EXTRA: direita confirma vitória no Uruguai
Após recontagem, Luis Lacalle Pou confirmou hoje a eleição no pleito realizado domingo. Adversário já reconheceu resultado
Com quatro dias de atraso, a Corte Eleitoral do Uruguai confirmou a eleição do advogado Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, para um mandato que vai até 2025. Sua vice, Beatriz Argimón, é a primeira mulher eleita para o posto na história do país. Encaixado na centro-direita, encerra a hegemonia da Frente Ampla, que vinha desde 2005. O atraso na confirmação do resultado se deu diante de uma histórica diferença mínima entre os candidatos, que foi de 28.666 eleitores. Por ter sido uma disputa parelha, o número foi inferior à quantidade dos chamados “votos observados” (35 mil), de pessoas que votam fora de suas zonas eleitorais, e passam por uma contagem mais demorada. Com isso, a Corte Eleitoral anunciou que a apuração sairia até esta quinta-feira (28). Até o momento, Lacalle Pou já obteve 3.090 votos na primeira revisão dos votos, o que lhe deu uma vantagem matematicamente insuperável sobre o situacionista Daniel Martínez, que imediatamente reconheceu a vitória de Pou, às 13 horas de hoje. O candidato de centro-esquerda prometeu se reunir com seu adversário eleito nesta sexta.
Entenda o resultado, em 3 pontos.
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1) Contexto e desgaste
A disputa pela Presidência tinha a continuidade como pano de fundo, após 15 anos do frenteamplismo no poder. Tabaré Vázquez governou de 2005 a 2010 e, em seguida, veio Pepe Mujica, mandatário entre 2010 e 2015. Vázquez foi novamente eleito em seguida, e é o atual presidente, que passará a faixa no dia 1º de março de 2020. Além da alternância natural dentro do jogo político – algo que a maioria dos países latinos não costuma abraçar – os números também explicam a vantagem construída pela oposição. Ainda que muito seguro perto da média regional, o Uruguai enfrenta um boom de insegurança. De 2017 até o atual momento, estima-se que o número de homicídios tenha crescido 45%, chegando hoje a 8,4 a cada 100 mil habitantes, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Ainda que o fenômeno seja associado erroneamente à legalização da maconha (o que fortalece os discursos conservadores e mais à direita), estudos mostram que o verdadeiro fator determinante é o aumento do conflito entre traficantes. Com a redução dos espaços do tráfico, há uma disputa por territórios, além do encarecimento e da inserção de novas drogas no mercado. A economia também não anda nos melhores dias, mesmo que estável se comparada à dos vizinhos. O desemprego, por exemplo, atingiu o maior patamar em doze anos. E, ainda que cresça mais que os vizinhos do Cone Sul, não se vê uma variação do PIB acima dos 4% desde 2013. Para 2019, o FMI estima algo perto dos 2%. Reformas, principalmente na educação e nos tributos, também estão em vista. Em linhas gerais: o saldo é positivo, mas a sombra da estagnação e da violência põe os uruguaios diante de um desafio. Não à toa, a população entendeu que esse desafio carecia de uma mudança no poder.
2) A extrema direita à espreita
À medida que a segurança pública se tornou a principal pauta das eleições, discursos conservadores ganharam força. Isso passa pelo quarto colocado nas eleições presidenciais, Guido Manini Ríos, ex-comandante do Exército e agora do novo partido Cabildo Abierto. Neste domingo, em um vídeo polêmico, Ríos pediu que militares apoiassem a oposição, chamando de “traidores” os que votassem em Daniel Martínez. O radical, que já foi preso por violar a Constituição ao criticar o governo publicamente, foi duramente criticado por todo o espectro ideológico (no país, há certo pacto institucional e democrático, o que se reflete nos eleitores). E qual o tamanho de Ríos nesse novo contexto político? Afastado do comando do Exército em março pelo presidente Tabaré Vázquez após declarações que relativizavam a atuação de oficiais das Forças Armadas durante a última ditadura militar, Manini Ríos dedicou a campanha a prometer soluções drásticas para combater a criminalidade e obteve 10,9% dos votos. Seu Cabildo Abierto elegeu onze deputados e três senadores, além de ter obtido votação relevante em departamentos do interior como Tacuarembó, Rivera e Cerro Largo. Por outro lado, a reforma constitucional proposta pelo senador do Partido Nacional e pré-candidato derrotado nas primárias presidenciais, Jorge Larrañaga, que, entre outras medidas, indicava a criação de uma guarda nacional composta por membros das forças armadas, foi derrotada no plebiscito que acompanhou as eleições. Intitulada “Vivir sin miedo”, a reforma não alcançou a maioria necessária para ser aprovada, embora tenha chegado perto, com 46% dos votos (e Larrañaga será o ministro de Interior do novo governo). No fim das contas, é aquela história: ainda que o Uruguai seja uma exceção à regra caótica da região – inclusive na relação com o passado militar, pelos baixos índices de corrupção e por ser o país mais laico da América – não está imune ao crescimento de movimentos radicais. (com informações de Iuri Müller, especial para o Giro Latino #4)
3) Futuro e Mercosul
De 2020 em diante, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai terão decisões importantes no horizonte. Ainda que não tão recentes, os governos de Bolsonaro e do paraguaio Mario Abdo Benítez, eleitos em 2018, passaram por um 2019 turbulento. Enquanto o capitão reformado personificou uma política externa conflitante que jogou o Brasil para escanteio, Abdo quase viu seu governo ruir, após os escândalos envolvendo a usina de Itaipu e acordos com o governo do mesmo Bolsonaro. Em resumo, são dois governos que não andam nadando em popularidade. Já Argentina, que virou o volante à esquerda com a vitória do peronista Alberto Fernández, enfrenta uma das piores crises econômicas de sua história recente. Dessa forma, um discurso alinhado é necessário para atrair ganhos econômicos ao bloco. Com a briga entre EUA e China pelo protagonismo na América Latina, os países austrais devem recorrer ao pragmatismo – algo que se pode esperar de ¾ do grupo, uma vez que Bolsonaro já acumula atritos com a recém-chegada gestão peronista. Lacalle Pou não é nada parecido com Bolsonaro. Mas, como o brasileiro não teve problemas nem com Tabaré Vázquez, dificilmente terá com o novo presidente uruguaio. Apesar de uma aliança por interesses comuns, Pou rejeitou apoio do brasileiro. Em casa, Lacalle Pou terá um importante contrapeso no Parlamento: a Frente Ampla ainda é o partido com mais assentos no Senado e na Câmara, e os nacionalistas só terão a maioria se seguirem em bons termos com a aliança que os levou ao poder.
O Giro Latino é uma newsletter produzida por Girão da América, Impedimento e Fronteira.