Guerra: latinos justificam abstenções em voto na ONU
Argentina: novo estupro coletivo comove país | Chile: acusado de corrupção, chefe do Exército renuncia | Equador já fabrica produtos com cannabis medicinal | Colômbia aceitará documentos não binários
Nenhum representante latino-americano assumiu o risco de votar com a Rússia na Assembleia Geral da ONU. Na quarta-feira (2), 141 países do mundo votaram favoravelmente a uma resolução condenando a invasão à Ucrânia, incluindo gigantes regionais que haviam assinalado a possibilidade de manter a neutralidade no assunto, como Argentina e Brasil. Mas, se ninguém arriscou se alinhar diretamente com Moscou (os únicos votos contrários foram de Belarus, Coreia do Norte, Eritreia, Síria e da própria Rússia), houve sim abstenções no tema: Cuba e Nicarágua, cuja aproximação com os russos já era esperada (veja mais no GIRO #120), ganharam a companhia de Bolívia e – pegando alguns de surpresa – El Salvador. Já a Venezuela, que repetidas vezes defendeu o Kremlin e enfatizou seu apoio “total” a Vladimir Putin, não tinha direito a voto por estar em dívida com a ONU – Caracas precisa pagar um mínimo de US$ 40 milhões para recuperar sua participação plena na Assembleia.
A Bolívia justificou sua decisão argumentando que o texto da resolução poderia “colocar mais lenha na fogueira”, como definiu o chanceler Rogelio Mayta no dia seguinte à votação. O titular de Relações Exteriores da nação andina criticou o texto aprovado na ONU por seu excesso de artigos que não versavam sobre a necessidade imediata de um cessar-fogo e uma saída diplomática para a crise na Europa do Leste. “Há muitos pontos que, [...] mais do que ser uma ponte para buscar uma solução, constroem uma muralha”, disse o ministro boliviano. Ex-presidentes do país adotaram tom crítico: Jaime Paz (1989-1993) disse que “a Bolívia vota assim porque já faz parte do bloco dos países autoritários”, enquanto as redes sociais de Jeanine Áñez (2019-2020), que está presa e aguarda julgamento por violar a Constituição no último golpe de Estado e por possivelmente comandar os massacres que se seguiram, acusou o governo – não sem certa ironia – de “pisotear os princípios pacifistas da Constituição”.
El Salvador, por sua vez, vem adotando uma postura de silêncio quase total sobre o assunto. Com os três poderes do país dominados pelo presidente Nayib Bukele e seus aliados, não seria difícil tomar partido sem entraves para qualquer lado. Em vez disso, a Assembleia Legislativa local evitou tocar no tema, um Bukele sempre ativo nas redes não publicou qualquer tweet sobre a guerra desde o começo da invasão, e até mesmo Josep Borrell, responsável pela política externa da União Europeia, citou nominalmente o pequeno país centro-americano para que tomasse uma atitude: “ainda que não tenhamos escutado a voz de El Salvador no concerto das democracias [...] esperamos contar com seu apoio para esta resolução”, disse o espanhol. O apoio não veio e, em uma coluna de opinião, o portal crítico do governo El Faro definiu a postura de Bukele como uma “birra” – embora o país tenha a economia amplamente dependente dos EUA, San Salvador vem se opondo a Washington onde pode, criticando o intervencionismo na política local e na decisão de adotar o bitcoin como moeda legal (veja mais no GIRO #118). Num contexto mais amplo, vale lembrar que Bukele vem trocando a potência norte-americana pela China, também para ter acesso facilitado às vacinas contra a covid-19; votar ao lado da também abstinente Pequim, então, não é estranho para as ambições futuras de Bukele.
Menos surpreendentes foram as abstenções de Cuba e Nicarágua que, mesmo sem apoiar Moscou abertamente no voto, o fizeram no discurso – endossando a tese de uma agressão prévia dos EUA, por meio da expansão da OTAN na porção oriental da Europa, e de uma investida russa sobre território ucraniano como uma medida necessária pela segurança interna. Os dois países haviam recebido a visita de Vyacheslav Volodin, presidente da Duma (a câmara baixa do legislativo russo), na própria semana da invasão. A Venezuela, mesmo sem direito a voto, já havia deixado claro que estaria com Putin em qualquer cenário – a Rússia vem sendo um dos poucos países a apoiar Caracas em meio à enxurrada de sanções ocidentais da última década – e mais cedo durante a semana Nicolás Maduro havia expressado por telefone seu “forte apoio” às “ações decisivas” de Moscou, segundo um comunicado do Kremlin. Na Assembleia Geral, o embaixador venezuelano Samuel Moncada argumentou que “a ONU não pode ser utilizada para aprofundar os conflitos”, criticando a resolução.
Apesar das repercussões, votações do tipo até são uma importante maneira de marcar posição no cenário internacional, mas em geral são mais simbólicas do que práticas: há décadas, a mesma Assembleia Geral da ONU vem votando por esmagadora maioria uma resolução que condena todos os anos o embargo estadunidense a Cuba. O embargo, é claro, segue vigente e sua manutenção nunca levou em consideração qualquer opinião fora de Washington – sobretudo por ser algo que depende totalmente da boa vontade do Congresso dos EUA, não de acenos diplomáticos internacionais.
A guerra europeia seguiu respingando de outras formas na América Latina nos últimos dias, com os diferentes países da região intensificado os esforços para remover seus cidadãos residentes na Ucrânia, a Argentina prometendo enviar uma equipe de “Capacetes Brancos” em missão humanitária para a área de conflito, e a turística República Dominicana precisando lidar com quase 17 mil russos e ucranianos que foram pegos em viagem pelo início da guerra e agora estão ilhados no país sem alojamento nem comida. No Panamá, um grupo de ucranianos enviou uma carta exigindo o fechamento do Canal a navios russos, mas a autoridade responsável já avisou que ele seguirá aberto: no tratado que concedeu o controle da passagem ao país, em 1977, consta a obrigatoriedade de mantê-la “permanentemente neutra”, haja paz ou guerra.
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🇦🇷 Novo estupro coletivo indigna Argentina – Um novo caso de violência de gênero estremeceu o país: na segunda-feira (28), um estupro grupal registrado em plena luz do dia no bairro de Palermo, um dos mais turísticos de Buenos Aires, expôs a brutalidade e cumplicidade em casos do tipo. Dentro de um carro, três homens violentavam uma mulher de 20 anos, enquanto, do lado de fora, outros três tocavam violão e cantavam para abafar os ruídos e distrair a vizinhança – não funcionou, porém, e moradores das redondezas conseguiram resgatar a vítima a golpes de vassoura. Os criminosos, com idades entre 20 e 24 anos, foram detidos, e agora grupos feministas se mobilizam para garantir que a promessa do prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez, seja cumprida: “que caia sobre eles todo o peso da lei”. Embora a legislação preveja penas de até 15 anos para o crime de estupro, o país segue uma triste tônica regional e vê muitos casos acabarem em penas menores ou mesmo em absolvição, como outro suposto estupro grupal – na ocasião, contra uma menina de 14 anos – que ficou sem condenação após mobilizar o país no Réveillon de 2019. Apesar das dificuldades de encontrar Justiça, analistas apontam que a conscientização tem feito cada vez mais mulheres buscarem denunciar violências do tipo: em 2020, ano mais recente com dados consolidados, houve registro de 5,7 mil vítimas de estupros, 1.437 a mais do que dois anos antes. Em El País.
🇨🇱 Processado, comandante do Exército renuncia – Acusado de corrupção, o comandante-em-chefe do Exército do Chile, general Ricardo Martínez, anunciou sua renúncia ao cargo na quarta-feira (2), uma semana antes do final previsto para sua gestão de quatro anos. O militar é investigado pelo uso indevido de passagens aéreas em um caso mais amplo de desvios de fundos públicos, conhecido oficialmente como “Fraude del Ejército” e informalmente como Milicogate. Sustentando sua inocência, Martínez não se apresentou para depor na quinta, como estava previsto, e sua defesa agora tenta evitar que seja preso preventivamente. O general era o sexto a ocupar o posto máximo da Força desde que Augusto Pinochet finalmente se retirou em 1998 (ele permaneceu no comando do Exército pelos oito anos seguintes à retomada democrática, em um controverso equilíbrio de transição) – agora, com a acusação que pesa contra Martínez, todos os ex-comandantes de Pinochet para cá, incluindo o próprio ditador, foram processados por casos de corrupção. O comando do Exército chileno ficará nas mãos de um interino até o dia 9, quando Javier Iturriaga del Campo começará a nova gestão tentando se tornar o primeiro general desde a redemocratização a não entrar na mira dos tribunais. Na Radio Universidad de Chile.
🇪🇨 Equador já fabrica produtos de cannabis medicinal – AYA Natural and Medical Products. Esse é o nome da primeira linha de produtos de cannabis medicinal em operação no país. A instalação, localizada em Tumbaco, a cerca de 14 km da capital Quito, concentra esforços na produção industrial de óleos, pomadas, xampus e sabonetes fabricados a partir da planta. Durante a cerimônia que inaugurou o local, a vice-ministra da Produção e Indústrias, Carla Muirragui, disse que o objetivo é manter uma produção “sustentável” e que as propriedades da cannabis têm muitas outras utilidades. Desde junho de 2020, com as reformas do Código Penal Orgânico Integral (COIP), o cânhamo não psicoativo deixou de ser uma substância controlada no país. Na Prensa Latina.
🇨🇴 Documentos deverão aceitar gênero não binário – O gênero não binário agora deverá ser reconhecido nos documentos de identidade da Colômbia. Nesta terça-feira (1º), a Corte Constitucional determinou que o governo inclua essa possibilidade de registro nos próximos seis meses, justificando que “o Estado colombiano, a partir do reconhecimento do peso histórico da desvalorização a que estão submetidas as pessoas com identidades de gênero diversas, tem o dever de promover a igualdade de oportunidades neste setor da sociedade”. Até o momento, só eram aceitos os marcadores tradicionais de “masculino” e “feminino” ou “homem” e “mulher”. A pessoa que iniciou a ação – que não se identifica nem como mulher nem como homem – conta que há mais de 20 anos enfrenta dificuldades para ter acesso a serviços de saúde e oportunidades de trabalho, além da reiterada discriminação e humilhação nas mãos da polícia. Em El Colombiano.
🇵🇪 Processo por esterilizações forçadas avança e Fujimori é internado – Começou, finalmente, na quinta-feira (3), o processo sobre as esterilizações forçadas sofridas pela população indígena do país durante a ditadura de Alberto Fujimori (1990-2000). Após vários adiamentos, o caso deve começar a andar contra três ex-ministros de Saúde do governo da época, responsabilizados pelo que então foi qualificado de forma eufemística como um programa de “planejamento familiar”. Ao longo de até oito meses, o juiz do caso deve ouvir mais de 750 depoimentos, entre vítimas, familiares e acusados. Com um timing impecável, o octogenário Fujimori – que já cumpre pena por outros crimes – voltou a ter problemas de saúde justamente quando um caso escandaloso de seu governo engatinha na Justiça: no mesmo dia, o ex-ditador foi internado com urgência em um hospital de Lima após um problema cardíaco. Ele seguia hospitalizado até o fechamento desta edição, recebendo terapia de oxigênio. Ao contrário de vezes anteriores, porém, a última internação não parece ter relação direta com as chances de Fujimori se complicar ainda mais nos tribunais: no caso do ex-governante, o avanço do processo pelas esterilizações depende de outras diligências judiciais que não têm data para acontecer. Via EFE.
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MAIS NOTÍCIAS
ARGENTINA 🇦🇷
O discurso do presidente Alberto Fernández na reabertura dos trabalhos do Congresso foi marcado por protesto da oposição, que se retirou da sala após o mandatário sugerir que fossem investigadas as circunstâncias em que o governo de Mauricio Macri (2015-2019) fez empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O tema do acordo com o FMI, para lidar em grande parte com dívidas herdadas do macrismo, vem causando fraturas dentro da própria gestão governista nas últimas semanas. A oposição justificou o abandono do recinto alegando que a fala de Fernández estaria repleta de “mentiras e hipocrisia”. No Cronista.
BOLÍVIA 🇧🇴
O GIEI, Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes, apresentou ao Conselho Permanente da OEA suas conclusões sobre os fatos em torno da derrubada de Evo Morales, em 2019. Reiterando seus informes anteriores, o grupo investigador vinculado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) destacou que houve massacres, torturas, perseguições políticas, detenções ilegais e atos de racismo no marco das inúmeras violações que se seguiram à tomada de poder por Jeanine Áñez, hoje presa. O GIEI evitou usar o termo “genocídio”, defendido pelo atual governo, para se referir às matanças que vitimaram partidários de Evo, mas disse considerar que atos como os verificados em Senkata e Sacaba “devem ser qualificados como massacres”. O grupo também pediu investigações pela Justiça local para punir os responsáveis. Luis Almagro, o secretário-geral da OEA que endossou a narrativa de uma “fraude” eleitoral na vitória de Evo em 2019 (nunca comprovada, mas utilizada como pretexto para o levante que derrubou o então presidente), limitou-se a dizer que a entidade lamenta as mortes ocorridas na época e “toma nota” dos apontamentos do GIEI. Em La Razón.
CHILE 🇨🇱
O governo de Sebastián Piñera, que entrega o cargo na próxima sexta-feira (11), prorrogou por 15 dias o estado de exceção nas províncias de Arica, Parinacota, Tamarugal e El Loa – região fronteiriça com Bolívia e Peru e palco de uma crise migratória que se estende há mais de um ano. A medida, que entrou em vigor em 17/2 e agora vale até 17/3, provocou o deslocamento de mais de 600 militares ao norte do país: as forças de segurança foram enviadas para ajudar a conter um protesto de caminhoneiros que bloquearam estradas após um motorista ser morto em um incidente com estrangeiros (leia mais no GIRO#119). Em dezembro, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou que entre 400 a 500 refugiados e migrantes venezuelanos atravessam diariamente a fronteira, “sofrendo de desnutrição, desidratação, hipotermia e enjoo de altitude”. De acordo com a Acnur, as levas de migrantes usam rotas clandestinas, enfrentando as condições climáticas extremas do deserto do Atacama, expostas aos riscos de exploração sexual por grupos criminosos. O trajeto é feito a pé, sem roupas adequadas para suportar o calor escaldante e noites com temperaturas de até -20 °C. Mais de 20 pessoas morreram ao tentar atravessar a fronteira desde fevereiro de 2021. No UOL.
COLÔMBIA 🇨🇴
O oligarca estadunidense Jeff Bezos, um dos homens mais ricos do mundo, visitou a Colômbia nesta semana para um encontro com o presidente Iván Duque. Os dois sobrevoaram o Parque Nacional Chiribiquete, na região amazônica, e Duque tuitou que seu “amigo e empresário” manifestou interesse em apoiar políticas de ação climática e de preservação das áreas protegidas no país. O bilionário dono da Amazon também é fundador do Bezos Earth Fund, projeto que promete entregar cerca de 10 bilhões de dólares para cientistas, ativistas, ONGs e outras entidades que trabalhem em soluções climáticas e naturais para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU até 2030. No Infobae.
COSTA RICA 🇨🇷
Reviravolta nas eleições presidenciais? Pelo menos por enquanto, é o que indicam as mais recentes pesquisas eleitorais no país. E os resultados dão boa vantagem ao conservador Rodrigo Chaves, segundo colocado no esvaziado primeiro turno: de acordo com o Centro de Investigação e Estudos Políticos (CIEP-UCR), o ex-ministro do governo Carlos Alvarado seria o nome preferido entre 46,5% dos eleitores. O mesmo instituto diz que o ex-presidente José Maria Figueres (1994-1998), que venceu a primeira volta, tem 35,9% das intenções de voto. A promessa é de uma disputa acirrada até a derradeira votação em 3/4. Chaves, que tenta alçar seu maior voo na política até aqui, também busca se esquivar das acusações de assédio sexual que enfrenta desde seus anos como funcionário do Banco Mundial. Na RFI.
Após dois anos de intensos debates, os ticos legalizaram a maconha medicinal e a produção do cânhamo para uso industrial, decisão celebrada por organizações e que deve abrir um mercado com grande potencial no país. Com a decisão, a Costa Rica se tornou o 11º país latino-americano a avançar nesse assunto. O texto foi aprovado pelo legislativo, mas teve pedidos de veto parcial por parte do presidente, que devolveu o projeto ao Congresso. Agora, após algumas alterações, foi celebrado pelo mandatário: é algo que vai “aliviar a dor ou dar tratamento às pessoas que precisam e ampliar as possibilidades de saúde para as pessoas”, exaltou Alvarado. O país também vislumbra aprovar a maconha para uso recreativo no futuro. Em El Mundo.
CUBA 🇨🇺
Nem mesmo os tradicionais charutos estiveram imunes às baixas econômicas causadas pela pandemia e pelas sanções dos EUA. Produto primordial no ramo exportador cubano, o adereço que ajuda a compor o imaginário da ilha tem sofrido com a escassez na colheita do tabaco, além de ver plantas com qualidade menor por conta da falta de fertilizante e pesticida para os insetos. Segundo dados oficiais, a colheita de folhas de tabaco caiu de 32 mil toneladas em 2017 para 25 mil em 2020. E pode atingir apenas 22 mil toneladas na atual temporada, afirmou Pavel Noe Cáseres, chefe do departamento agrícola da Tabacuba, empresa estatal do ramo. No Yahoo.
O consulado dos EUA na ilha começará a emitir vistos de forma limitada e gradual após mais de quatro anos fechado devido à retirada da maior parte do pessoal diplomático de Havana. A informação foi confirmada por Timothy Zúñiga-Brown, encarregado de negócios da embaixada. A delegação foi reduzida em meados de 2017, em uma mistura da quebra de relações durante os anos de Donald Trump e também por conta da chamada “síndrome de Havana” – uma espécie de tontura coletiva sentida por funcionários que foi classificada como um ataque sônico deliberado para atingir pessoas na ilha ligadas aos EUA; o governo local nega. Na Prensa.
EL SALVADOR 🇸🇻
Procuradores do país acusaram formalmente o ex-presidente Alfredo Cristiani (1989-1994) pelo massacre de seis padres jesuítas em 1989, crime ocorrido no âmbito da Guerra Civil do país. As acusações também pesam sobre uma lista de altos funcionários militares, a quem devem ser imputados crimes de assassinato, terrorismo e conspiração. Desde o massacre, tentativas de investigar e processar os mentores do episódio brutal foram desviadas por manobras legais, sobretudo após a justiça determinar em 2016 que a anistia concedida em 1993 – que colocou uma pedra sobre os crimes de guerra – era inconstitucional. Após a reabertura do caso nos últimos tempos, responsáveis pelo caso tentam dar um desfecho ao mistério (que já chegou até às cortes da Espanha, já que alguns dos padres tinham dupla nacionalidade). O procurador-geral Rodolfo Delgado disse que está “determinado a perseguir os acusados de ordenar este evento lamentável e trágico”. Via AP.
Un nombre:
Movimento Renovador Sandinista (MRS) – nascido das discordâncias entre antigos guerrilheiros da Revolução na Nicarágua e o núcleo de poder concentrado em Daniel Ortega, o grupo foi criado ainda durante os anos 1990, quando Ortega, já dando os primeiros passos de seu projeto pessoal de poder, começou a se aliar a setores conservadores e a contrariar preceitos originais do sandinismo (a Frente Sandinista de Liberação Nacional, de 1961, devia seu nome ao revolucionário Augusto César Sandino, assassinado pela ditadura dos Somoza em 1934). O movimento, porém, ganhou destaque nos tempos recentes: à medida que Ortega avança sua escalada autoritária como nunca antes – em 2021, mandou prender sete candidatos à presidência e aumentou o número de presos políticos – nomes fortes entre os combatentes marxistas passaram a fazer uma oposição real à tirania. O resultado? Mais prisões arbitrárias, incluindo de 46 ex-guerrilheiros. As mais simbólicas são justamente de lideranças do MRS e antigos aliados de Ortega, como Dora María Téllez, a “comandante 2”, que denunciou a tortura sofrida na prisão. Outro nome que ganhou destaque foi o do ex-general Hugo Torres, que morreu na cadeia aos 73 anos no último mês. Nos anos 70, Torres liderou uma insurreição que sequestrou altos funcionários da ditadura Somoza – posteriormente derrubada pela Revolução – durante uma festa na embaixada dos EUA, em Manágua. O ex-guerrilheiro pedia a libertação de uma dezena de presos políticos em troca dos reféns. Um desses presos? Daniel Ortega. Antes de ser detido em junho de 2021, Torres, sentindo-se traído, disse: “aos seguidores mais sensatos da Frente Sandinista [de Libertação Nacional, hoje o partido do governo Ortega], minha mensagem é que abram os olhos; estão levando vocês ao precipício”.
EQUADOR 🇪🇨
Há uma nova espécie de roedor na Amazônia equatoriana. Trata-se do Mindomys kutuku, identificado como um ser inédito por várias entidades e especialistas, informou o Instituto Nacional de Biodiversidade do Equador (Inabio) durante a semana. A organização explica que foram necessárias três expedições à quase inacessível Cordilheira de Kutukú, uma área isolada na província amazônica de Morona Santiago, no sudeste do país. Segundo os pesquisadores responsáveis, a distinção vista em comparação aos conhecidos animais da espécie Mindomys hammondi se dá nas características anatômicas. O Inabio disse que a descoberta reforça o valioso significado biológico de cadeias montanhosas isoladas no leste do Equador. Via EFE.
GUATEMALA 🇬🇹
Mais de 1 milhão de doses da vacina russa Sputnik contra a covid-19 vão para o lixo no país após passarem da data de validade, informaram autoridades sanitárias nesta semana. Sem relação com a atual guerra, a hesitação vacinal custou ao governo cerca de US$ 11 milhões em imunizantes não utilizados, e não está claro se a resistência da população era em relação à Sputnik especificamente ou a qualquer vacina oferecida. Outras 1,7 milhão de doses da vacina russa devem passar da validade até o fim de março. Com uma campanha marcada pela lentidão e pela pouca vontade de parte da população em procurar os imunizantes, a Guatemala só conseguiu aplicar a primeira dose em 40% da população. As derrapagens políticas também jogam contra: nesta semana, o presidente ultraconservador Alejandro Giammattei, um médico entusiasta da vacinação, precisou devolver ao Congresso uma lei sobre imunizantes devido a inúmeras inconsistências. Via AP.
HAITI 🇭🇹
Varrido por uma junção de crises, o Haiti enfrenta um outro problema no dia a dia: muitas regiões na capital e no resto do país passaram a ser totalmente ocupadas e comandas por gangues armadas, situação que beira o caos e afeta moradores. Em uma longa reportagem, a France24 mostra como o fogo cruzado também muda o cotidiano de vários cidadãos que vivem nessas zonas, à espera da volta da segurança. Voluntários e médicos que trabalham em hospitais locais relatam que a situação saiu do controle há muito tempo. Em 2019, no último levantamento sobre a atividade armada, mais de 3 mil pessoas já integravam essas células armadas, ao passo que pelo menos meio milhão de armas de fogo circulavam pelo país de forma ilegal. A situação vem se degradando desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho passado.
HONDURAS 🇭🇳
Mantendo o discurso de combate à corrupção, o governo Xiomara Castro celebrou a derrubada, pelo Congresso, da chamada “lei de segredos oficiais”, que permitia a ocultação de informações públicas sob pretextos de segurança nacional. A legislação havia entrado em vigor em 2014, logo no início do governo Juan Orlando Hernández (2014-2022), que deixou o cargo em janeiro último e três semanas depois foi detido a pedido dos Estados Unidos por acusações de envolvimento com o narcotráfico – JOH ainda aguarda uma decisão da Justiça hondurenha a respeito de sua extradição para os EUA (leia mais o GIRO #119). Via Reuters.
Um caso de manual para entender os problemas históricos da América Latina: mulher, indígena, comunitária e defensora dos direitos ambientais, Berta Cáceres foi assassinada há exatos seis anos nesta quinta-feira (3), em um caso envolvendo sicários treinados nos EUA e um grupo minorizado defendo sua terra contra interesses de grandes projetos hidrelétricos. Muitas pessoas já foram presas desde o começo das investigações, mas o número de punidos, segundo a procuradoria, é insuficiente: acredita-se que mais pessoas tenham participado da trama que vitimou Cáceres, hoje um símbolo de resistência e luta por justiça entre hondurenhos. Na teleSUR.
MÉXICO 🇲🇽
Entre vítimas da guerra às drogas e outras que já datam de seis décadas, o México se aproxima da marca sombria de 100 mil desaparecidos desde os anos 1960 – um número ainda mais chocante em um país que, a despeito de quase um século inteiro de desmandos políticos de um único partido, nunca viveu oficialmente uma ditadura militar como outros vizinhos. De acordo com dados do governo, o número de desaparecidos já chega a 98.234, e explodiu desde 2006, quando foi iniciada a fase mais cruenta do conflito com os cartéis. Comissões de busca vinculadas ao Estado vêm sendo criadas para identificar as milhares de vítimas ainda sem nome ao redor do país, mas sofrem com falta de funcionários. Via AP.
O ex-presidente (e novamente presidenciável) Luiz Inácio Lula da Silva visitou o mandatário mexicano, Andrés Manuel López Obrador, durante a semana, prometendo uma aproximação entre os dois países caso retorne ao poder nas eleições de outubro no Brasil. Em clima de cooperação que envolveu a assinatura de um pacto entre o Partido dos Trabalhadores brasileiro e o Morena, a sigla governista local, Lula prometeu voltar ao México ainda este ano se conquistar uma vitória eleitoral, para consolidar parcerias. Em entrevista a um veículo do país, o petista elogiou AMLO: “conseguiu afirmar a autonomia do México sem criar antagonismos, contribuindo para uma relação equilibrada em nosso continente”. Em El País.
NICARÁGUA 🇳🇮
Como explicado em Un nombre, os abusos do governo não miram apenas ex-combatentes. Desde 2018, o poder orteguista também está em uma verdadeira caçada contra a liberdade de imprensa no país. Agora, o Movimento de Jornalistas e Comunicadores Independentes da Nicarágua (PCIN) pede a libertação de pelo menos seis profissionais presos e a devolução de instalações de veículos retidas pelo poder público. Na maioria dos casos, esses profissionais são acusados sem evidências de conspirar contra Ortega e “trair a pátria”. O PCIN pede “o fim das perseguições contra o direito de se expressar e informar”. Na DW.
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PANAMÁ 🇵🇦
Mais um dado para se somar à esmagadora evidência de que as vacinas ajudaram a mudar a cara da pandemia: o Ministério da Saúde panamenho divulgou durante a semana os resultados de um levantamento conduzido ao longo do último ano inteiro, concluindo que, desde 28 de fevereiro de 2021, mais de 96% das 2.182 vítimas de covid-19 no período não tinham se vacinado ou estavam com o esquema incompleto – apenas 84 delas haviam tomado todas as doses recomendadas pelas autoridades sanitárias. Em La Estrella de Panamá.
PARAGUAI 🇵🇾
Mais desdobramentos da megaoperação “A Ultranza PY”, que mira narcotraficantes e cargos de poder ligados ao crime organizado. Durante a semana, quem acabou preso nas investigações foi o ex-deputado Juan Carlos Ozorio, que será processado por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Considerada a mais importante operação levada adiante pela justiça paraguaia atualmente, a “Ultranza” deve envolver o alto escalão do crime que opera dentro e fora do país. No ABC Color.
Demorou, mas o jogador de futebol José Ariel López, que ficou retido na Ucrânia depois da suspensão de diversos voos para a América do Sul, conseguiu voltar ao seu país. Mas a volta não estava programada: o atleta, natural de Acahay, departamento de Paraguarí, tinha viajado à Europa para assinar contrato com o modesto Real Pharma, que disputa a terceira divisão do campeonato local. Com a invasão russa nos últimos dias de fevereiro, tudo foi por água abaixo – e nada foi assinado. Resignado, mas otimista, López foi recebido pela família no aeroporto e disse que contou com apoio de compatriotas para passar pelos dias difíceis. “Agora temos que olhar para novos horizontes”, disse, prometendo não desistir de jogar bola. No ADN.
PERU 🇵🇪
Golpe de Estado. São essas as palavras do presidente Pedro Castillo para explicar o que estaria sendo tramado contra seu governo, no âmbito das novas acusações de corrupção que o mandatário enfrenta. Dizendo ser alvo de um “grupo de poder econômico” que não aceita seu mandato, Castillo se dirigiu ao “povo peruano” e à “comunidade internacional” pedindo a ativação da Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA), dispositivo garantidor que pode “dar tranquilidade” frente a águas tão turbulentas – sua rejeição já bate a casa dos 70% e muitos acreditam que ele não resista às pressões tão logo os processos avancem. A vida complicada do chefe de Estado no poder não é novidade, mas a convocação de um documento da OEA para uma ameaça de golpe chama atenção: em 2019, quando um golpe de fato ocorreu contra o boliviano Evo Morales, essa mesma entidade endossou as jamais comprovadas denúncias de fraude usadas pelos golpistas como argumento para derrubar o governo reeleito. Na DW.
PORTO RICO 🇵🇷
Há 105 anos nesta quarta-feira (2), a Lei Jones-Shafroth concedeu a cidadania estadunidense às pessoas nascidas em Porto Rico, aprofundando uma relação umbilical e conflituosa que se estende até os dias de hoje. Utilizada na época para poder alistar os porto-riquenhos no esforço dos EUA na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a lei de 1917 também concedeu uma série de vantagens comparativas para os moradores da ilha que buscam viver no gigante ao Norte. Mas a cidadania permanece parcial, como recordou o governador de Porto Rico, Pedro Pierluisi, em fala no aniversário da lei: “os cidadãos americanos de Porto Rico carecem dos direitos democráticos mais fundamentais”, afirmou o mandatário, recordando que a população da ilha não tem direito a votar no presidente dos EUA nem eleger representantes reais para o Congresso (a ilha pode enviar um chamado “comissário residente” às sessões, mas sem poder votar em qualquer matéria legislativa). Em 2020, um novo referendo mostrou que os porto-riquenhos apoiavam converter a ilha no 51º estado dos EUA, mas a medida segue sem encontrar eco suficiente para avançar em Washington. Saiba mais sobre essa relação neste episódio do Giro Latino Cast. Via EFE.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Autoridades dominicanas entregaram ao vizinho Haiti um ex-policial haitiano acusado de ligação com o assassinato do presidente Jovenel Moïse, ocorrido em julho de 2021. O homem, identificado como Tanis Philome, é o último suspeito preso até aqui – a trama ao redor do magnicídio (saiba mais no GIRO #118), no entanto, segue sem soluções. Segundo fontes anônimas, Philome foi investigado pelas autoridades dominicanas antes de ser enviado de volta ao país natal, mas a data de sua captura não foi revelada. Até agora, mais de 40 pessoas, incluindo dezenas de mercenários colombianos, foram presas acusadas de ter participação no caso. Via AP.
URUGUAI 🇺🇾
O presidente Luis Lacalle Pou celebrou dois anos de governo nesta terça-feira (1º), e no dia seguinte prestou contas aos legisladores do país. O mandatário exaltou avanços ambientais e prometeu ampliar os investimentos públicos para movimentar a economia na sequência de sua gestão, que começou junto com a pandemia e a crise subsequente, mas segue até março de 2025. O centro das atenções, porém, é o referendo em torno da revogação de 135 artigos da Lei de Urgente Consideração (LUC), amplo pacote aprovado no início da gestão Lacalle Pou e considerado pelos críticos uma verdadeira reforma constitucional empurrada subrepticiamente. A votação, marcada para 27/3, encontra um país ainda dividido segundo as enquetes mais recentes: 38% disseram que votariam contra a revogação (isto é, a favor da LUC como está) e 36% iriam pelo “sim” à derrubada dos artigos, enquanto 22% ainda se dizem indecisos. Para defender a lei, o presidente citou dados de segurança pública, cuja melhora atribuiu às modificações que o texto promoveu no tema. Em El País.
VENEZUELA 🇻🇪
“Não dependemos do sistema Swift. Graças a Deus e à Virgem, na Venezuela não há sistema Swift e, com o passar do tempo, o sistema Swift ficará como um sistema ultrapassado”. A declaração do presidente Nicolás Maduro é sobre o sistema bancário internacional, do qual vários bancos russos foram excluídos como forma de pressionar a Rússia a recuar em sua investida militar contra a Ucrânia. Defendendo uma economia “100% digital” e atualizada – o Swift data de 1973 – o chavista disse que se orgulha do fato de seu país contar com um “sistema próprio”. No UOL.
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