Rep. Dominicana ergue muro na fronteira com Haiti
Chile elege Assembleia Constituinte neste fim de semana | Cuba inicia vacinação em massa com imunizante próprio | Venezuela: Juan Guaidó agora defende “menos sanções”
Com muitas promessas prévias, mas sem alarde enquanto a obra realmente acontecia, a República Dominicana ergueu, nas últimas semanas, cerca de 23 km de muro na fronteira com o Haiti, com um objetivo declarado: “frear a imigração”. Os trabalhos foram levados a cabo pelas Forças Armadas dominicanas, e o obstáculo de 4 metros de altura, com sensores de movimento e encimado por arame farpado, vai tentar barrar a passagem em algumas das entradas com maior fluxo de imigração irregular, na província de Elías Piña, na região central, e no município de Jimaní, ao sul.
Cerca de meio milhão de haitianos residem no lado dominicano da divisa – que corta a ilha caribenha de Hispaniola de norte a sul – compondo de longe a maior comunidade imigrante em um país de pouco mais de 10 milhões de pessoas. Embora no início da pandemia o histórico movimento de migração rumo à República Dominicana tenha se invertido, com muitos haitianos voltando para o país de origem após ficarem sem assistência médica e sustento em meio às restrições causadas pela covid-19, a crescente crise social, econômica e política na porção ocidental da ilha vem preocupando o governo em Santo Domingo. A controversa proposta de um muro que ajudasse a controlar a entrada de imigrantes já havia sido sinalizada pelo presidente dominicano empossado em 2020, Luis Abinader, ainda em fevereiro (leia no GIRO #71). Os trabalhos, no entanto, não haviam sido iniciados até recentemente, mas podem ser vistos neste ensaio publicado por El País durante a semana.
Indissociáveis por compartilharem a mesma ilha, mas separados por uma história de colonização (saiba mais na seção Dale un vistazo), língua e relações internacionais muito distintas entre si, República Dominicana e Haiti vêm atingindo um dos pontos mais delicados em sua relação no século 21. Agora, revivem um clima de anti-haitianismo dos tempos da ditadura dominicana de Rafael Leónidas Trujillo (1930-1961) – com o muro, que cobre uma parcela ínfima dos 380 km de fronteira terrestre, sendo visto como um aprofundamento de uma xenofobia em ascensão do lado dominicano, e não uma medida efetiva para cumprir seus alegados objetivos.
O Haiti vive uma grave crise de poder, sem Parlamento funcional desde o início de 2020 e com o presidente Jovenel Moïse sendo acusado de tentar implementar uma ditadura ao concentrar decisões em si mesmo e usar isso para promover uma reforma constitucional, tudo enquanto o país mergulha em um agravamento da violência e permanece como o único latino-americano que sequer começou a vacinar contra a covid-19 (uma soma de várias crises que abordamos neste vídeo). Além da tensão causada pelo aparecimento da muralha fronteiriça, Porto Príncipe e Santo Domingo também vêm enfrentando uma crise diplomática pela tentativa haitiana de canalizar e desviar o rio Massacre, no norte do país, ameaçando deixar partes da fronteira dominicana sem água.
Para muitos líderes da divisa, o muro não passa de uma tentativa de mudar o foco do problema em uma zona negligenciada pelo governo dominicano, cuja sede está a centenas de quilômetros. “O que precisamos na fronteira é um muro, mas um muro de fábricas, um muro de zonas francas, um muro de gerar empregos, um muro que tenha em conta a sobrevivência dos dois povos”, disse à agência EFE o empresário Freddy Morillo, presidente da Federação de Comerciantes de Dajabón, cidade fronteiriça a 300 km de Santo Domingo. “Sempre defendi um muro, mas um muro de empresas”, manifestou-se, no mesmo sentido, o prefeito de Dajabón, Santiago Riverón. O próprio Banco Central dominicano admitiu, em estudo recente, que o comércio informal nas zonas de fronteira – que poderia ser prejudicado por um aumento dos controles migratórios – corresponde a uma parcela ainda maior da economia do que se pensava, chegando a 7,5% das exportações do país. Em Dajabón, aguarda-se com entusiasmo a abertura de um novo mercado público em Ouanaminthe, a cidade haitiana vizinha, que poderia incrementar essa interação.
O muro encontra respaldo em setores à direita na política e na imprensa da capital dominicana. Um comentarista do Nuevo Diario, por exemplo, defendeu o obstáculo físico “porque nos roubaram território durante muito tempo, e precisamos marcá-lo, tê-lo fixado e que se cumpram acordos”. Já Carlos Peña, um pastor que tem espaço na TV local, criticou o muro, mas por considerá-lo insuficiente: “melhor fazer nada” do que construir algo tão fraco e que poderia ser derrubado “con una trompada”, argumentou, dizendo que a obra poderia acabar em “outro caso de corrupção”. Como de costume, até mesmo a opinião dos EUA (que também usam muros fronteiriços) entrou na jogada, e o responsável por negócios da embaixada estadunidense em Santo Domingo preferiu lavar as mãos quando consultado sobre o tema, afirmando que cada país deve procurar suas próprias soluções para a migração irregular.
Reconhecendo desde já que é impossível tapar a divisa inteira, o governo dominicano diz que a obra só cobrirá as zonas consideradas “mais vulneráveis”. Depois dessa primeira fase, os militares já apontaram que a sequência do trabalho deve ocorrer na passagem de Pedernales, na região meridional dos dois países. Enquanto rebate as críticas ao projeto, o presidente Luis Abinader afirma confiante: o muro, diz ele, vai ajudar em seu objetivo de acabar com a imigração irregular, o narcotráfico e o contrabando de veículos e gado em um prazo de dois anos.
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Un sonido:
Da urgência de criar conteúdo voltado para os tantos imigrantes andinos radicados no Brasil, nasce o Quipus. Toda segunda sexta-feira do mês, um episódio novo com convidados de todas as partes dos Andes, espalhados por todo Brasil. O GIRO indica o podcast conduzido pela jornalista boliviana e brasileira Karla Burgoa, convidando a ouvir seu mais recente episódio, sobre a vivência de mães imigrantes. Escute também os anteriores clicando aqui.
DESTAQUES
🇨🇱 CHI – Muita água (e sangue) rolou desde os protestos de 2019, que colocaram à prova a desigualdade latente produzida pelo liberalismo econômico dos anos de ditadura. Agora, depois de pouco mais de um mês de adiamento, os chilenos vão para a penúltima etapa do processo que surgiu das reivindicações de dois anos atrás: escolher os 155 membros da Assembleia Constituinte que será responsável por reescrever a Carta Magna, a herança oficial dos anos de chumbo. A eleição ocorre em paralelo com as votações municipais e a inédita escolha para “governadores regionais”, que até aqui eram nomeados pelo presidente, e foi desmembrada em dois dias por conta da pandemia, sendo realizada ao longo deste sábado e do domingo. Uma vez formado o grupo constituinte – que será paritário em gênero e terá 17 assentos reservados a representantes indígenas –, ao menos nove meses se passarão até que o novo documento seja apresentado. Em 2022, já após as eleições presidenciais de novembro, a população, enfim, poderá decidir se aceita ou não o texto reescrito; caso contrário, a atual Constituição segue valendo. O clima é incerto e deve gerar abstenções: segundo pesquisas recentes, só 43% dos eleitores sabem o que se vota neste fim de semana. Há também um temor por conta da pandemia: cerca de 58% do eleitorado acredita que a situação sanitária vai afetar negativamente o processo. Na BBC.
🇨🇴 COL – O país segue em polvorosa. Após a erupção nas ruas que acabou com uma onda de brutalidade policial (entenda tudo no Giro Latino Cast #20) que já deixou pelo menos 40 vítimas até aqui, mais caos: em Cali, um dos epicentros do Paro, civis armados dispararam contra grupos indígenas que seguiam protestando e bloqueando ruas. Ao estilo paramilitar, uma obscura forma de violência bastante conhecida pelos colombianos, “famílias ricas em união com a polícia dispararam de maneira indiscriminada”, denunciou o senador Feliciano Valencia, do Movimento Alternativo Indígena e Social (MAIS). Ainda prometendo improváveis “consensos”, o presidente Iván Duque tem tentado contornar a situação: chegou a se reunir com o comitê que reivindica a organização das paralisações, mas não houve avanço no diálogo. Duque também perdeu sua ministra de Relações Exteriores, mais um cargo de seu gabinete “cobrado” pela revolta nacional. À medida que a população parece mais interessada em mudanças do que em promessas, o governo anunciou que haverá ensino superior gratuito para a faixa mais pobre do país, sem dar maiores detalhes. Nas ruas, o povo promete que vai seguir protestando. Em El País.
🇨🇺 CUB – Cuba se tornou o primeiro país latino-americano a desenvolver e distribuir sua própria vacina contra a covid-19. Valendo-se de um de seus cinco imunizantes desenvolvidos em casa, a vacina Abdala (uma das duas no último estágio de testes ao lado da Soberana 02), a ilha começou o processo na quarta (12), com objetivo de vacinar cerca de 700 mil pessoas em condições de risco – número que se somaria às 400 mil doses já aplicadas durante os próprios testes. A vacina cubana ainda não foi autorizada para aplicação massiva e nem teve dados de eficácia divulgados oficialmente, mas o governo diz que os ensaios realizados até o momento demonstram que é capaz de gerar anticorpos e que, diante da subida recente de casos, os benefícios de aplicar o imunizante ainda em fase de testes seriam maiores do que os riscos. O processo de vacinação, que pretende produzir 100 milhões de doses para uso interno e exportação ainda este ano, vem em boa hora: com bons resultados na pandemia em 2020 apesar das agressivas pressões econômicas dos EUA, Cuba vem vivendo seu pior momento da crise em 2021 – oito em cada dez mortes por covid-19 no país foram registradas desde a virada do ano. Via Reuters.
🇲🇽 MEX – A caminho das eleições de 6/6, que renovarão os 500 assentos no Congresso, além de governos estaduais e prefeituras ao redor do país, o México repassa um roteiro conhecido de violência e acusações de corrupção. Durante a semana, Albel Murrieta, candidato à prefeitura de Cajeme, no estado de Sonora, foi assassinado com dez tiros enquanto caminhava pelas ruas da cidade em campanha. Nos últimos tempos, Murrieta havia adquirido notoriedade como advogado da família LeBarón, conhecida pedra no sapato de grupos criminosos locais e que teve membros brutalmente massacrados por sicários em 2019. Ele se soma à lista já quilométrica de violência política nas atuais eleições: de acordo com um levantamento da empresa de consultoria Etellekt, 79 políticos (sendo 31 candidatos no pleito atual) já foram assassinados no México entre setembro e abril, fazendo desta a segunda campanha mais letal no século, superada apenas pela de 2018. Além do novo homicídio, a semana eleitoral no México foi marcada pela entrada dos dois principais candidatos ao governo estadual de Nuevo León na mira da Justiça do país – um deles suspeito de compra de votos e o outro, de receber financiamento de campanha ilícito.
🇻🇪 VEN – Ainda bastante desgastado, mas revivido politicamente pelo apoio do governo Joe Biden, Juan Guaidó pediu aos EUA “menos sanções” contra a Venezuela, no que ele acredita ser o incentivo para levar o país até eleições “justas”. Terra de desacordos, o país tem visto as partes opostas politicamente tentarem se aproximar (saiba mais no GIRO #80), o que levou o opositor a sugerir um “acordo nacional” de cooperação. Em resposta, o presidente Nicolás Maduro respondeu que a oposição “pretende participar das eleições” regionais deste ano (o que não fez em 2020) e que, se Guaidó quiser participar dos diálogos, “é bem-vindo”. O pleito ganhou data durante a semana e está previsto para 21/11. No Efecto Cocuyo.
Un video:
MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
A Conmebol, máximo órgão do futebol sul-americano, segue vivendo em um mundo paralelo. Na noite de quinta (13), na cidade colombiana de Barranquilla, nem mesmo as cenas grotescas de jogadores de América de Cali e Atlético Mineiro afetados pela nuvem de gás lacrimogêneo – utilizado nos arredores do estádio, durante mais uma leva de protestos – compadeceu a entidade, que segue evitando o bom senso em nome de manter o futebol a todo custo. Não é por menos: a confederação também ignora a crise sanitária, mantendo jogos apesar de restrições e surtos de covid-19 em times inteiros (o vaivém de delegações pela América do Sul também gerado aberrações, como o Royal Pari entrando em campo com apenas sete jogadores pelo Campeonato Boliviano e deixando o campo após só oito minutos) e até negociando vacinas para o futebol, ao passo que muitos países da região seguem com dificuldade de avançar na vacinação. Algumas vozes em protesto têm se levantado, como o técnico Ricardo Gareca, da Seleção Peruana, que impediu seus jogadores de serem imunizados antes de grupos prioritários do país. Tudo pode piorar: em um mês, a Colômbia deve receber partidas da Copa América, possivelmente em meio a protestos e ao pior momento da pandemia. Nas redes, colombianos usam a tag #NoALaCopaAmericaEnColombia. No UOL.
Covid-19: a região segue vendo o número de óbitos semanais reduzir gradativamente, mas mantém um patamar alto de novos casos, tendo inclusive superado a semana passada. Aproximando-se da marca de 1 milhão de mortos na pandemia, a América Latina acumula, agora, mais de 30 milhões de contágios confirmados desde o início da crise sanitária, além de 127 milhões de doses de vacina aplicadas. Leia nosso levantamento semanal clicando aqui.
ARGENTINA 🇦🇷
O Ministério da Saúde confirmou pela primeira vez a presença das variantes da Índia e da África do Sul, em três pacientes recém-chegados ao país. Segundo a pasta, ainda que cerca de 50% dos testes feitos com pessoas em trânsito já apresentem mutações, a aparição desses dois tipos é inédita. Assim como outros vizinhos sul-americanos, em especial no Cone Sul, a Argentina enfrenta números galopantes em 2021, muito por conta da entrada da variante brasileira – esta, já detectada por Buenos Aires desde fevereiro. Os passageiros infectados cumprem quarentena obrigatória na capital, mas o caso provoca alerta: durante a semana, a OMS classificou a variante indiana como sendo de “preocupação global”. O momento é de cautela: temendo um descontrole maior da pandemia, um comitê do Congresso já propôs o adiamento das eleições legislativas, que passariam de outubro para novembro. Segundo a medida, além de dar mais tempo para o avanço da vacinação (que deu conta de imunizar com duas doses só 3,9% da população até aqui), uma nova data mais próxima do calor permitiria “otimizar a ventilação e outros protocolos sanitários”. No República.
Semana movimentada para o presidente Alberto Fernández, em turnê pela Europa que incluiu visita ao papa Francisco, também argentino, ao premiê italiano Mario Draghi e ao presidente francês Emmanuel Macron, além da diretora do FMI, Kristalina Georgieva. Diante dos líderes políticos, o mandatário sul-americano obteve promessas de apoio na renegociação da dívida externa do país – segundo Macron, um passo fundamental para a Argentina “restabelecer a estabilidade macroeconômica”. Com o papa, uma visita sem destaque: Francisco não recebeu seu conterrâneo no Palácio Apostólico, onde costumam ocorrer as recepções de líderes estrangeiros, e também não houve divulgação dos detalhes discutidos pelos dois. Desde que se tornou o atual papa, em 2013, Jorge Bergoglio nunca mais voltou à Argentina, temendo ser usado politicamente, e mantém relações discretas com os líderes locais. Via AP.
BOLÍVIA 🇧🇴
Uma dança típica rendeu um incidente diplomático com o Peru: recentemente, o Ministério da Cultura em Lima declarou que a morenada, um bailado tradicional dos Andes, passaria a ser reconhecido como um “patrimônio cultural da nação”. Imediatamente, a Bolívia protestou, lembrando que a dança também está presente na cultura local – em La Paz, inclusive, garantem que teria nascido ali, e o prefeito recém-empossado Iván Arias qualificou o decreto peruano de “atentado internacional” e “ofensa”. Segundo ele, a morenada paceña “tem sua história muitíssimo mais antiga do que aquilo que começaram a copiar em cidades vizinhas”. Em resposta, o Peru tentou colocar panos quentes, insistindo que a declaração só busca preservar um patrimônio imaterial e “não manifesta ou afirma o direito de exclusividade ou de denominação de origem da dança”. Via EFE.
Conflito com peruanos, reaproximação com o Chile: o novo ato da busca por reconciliação com o outro vizinho (leia mais no GIRO #80) incluiu a reabertura da linha férrea que liga La Paz à chilena Arica, dando aos bolivianos uma saída mais fácil para o Pacífico. Uma viagem de teste percorreu 616 quilômetros no último final de semana, reacendendo a esperança de voltar a operar no trajeto inviabilizado há 16 anos. O temor pelo retorno da concorrência dos trens fez caminhoneiros bolivianos protestarem na quarta-feira (12), bloqueando estradas que levam ao Chile e ao Peru, em um conflito que foi resolvido (ao menos parcialmente) no dia seguinte. Via Reuters.
CHILE 🇨🇱
A crise da pandemia fez o Chile voltar a conviver com o aparecimento de novos acampamentos informais erguidos por famílias que ficaram sem teto, remetendo às cenas das poblaciones callampas (leia em Una expresión) comuns no país até a época da ditadura. Com o PIB caindo 5,8% em 2020, a pobreza subiu drasticamente pela primeira vez em décadas, passando de atingir 8,1% para 12,1% da população. Segundo a Fundación Techo, 167 novos acampamentos irregulares surgiram no último ano, e agora ao menos 81 mil famílias vivem em 969 assentamentos do tipo, contra 47 mil em 2019. A entidade afirma que cerca de um terço dos novos sem-teto dizem que saíram de suas casas por não conseguirem pagar mais o aluguel. Ao mesmo tempo, o Estado segue incapaz de suprir a demanda por problemas de moradia, um direito que a fundação quer ver contemplado na nova Constituição. Via EFE.
Páginas de um rio:
[…] O que era comum, no entanto, era a vida de quarto de hotel. Os corredores vazios, os espaços transitórios, o clima anônimo desses lugares em que sempre se está de passagem. Viver em um hotel é a melhor forma de não cair na ilusão de ter uma vida pessoal, de não ter, quero dizer, nada íntimo a contar, a não ser os rastros que deixam os outros. A pensão em La Plata era um casarão interminável que se transformou em hotel barato, tocado por um estudante crônico que vivia de sublocar os quartos…
Na segunda entrega da série que recupera escritos de autores platinos, leia a tradução inédita de Iuri Müller para Hotel Almagro, do argentino Ricardo Piglia (1941-2017). O texto completo está aqui.
COSTA RICA 🇨🇷
A baixa dos números de mortes no coletivo da América Latina não significa que todos os países estejam atravessando o mesmo momento. Na Costa Rica, por exemplo, profissionais de saúde seguem enfrentando a pior fase da pandemia até aqui, com recorde de óbitos em sete dias na última semana: 182. O país volta a viver o temor de um colapso, impulsionado pela reabertura turística, que também o converteu em uma espécie de “entreposto” para viajantes endinheirados que buscam se vacinar nos EUA, mas utilizam a nação centro-americana como destino para uma quarentena obrigatória prévia (brasileiros, por exemplo, têm tentado driblar as restrições estadunidenses fazendo o estágio na Costa Rica, no México ou na República Dominicana antes de buscar o “turismo vacinal” no topo do mapa). Agora, os médicos costarriquenhos voltam a cobrar um endurecimento das medidas restritivas no país. Via Reuters.
EL SALVADOR 🇸🇻
O presidente Nayib Bukele recebeu o emissário da Casa Branca, Ricardo Zúñiga, que trouxe o posicionamento dos EUA em relação à destituição dos juízes da Suprema Corte salvadorenha ocorrida no último dia 1º: “a decisão não foi apegada à lei nem à Constituição”, disse o enviado de Joe Biden. Bukele, porém, não parece disposto a ceder à pressão de Washington: tão logo se despediu de Zúñiga, foi ao Twitter avisar, “com muito respeito e carinho”, que “as mudanças que estamos realizando são IRREVERSÍVEIS”. No poder desde 2019, mas até aqui contido por um Congresso oposicionista e pelo Judiciário, Bukele viveu uma virada neste mês, com a posse de seus aliados convertendo a base governista na maioria da Assembleia Nacional. No mesmo dia, os parlamentares destituíram os magistrados que decidem sobre temas constitucionais – uma manobra chamada de “golpe” pela oposição e condenada fora do país, como contamos neste vídeo. Na DW.
EQUADOR 🇪🇨
Jair Bolsonaro confirmou que vai a Quito assistir à posse de Guillermo Lasso, presidente eleito que assume no próximo dia 24/5. A viagem ocorrerá após um “passeio de motociclistas” marcado em apoio ao presidente brasileiro no Rio de Janeiro. O líder ultradireitista da nação latina com mais mortes (absolutas e proporcionais) na pandemia só fez uma outra viagem para a posse de um homólogo sul-americano, quando visitou o Uruguai para a assunção de Luis Lacalle Pou, em março de 2020. Assim como Lacalle Pou, Lasso está no lado conservador do espectro político, o que explica a preferência de Bolsonaro, que em seu período no poder já ignorou as cerimônias de juramento do argentino Alberto Fernández e do boliviano Luis Arce, ambos à esquerda. Em El Universo.
Durou quatro dias um decreto polêmico que ampliava os poderes presidenciais de conceder indulto a prisioneiros com doenças crônicas. Na sexta (14), o presidente em vias de deixar o cargo Lenín Moreno derrogou a nova legislação, que havia sido criticada por abrir margem para perdoar, inclusive, eventuais condenados por crimes como genocídio, tortura, homicídio e desaparição forçada, entre outros. Moreno disse que a decisão de acabar com o decreto, que havia entrado em vigor no dia 10, foi para evitar “tergiversações e mal-entendidos”. Em El Universo.
GUATEMALA 🇬🇹
Uma polêmica reforma que facilita o fechamento de ONGs, aprovada no Congresso em fevereiro de 2020, ganhou luz verde também da Justiça para ser aplicada. Durante a semana, a corte mais alta da Guatemala rejeitou os oito recursos que ainda poderiam impedir a entrada em vigor da nova legislação, que dá ao Ministério de Governo (responsável pela polícia civil) o poder de dissolver qualquer organização “contrária à lei e à ordem pública”. Críticos do texto apontam que seus termos vagos podem abrir margem a abusos e levar à violação de direitos constitucionais, como o de reunião e livre associação. Na CNN.
O ex-soldado guatemalteco José Ortiz, 59, foi preso tão logo desembarcou no país, no último sábado (8). Deportado pelos EUA, Ortiz era procurado em seu país por assassinato e crimes de lesa humanidade, acusado de envolvimento no massacre de Dos Erres, episódio da guerra civil (1960-1996) no qual os militares mataram 201 campesinos no início da década de 1980. De acordo com a acusação, Ortiz fez parte dos kaibiles, a infame força de elite militar empregada em massacres do tipo. Na DW.
HAITI 🇭🇹
Policiais flagrados em um episódio de brutalidade no último domingo (9) foram presos durante a semana. No caso, registrado em vídeo, que provocou indignação ainda maior que o comum em um país já acostumado aos desmandos da polícia, Péguy Siméon é atirado de cima de um ônibus e agredido repetidamente pelos agentes. Ele havia acabado de ser deportado da República Dominicana e faleceu horas depois, no hospital. De acordo com a Polícia Nacional, o caso tem como agravantes o fato de que Siméon não estava armado, não representava ameaça para os agentes, e que os policiais implicados na agressão teriam utilizado um bastão que não faz parte do equipamento regular da corporação. Na Prensa Latina.
Dale un vistazo:
📚 Os jacobinos negros – considerada uma referência na literatura sobre a América colonial e a história revolucionária do continente latino-americano, a obra do trinitário-tobagense C. L. R. James, publicada originalmente à sombra do totalitarismo do final da década de 30, desvenda o processo de revolução dos haitianos escravizados, os horrores da colonização francesa no Caribe e os desdobramentos futuros de uma pequena ilha eternamente fadada às divisões e conflitos, como o abre desta edição explica. O livro, essencial para o estudo do continente, também conta a história de Toussaint L’Ouverture, principal líder do que foi a maior revolta de escravos da história do Hemisfério.
Os jacobinos negros tem edição brasileira do ano 2000 pela Boitempo.
HONDURAS 🇭🇳
Sete cidades hondurenhas receberam doações de vacinas contra a covid-19 feitas pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, após implorarem ajuda à nação vizinha alegando que seu próprio governo as abandonou. Mesmo com os próprios salvadorenhos ainda aquém do ideal na vacinação (as doses aplicadas equivalem a 18% da população), o país é o que avança mais rapidamente no chamado Triângulo Norte da América Central, que forma ao lado de Honduras e Guatemala. Bukele, familiarizado com o poder da internet para moldar sua imagem dentro e fora do país, recebeu o apelo via redes sociais e anunciou o envio de 34 mil doses às cidades. Via AP.
Uma virada diplomática pode ocorrer em breve no país, depois que o presidente Juan Orlando Hernández sinalizou, na terça (11), que pode abrir um escritório comercial na China buscando negociar vacinas (o que também pode envolver a ajuda do salvadorenho Bukele, pioneiro no Triângulo Norte em se aproximar de Pequim, ainda em 2019). Honduras pertence ao grupo de países latino-americanos que não mantêm relações formais com a República Popular da China, reconhecendo, em vez disso, Taiwan como a verdadeira República da China. O ano da pandemia e a busca por insumos e imunizantes tem ajudado Pequim a pressionar velhas resistências na região (um caso notável é o Paraguai), com os países que não se relacionam com a China “vermelha” figurando nos últimos lugares dos rankings de vacinação. No caso hondurenho, foram apenas 69,3 mil doses aplicadas até agora, equivalente a apenas 0,7% da população. Via Reuters.
MÉXICO 🇲🇽
Apesar de números gritantes na pandemia – mais de 2,3 milhões de casos confirmados e um número de mortes que pode ser bem maior do que as 220 mil registradas oficialmente, já que tem uma das piores subnotificações da região –, o México é o país que menos gasta com pandemia em números proporcionais. O Brasil, por exemplo, destinou cerca de 8,8% do PIB para a saúde, enquanto os mexicanos mantêm uma política poupadora e não chegam a 1%. Segundo o governo de López Obrador, que sempre teve o rombo público como preocupação, a postura ajudaria o país a ter uma melhor posição “macroeconômica e fiscal” no pós-pandemia, sobretudo após um tombo econômico de 8,2% em 2020. Economistas divergem: segundo eles, além de poupar em uma hora em que não se deve, o país enfrentará problemas fiscais da mesma forma, mas deixará de cumprir com a agenda de combate à pobreza. “Mesmo sendo de centro-esquerda, é um governo que em termos de dívida se mostra conservador”, disse um especialista à BBC.
O México está tentando recuperar os manuscritos roubados de Hernán Cortés (1485-1547), invasor espanhol que iniciou a “conquista” do atual território mexicano no século 16. Identificados em setembro em uma casa de leilões de Nova York, os documentos se tornaram alvo de uma investigação que atravessa fronteiras, é marcada por dúvidas sobre como os papéis foram removidos do Arquivo Geral mexicano, e atingem até mesmo um desafortunado colecionador brasileiro, que diz tê-los adquirido “de boa fé” e posteriormente devolveu os registros históricos à galeria responsável pelos leilões. A trama, na Business Insider México.
NICARÁGUA 🇳🇮
Virou uma constante nos últimos longos anos: a oposição a Daniel Ortega anuncia que chegou a um consenso para, poucos meses depois, tudo cair por terra. Com as eleições presidenciais de novembro cada vez mais próximas no horizonte, uma das siglas conservadoras, a Aliança Cidadã, anunciou que concorrerá sozinha, abrindo mão da chamada Coalizão Nacional – tentativa que vem sendo gestada nos últimos anos para unir as várias frentes contrárias ao governo sandinista. A abrupta decisão veio após o parlamento, de maioria governista, ter determinado na semana passada a antecipação do prazo para registro eleitoral para esta quarta-feira (12), pegando os oposicionistas de surpresa. Apesar do baque, membros da Coalizão Nacional dizem ainda esperar algum acordo das forças contrárias ao governo antes de novembro, uma perspectiva que parece cada vez mais difícil. Via Reuters.
PANAMÁ 🇵🇦
Os primeiros navios graneleiros movidos a gás natural do mundo são panamenhos. Ao menos, no que diz respeito à bandeira: em função de vantagens fiscais e burocráticas no país do famoso Canal, várias empresas ao redor do planeta registram seus barcos na nação centro-americana, caso dos dois gigantes de 292 metros de comprimento capazes de transportar 180 mil toneladas cada, anunciados durante a semana e pertencentes à sul-coreana H-Line Shipping. Segundo especialistas, o uso de gás natural reduz em até 90% a emissão de contaminantes em relação aos combustíveis habituais. Em La Estrella de Panamá.
Às vésperas da edição 2021 do concurso Miss Universo, que ocorre neste domingo (16) nos EUA, a candidata panamenha, Carmen Jaramillo, viralizou na internet após quase tomar um tombo enquanto caminhava de costas tentando tirar uma selfie (quem também fez sucesso nas redes foi a argentina Alina Luz Akselrad, que desfilou com uma roupa homenageando o ídolo Diego Maradona, falecido em novembro). O vídeo do tropeço de Jaramillo, no Milenio.
Una expresión:
Población callampa – as poblaciones eram como se chamavam as ocupações irregulares nas cidades chilenas, em condições semelhantes às favelas brasileiras ou às villas argentinas. A partir dos anos 1950, com a organização dos movimentos de pobladores, elas ganharam um adjetivo: callampas, ou cogumelos, em referência à rapidez com que apareciam – uma tática comum nessa época era organizar as ocupações para que ocorressem de uma só vez, em uma madrugada, de modo que no dia seguinte as autoridades já se deparassem com a comunidade inteiramente formada, dificultando sua remoção. Na canção La Toma (16 de Marzo de 1967), Víctor Jara recupera o ritmo frenético de uma dessas ocupações.
PARAGUAI 🇵🇾
As cataratas do Niágara, na fronteira entre EUA e Canadá, foram iluminadas com as cores do Paraguai na noite desta sexta-feira (14), comemorando os 210 anos da independência do país sul-americano. Homenagens semelhantes são comuns no local, mas foi a primeira vez que os paraguaios receberam um aceno do tipo, fato celebrado pelo Ministério das Relações Exteriores e pela Embaixada do país em solo canadense. O evento foi transmitido pela internet. No ABC Color.
US$ 26 milhões é o valor que o Paraguai já investiu em vacinas contra a covid-19, segundo um informe de uma comissão parlamentar que gerencia os gastos dos recursos destinados ao combate da pandemia. Só que o dinheiro, suficiente para garantir mais de 7,27 milhões de doses segundo os contratos já assinados, ainda não deu muito resultado na prática: a despeito do investimento, o Paraguai só recebeu até agora 194 mil das doses compradas, o equivalente a 2,6% do total, chegando inclusive a ter mais vacinas doadas (223 mil) do que adquiridas. Em paralelo, o país vem sofrendo com escândalos “fura fila” de vacinação, fato já investigado pelas autoridades. No ABC Color.
PERU 🇵🇪
Seringas vazias não são um problema só no Brasil. Durante a semana, o Ministério da Saúde peruano admitiu a existência de pelo menos três casos desse tipo na capital Lima, quando profissionais de saúde fingem que estão aplicando a vacina; o número pode ser maior, o que fez surgir uma nova investigação. Os episódios, segundo o presidente Francisco Sagasti, são “perigosos e até criminosos”. Ainda entre os países com maior número de mortes proporcionais e com uma vacinação tímida – 2,3% da população foi totalmente vacinada até aqui –, o Peru coleciona uma lista de problemas relacionados à campanha nacional contra a covid-19: além das aplicações falsas, uma lista de 487 autoridades acusadas de pular a fila da vacinação veio à tona em 2021, o que levou à renúncia da então ministra da Saúde, Pilar Mazzetti, e causou a impugnação do ex-presidente Martín Vizcarra (também vacinado fora de hora) por 10 anos. Em El Comercio.
Enquanto falta vacina, também no Peru o Congresso briga para discutir e promover tratamentos sem comprovação de eficácia contra a covid-19: na quinta (13), parlamentares aprovaram a criação de uma comissão para discutir o tratamento com dióxido de cloro, que não encontra qualquer respaldo da OMS, algo bem conhecido pelos brasileiros que veem o governo Jair Bolsonaro defender remédios ineficazes contra a doença. Via EFE.
Keiko Fujimori, a filha do ex-ditador Alberto Fujimori (1990-2000) que está no segundo turno das eleições presidenciais, quer deixar o país em plena campanha: durante a semana, ela solicitou autorização para ir ao Equador no próximo dia 23, para participar de um fórum organizado pela Fundação Internacional para a Liberdade (FIL). Ela foi convidada pelo próprio presidente da FIL, o escritor Mario Vargas Llosa – o Nobel de Literatura, um histórico antifujimorista (que inclusive perdeu as eleições para Fujimori pai em 1990), aproximou-se de Keiko nas últimas semanas e vem defendendo a herdeira do ditador como o “mal menor” diante do esquerdista Pedro Castillo, a quem ela enfrenta no segundo turno marcado para 6/6. Fujimori, porém, depende de autorização judicial para deixar o Peru, já que segue investigada por lavagem de dinheiro nas suas campanhas eleitorais de 2011 e 2016. Na última semana, o instituto Datum voltou a indicar que a diferença entre Keiko e Castillo segue diminuindo, e agora os dois estão empatados tecnicamente: 42% a 40% em favor de Castillo, reduzindo uma margem que já foi de dez pontos percentuais há quinze dias.Via EFE.
PORTO RICO 🇵🇷
Favorecido pela ligação política com os EUA, ao qual é um estado livre associado, Porto Rico já havia sido o primeiro dos latino-americanos a iniciar a vacinação, ainda em 15/12 (leia no GIRO #61). Agora, a ilha novamente dá um passo impensável para a vizinhança: nesta semana, começaram a ser aplicadas as primeiras doses em adolescentes com idades entre 12 e 15 anos. Segundo as autoridades, Porto Rico vem recebendo em torno de 57 mil doses semanais do imunizante da Pfizer, até o momento o único autorizado para aplicação nessa faixa etária. A ilha já distribuiu 72 doses a cada 100 habitantes, com 29% da população totalmente imunizada. Via EFE.
URUGUAI 🇺🇾
A angolana Angelina Vunge fez história: durante a semana, ao se apresentar à bancada legislativa na qual atua como suplente, tornou-se a primeira mulher africana a oficialmente atuar no Congresso uruguaio. “Um dia especial para mim”, disse a parlamentar, que chegou ao país austral sem dinheiro, conhecimento da língua local e sequer documentos necessários para se regularizar. Além de passar por uma infância de violência, Vungue precisou deixar seu país forçadamente por conta da guerra civil (1975-2002). Quando o pequenino país ao sul da América se mostrou um possível destino, seu principal questionamento foi: “há guerra por lá?” Outros detalhes da história, na BBC.
As gestões do presidente Luis Lacalle Pou para intermediar a doação de 50 mil doses de vacina à Conmebol, Confederação Sul-Americana de Futebol, já renderam seus primeiros frutos: na quinta (13), a entidade confirmou oficialmente que Montevidéu receberá as finais dos dois torneios de clubes do subcontinente na atual temporada, a Copa Sul-Americana e a Copa Libertadores, previstas para ocorrer respectivamente nos dias 6/11 e 20/11. No início de abril, Lacalle Pou se encontrou com o presidente da Conmebol, o paraguaio Alejandro Domínguez, e saiu da reunião dizendo que “coisas importantes” viriam ao seu país. Em 13/4, veio a notícia de que a entidade havia obtido uma doação de imunizantes da Sinovac, graças à atuação do presidente uruguaio junto à fabricante chinesa. Um mês mais tarde, a aproximação mostra seus primeiros resultados – Montevidéu foi agraciada sem ter sido sequer candidata a sediar os jogos em 2021. No GE.
VENEZUELA 🇻🇪
Novos capítulos do conflito fronteiriço (saiba mais no GIRO #79): durante a semana, um grupo armado colombiano Frente Martin Villa (que, acredita-se, seja formado por dissidências das FARC) informou ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha que capturou oito soldados venezuelanos e que pretende entregá-los a grupos ligados aos direitos humanos, já que entendem que os sargentos e tenentes capturados são “prisioneiros de guerra”. Desde o início de março, a região do Apure tem servido de campo de batalha entre as forças venezuelanas e grupos armados colombianos, com mútuas acusações, milhares de civis desalojados e abusos denunciados. Via AP.
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