a vida escondido no país, uma teoria conspiratória com muitos adeptos. Via AP.
BOLÍVIA 🇧🇴
Esquentou: alguns dias após a Federação Boliviana de Futebol (FBF) cancelar os dois principais campeonatos de futebol em função de denúncias de corrupção, manipulação de resultados e pagamentos de propina (relembre o caso), o Ministério Público admitiu na sexta-feira passada (8) a denúncia apresentada pela entidade futebolística contra uma série de dirigentes, árbitros e jogadores supostamente envolvidos na trama. De acordo com o procurador de La Paz, William Alave, trata-se de um caso com “múltiplas vítimas” e que deve render uma “investigação enorme”. Mesmo que os nomes da maioria dos acusados não tenham sido revelados ainda, áudios vazados de conversas entre árbitros e cartolas já começam a dar um rosto aos investigados. Enquanto isso, mais do que um problema para os clubes do altiplano, a anulação de tudo que foi disputado por lá em 2023 gera dúvida sobre a definição de posições dos times bolivianos em competições internacionais do próximo ano, como a Copa Libertadores e a Sul-Americana (a Bolívia tem direito a quatro vagas em cada uma). Durante a semana, a direção da FBF se reuniu com autoridades da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) no Paraguai em mais de uma ocasião, mas, até o fechamento desta edição, nenhuma decisão sobre o tema havia sido oficializada. Em El Deber.
CHILE 🇨🇱
Com o país chegando fraturado à efeméride (leia mais), o Chile recordou, na segunda (11), os 50 anos do golpe de Estado que, em 1973, pôs fim ao governo de Salvador Allende e deu início à ditadura de Augusto Pinochet, que perduraria até 1990. Com atos simbólicos dentro e fora do país, o cinquentenário do golpe viu a Espanha retirar só agora uma condecoração que o regime franquista havia concedido a Pinochet em 1975, um novo olhar sobre o papel da imprensa brasileira em ajudar a nascente ditadura chilena a limpar sua própria imagem naquela época, e a estreia de um filme satírico de Pablo Larraín na Netflix sobre o general – em O Conde, que ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cinema de Veneza, Pinochet é um vampiro de 250 anos que deseja morrer. No aniversário do golpe, um dos editores deste GIRO concedeu entrevista ao Estúdio CBN comentando sobre a efeméride e o contexto chileno atual.
COLÔMBIA 🇨🇴
Tristeza no mundo artístico: morreu na sexta (15), em Mônaco, aos 91 anos, o renomado pintor e escultor colombiano Fernando Botero, mundialmente conhecido, entre outras coisas, por sua sutil arte de criar e reinterpretar figuras em corpos rechonchudos – você já deve ter visto, por exemplo, a releitura que o pintor fez para retratar a Mona Lisa de Leonardo Da Vinci. Segundo a família de Botero, ele morreu em casa, vítima de um quadro de pneumonia “que se agravou nos últimos dias”. A morte foi lamentada pelo presidente Gustavo Petro, que descreveu seu compatriota como “o pintor das nossas tradições e defeitos, das nossas virtudes, da nossa violência e paz”. Nascido em Medellín numa família humilde, Botero começou a carreira como ilustrador na imprensa colombiana na década de 1940, atingindo fama internacional alguns anos mais tarde. Apesar de ter trabalho reconhecido em galerias do mundo inteiro, seu trabalho pode ser visto e apreciado no Museu de Antioquia, localizado na cidade natal do artista, e no Museu Botero, em Bogotá. Via Cambio.
Novo recorde: liderando o ranking mundial de produção de cocaína, a Colômbia aumentou as cifras de área cultivada da folha de coca, segundo um novo relatório publicado na segunda-feira (11) pelo Escritório da ONU sobre Drogas e Crimes (Unodc). Importante lembrar: a planta é matéria-prima da droga, mas tem várias outras finalidades religiosas, terapêuticas, cosméticas e alimentícias entre as culturas andinas. O estudo mostra que, em comparação com 2021, o número de hectares de coca cresceu 13% no último ano, batendo uma marca inédita de 230 mil hectares de área cultivada, tamanho comparável ao de grandes metrópoles. A alta na produção de cocaína veio a reboque: no ano passado, o total produzido (em toneladas) subiu 24%, principalmente por um pico na região de Putumayo, que faz divisa com o Equador (um país vizinho que, em anos recentes, se somou à lista de locais dominados pelo narcotráfico). Autoridades do Unodc descrevem o cenário como “preocupante”. Apesar do estigma inevitável, a ‘questão da coca’ esbarra em um problema sócio-cultural: mais cedo este ano, Colômbia e Bolívia foram à ONU pedir que a folha de coca fosse retirada da lista de substâncias proibidas por seu papel ancestral. Na CNN.
Una palabra:
Taikonauta – Nem astronauta, nem cosmonauta. O mais provável é que o primeiro venezuelano no espaço seja um taikonauta – do chinês tàikōng (espaço) e do grego nautes (navegante). Essa é a denominação ocidental para tripulantes de viagens espaciais chinesas, assim como os outros dois termos servem para estadunidenses e russos, respectivamente. A palavra realmente usada pelos chineses, porém, é 宇航员 (yǔháng yuán ou “navegante dos céus”). No encontro recente de Nicolás Maduro e Xi Jinping, Venezuela e China assinaram um acordo de cooperação em matéria aeroespacial que inclui a formação de novos tripulantes no espaço. Por sinal, em nosso podcast já contamos as histórias de alguns latino-americanos que participaram de viagens espaciais – teve até cubano pioneiro viajando com os russos e mexicano forçando a Nasa a incluir tortillas no cardápio em gravidade zero.
COSTA RICA 🇨🇷
Choque no esporte costa-riquenho: na terça (12), morreu aos 49 anos o assistente técnico da seleção masculina de futebol Erick Rodríguez, em meio à viagem da equipe pela Europa, onde fazia duelos amistosos. Pior: o time foi informado da tragédia no intervalo de um jogo que disputava contra os Emirados Árabes Unidos, e que os centro-americanos acabariam perdendo por 4 a 1. Rodríguez sentiu-se mal em uma das escalas da viagem, nos Países Baixos, e estava internado em Amsterdã desde o final de semana, após a partida anterior do time. A causa exata da morte não foi divulgada pela Federação Costa-Riquenha de Futebol, que se referiu à sequência de eventos como um “problema de saúde”. Em El Tiempo.
EL SALVADOR 🇸🇻
Com direito – é claro – a tuítes em árabe, o presidente Nayib Bukele fez alarde nas redes sociais durante a semana, após se encontrar, na quarta (13), com o emir do Catar, Tamim bin Hamad al-Thani. Na reunião realizada na capital salvadorenha, que aconteceu quatro anos após Bukele visitar Doha, os dois líderes assinaram acordos bilaterais nas áreas de agricultura, tecnologia e saúde, entre outros. Os dois mandatários também trocaram afagos, com direitos a elogios do lado catari ao infame plano de segurança que colocou El Salvador nos holofotes do mundo inteiro a partir do ano passado: “quero agradecer e felicitar tudo o que [Bukele] tem feito em seu país, especialmente no tema da segurança”, disse o monarca. Via AFP.
EQUADOR 🇪🇨
Poucos países na América Latina têm um jogo político tão sensível às questões originárias, sobretudo as que são discutidas pela fortíssima Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), sempre capaz de convocar protestos e abalar governos. Ciente disso, a presidenciável Luisa González, que disputa a presidência no segundo turno em 15/10, já acena às principais lideranças dos movimentos indígenas equatorianos, de olho em um apoio que pode ser crucial para a votação que se aproxima – segundo pesquisas recentes, a candidata correísta está em desvantagem contra o jovem empresário Daniel Noboa, considerado a grande surpresa das eleições. Para tanto, González diz que figuras de seu partido, o Revolução Cidadã (RC), já estão fazendo um movimento de aproximação, sobretudo com Leonidas Iza, presidente da Conaie e considerado figura-chave nesse universo. Caso vença, a candidata e pupila do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) também promete respeitar a decisão do eleitor refletida no referendo nacional sobre a exploração petrolífera no Parque de Yasuní, tema caro aos movimentos indígenas e que virou imbróglio sob o governo atual (entenda a questão). Ao contrário do que foi definido na votação e do que González promete fazer caso vença, a RC já foi favorável à exploração petrolífera em Yasuní. Mesmo sem posição oficial da Conaie, que vem reiterando a intenção de não apoiar nenhum dos candidatos, Noboa já acusou os indígenas de se colocarem ao lado de Luisa González. Leonidas Iza, por sua vez, reagiu: “[Noboa] não entende o país e não entende os povos indígenas” e “está tremendamente equivocado em nos situar como atores dentro do correísmo, quando lutamos contra políticas que [Rafael Correa] efetuou”. No Primicias.
HONDURAS 🇭🇳
As disputas políticas que têm marcado as últimas semanas em Honduras respingaram até nos festejos da independência do país: na sexta (15), grupos vinculados ao partido governista Liberdade e Refundação (Libre) foram recebidos sob vaias e garrafadas ao entrar no Estádio Nacional Chelato Uclés, na capital Tegucigalpa, em meio ao desfile cívico. Em vídeos que circularam nas redes sociais, é possível ver alguns integrantes do Libre revidando e atirando garrafas de volta às arquibancadas. O primeiro-cavalheiro (e ex-presidente) Manuel Zelaya também foi saudado por vaias quando ingressou no estádio em um jipe, para se encontrar com a presidenta (e esposa) Xiomara Castro. Sem o mesmo tipo de reação acalorada, outros países centro-americanos – Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Nicarágua – também celebraram um novo aniversário de sua independência conjunta nesta sexta. Em El Heraldo.
MÉXICO 🇲🇽
Llorando se fue? O choro já tem – resta ver, agora, se o ex-chanceler Marcelo Ebrard, derrotado nas ‘primárias’ do governista Morena, vai realmente deixar o partido. Tudo caminha para isso: na segunda (11), em nova demonstração de um espírito nada esportivo, o antigo chefe da diplomacia mexicana voltou a pedir a anulação do processo que definiu a ex-prefeita da capital, Claudia Sheinbaum, como a presidenciável governista nas eleições gerais de junho de 2024 (entenda o que está em jogo e qual será a principal adversária de Sheinbaum). Com direito a apresentação de um pedido formal ante o comitê de ética morenista, Ebrard disse que “não teria mais interesse” em seguir como correligionário se as “circunstâncias [a nomeação de sua adversária] continuarem iguais”. É certo que nenhuma mudança vai rolar – mas, de toda forma, não tem mais clima: prometendo uma resposta jurídica às acusações do ex-chanceler, Sheinbaum rejeitou uma tentativa “sem fundamento” de impugnação. As rusgas entre os dois também pulverizam as chances de Ebrard ser indicado a algum ministério-chave caso a ex-prefeita seja eleita no próximo ano. Irredutível, o derrotado nas primárias até não descarta se lançar como presidenciável por um partido independente, mesmo sem muitas chances de fazer frente ao favoritismo do Morena nas eleições vindouras. Na DW.
Dale un vistazo:
No – O publicitário chileno René Saavedra (interpretado pelo mexicano Gael García Bernal) é chamado para trabalhar em uma perigosa campanha na TV: impulsionar o voto pelo “não” no referendo de 1988 convocado pelo ditador Augusto Pinochet sobre sua permanência no poder. Para reforçar o argumento da peça publicitária pró-democracia, Saavedra sugere incorporar cenas alegres, engraçadas e emotivas que toquem diretamente o coração dos chilenos – ideia inicialmente rejeitada pelos setores mais combativos da resistência anti-Pinochet, mas que aos poucos ganha tração. O título está disponível na Netflix. Confira o trailer aqui.
🎞️ ‘No’ (Chile, 2013). 117 min. Dir.: Pablo Larraín.
NICARÁGUA 🇳🇮
Foi-se o tempo em que, para não ter a carteirinha de esquerda cassada na América Latina, governos progressistas, social-democratas ou socialistas ficavam cheios de dedos para criticar abusos que aconteciam em países como a Nicarágua de Daniel Ortega. Em tempos recentes, não mais: nos últimos dias, no marco dos 50 anos do golpe de Estado no Chile completados na segunda (11), o governo Ortega foi comparado à ditadura do general Augusto Pinochet, que governou o país andino até 1990. Quem fez o paralelo foi o presidente colombiano Gustavo Petro: “no Chile, visito as casas de poetas chilenos assassinados e cujas casas foram invadidas pela ditadura [Pinochet]; Ortega faz o mesmo”. A frase foi ditada após Manágua confiscar a casa da escritora Gioconda Belli, uma notória crítica exilada do regime que, no início do ano, já havia perdido sua nacionalidade ao lado de uma dezena de pessoas consideradas, de forma arbitrária, “traidoras da pátria” pelo governo orteguista. Em resposta à fala de Petro, Ortega disse que seu homólogo “traiu as bases guerrilheiras” tornando-se um “defensor do imperialismo ianque”. Em El Espectador.
PARAGUAI 🇵🇾
Por enquanto, a cobrança continua. É o que decidiu a Argentina na segunda-feira (11), após uma nova reunião com representantes do governo paraguaio para discutir o fim do pedágio cobrado desde o início do ano por quem deseja circular pela hidrovia dos rios Paraguai e Paraná – que necessariamente passa por águas argentinas quando se deseja sair rumo ao oceano, e por onde escoa grande parte da produção agrícola do Cone Sul. A briga já dura meses e, embora Assunção venha sendo o local das maiores reclamações, os demais países afetados pelo pedágio – Bolívia, Brasil e Uruguai – vêm pressionando os argentinos a suspender a cobrança que consideram abusiva. Segundo os argentinos, os valores arrecadados seriam necessários para manter a navegabilidade dos cerca de 3,4 mil quilômetros de caminhos aquáticos que desembocam em Buenos Aires. Os governos dos demais vizinhos, no entanto, alegam que a Argentina não conseguiu comprovar que realmente está usando o dinheiro para manutenção da hidrovia, o que seria uma violação dos tratados internacionais que regem a cobrança na zona, e o Paraguai não descarta recorrer ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Via Reuters.
PERU 🇵🇪
Quer manter o home office: a deputada conservadora Digna Calle, que chegou a passar sete meses em licença do Congresso vivendo nos Estados Unidos, até voltou ao Peru, mas garante que não pretende retornar às sessões parlamentares presenciais – e, agora, pode ser alvo de processos do Ministério Público e até remoção do cargo pelos próprios colegas. Segundo a deputada do Podemos Perú, o motivo para seguir trabalhando apenas de forma virtual seria sua indignação com o estado da política no país. “Não vou ao Congresso da República porque não posso sentar com essa maioria que está de costas ao povo peruano”, afirmou, citando denúncias de corrupção. Calle, que vem causando polêmica por “abandono do cargo”, defende-se alegando que nunca deixou de trabalhar e, ao contrário, faz isso sem pesar aos cofres públicos. A deputada, que chegou a ser a segunda vice-presidenta do Congresso entre julho de 2022 e fevereiro deste ano, realmente continua apresentando projetos mesmo sem comparecer à Casa e teria renunciado ao salário de congressista no longo período em que ficou fora do país. Na sexta (15), uma comissão legislativa votou pela admissibilidade do processo que pode botar Digna Calle na rua sem dignidade – em uma sessão na qual 17 dos 22 membros compareceram… de forma virtual, uma ironia que não passou despercebida pela própria deputada. Na RPP.
PORTO RICO 🇵🇷
A LUMA Energy, odiada concessionária de energia apontada pelos porto-riquenhos como a grande responsável pela piora do serviço desde a privatização, detalhou durante a semana um plano de 12 meses para – supostamente – corrigir alguns dos problemas que mais causam reclamações entre usuários. Segundo a empresa, um dos focos será a poda de vegetação próxima a mais de 25 mil quilômetros de fiação, o que por si só garantiria uma redução de até 45% nos cortes de fornecimento atualmente registrados. Em um prazo mais longo, a LUMA promete modernizar 50 subestações nos próximos dois anos e consertar ou substituir mais de 100 mil postes de luz em até cinco anos, além de outras medidas de atualização do sistema para torná-lo mais confiável e resiliente a desastres climáticos. “Essas iniciativas representam bilhões de dólares em investimento no sistema elétrico de Porto Rico”, propagandeou Juan Saca, que se tornou CEO da companhia em julho, diante do ceticismo da população. No NimB.
URUGUAI 🇺🇾
Unindo o útil ao agradável, o presidente Luis Lacalle Pou esteve na França durante a semana para fazer uma apresentação do paisito a um grupo de empresários daquelas bandas, reunir-se com seu homólogo Emmanuel Macron e… assistir à estreia da Seleção Uruguaia de Rugby Union na Copa do Mundo da modalidade. Na quinta (14), os dois mandatários estiveram juntos no estádio Pierre-Mauroy, em Lille, vendo os anfitriões suarem para superar a aguerrida equipe de Los Teros (“os quero-queros”, como são apelidados os rugbiers uruguaios) por 27 a 12 – resultado mais apertado do que o imaginado antes da partida. Os uruguaios, que nunca superaram a fase de grupos da competição, ainda terão uma sequência duríssima de confrontos nas próximas semanas, enfrentando, em ordem, Itália, Namíbia e Nova Zelândia. Por enquanto, a história dos latino-americanos no atual Mundial tem se repetido: muita raça e pouco resultado, com a Argentina tendo tomado 27 a 10 da Inglaterra no dia 9 e o Chile sofrendo uma derrota por 42 a 12 diante do Japão no dia 10. Argentinos e chilenos estão no mesmo grupo (que ainda conta com a equipe de Samoa), com duelo direto marcado para o próximo dia 30. Até hoje, a melhor participação de uma equipe das Américas na Copa do Mundo de rugby foi um terceiro lugar argentino, em 2007. A atual edição do torneio segue em disputa na França até 28/10. Na Teledoce.
VENEZUELA 🇻🇪
Mais que amigos, parceiros: na quarta (13) em Pequim, o presidente Nicolás Maduro anunciou a assinatura de uma série de acordos nas áreas de comércio e turismo, entre outros setores, tratativas resolvidas após uma reunião com seu homólogo chinês Xi Jinping. Ainda que as duas nações já tenham histórico de parceria, acredita-se que o mais recente encontro tenha elevado Caracas a um patamar de importância dada pela potência asiática a nações mais próximas geograficamente, como a Rússia e o Paquistão. Credora dos venezuelanos, a China tem ajudado o país caribenho em seu difícil processo de reestruturação econômica, ao passo que também tem todo interesse no fortalecimento político de seu aliado na América Latina. Com as bênçãos do governo Xi, Maduro também busca apoio para ingressar no bloco dos Brics – este, porém, um sonho mais distante, ainda mais com a recente inclusão de seis novos membros (entre eles, a Argentina) anunciada no final de agosto. Via RFI.
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