Ex-ditador vai a juízo por casos de limpeza étnica no Peru
Paraguai: protestos pela queda do presidente deixam um morto | Peruana garante direito à primeira eutanásia do país | República Dominicana quer muro para barrar imigrantes do Haiti
Um novo capítulo de terror da ditadura do ex-presidente peruano Alberto Fujimori (1990-2000) entrou de vez na mira da Justiça e voltou a ganhar destaque na segunda-feira (1º): de acordo com a Procuradoria-Geral do país, Fujimori e três dos ex-ministros da Saúde que atuaram durante seus últimos cinco anos de mandato teriam ordenado esterilizações forçadas de mulheres majoritariamente indígenas em regiões periféricas, sob a justificativa de reduzir a pobreza e a desigualdade nos rincões do país.
Tratado por diversas organizações defensoras dos direitos humanos como um verdadeiro episódio de limpeza étnica e social (e até genocídio), o caso assombroso deixou marcas irreparáveis, também citadas na acusação: na última metade da década de 1990, pelo menos 18 mulheres teriam morrido em decorrência desses procedimentos (sendo cinco delas por conta de lesões graves cometidas durante as cirurgias) e mais de 1,3 mil apresentaram sequelas físicas posteriormente. A dimensão do caso, já tratado como crime de Estado, passou a ganhar mais notoriedade em 2002, quando uma comissão parlamentar adotou investigações mais detalhadas. As análises concluíram que mais de 314 mil mulheres foram submetidas a processos esterilizantes – e só um décimo das operações teria sido feito de forma consensual, de acordo com relatórios do Comitê Latino-Americano e Caribenho dos Direitos da Mulher (Cladem).
Ainda que arbitrária e desumana, a medida passou longe de ser secreta. Nos anos Fujimori, o governo chegou inclusive a criar o chamado “Programa Nacional de Planejamento Familiar”, que contava com o projeto de Anticoncepção Cirúrgica Voluntária (AQV, na sigla em espanhol). Ao chegar a regiões empobrecidas e diante de mulheres com pouco ou nenhum conhecimento sobre o próprio corpo e direitos reprodutivos, agentes de saúde ludibriavam as vítimas, que eram submetidas a laqueaduras sem explicação. É o que conta Hilaria Supa, uma parlamentar de origem quéchua bastante envolvida com o tema. Cerca de 22 mil homens em condições socioeconômicas semelhantes também passaram por vasectomias, relatam defensores públicos.
Casos de esterilizações forçadas – ou, no mínimo, realizadas sem que as vítimas fossem devidamente informadas sobre as consequências do procedimento – contra populações minorizadas são comuns na América Latina. No pós-Segunda Guerra, um projeto de “controle populacional” impulsionado pelos EUA no estado livre associado de Porto Rico levou a massivos procedimentos do tipo: em 1968, um terço das mulheres em idade reprodutiva na ilha estava estéril. Um levantamento realizado no México e em nações centro-americanas também demonstrou que mulheres com HIV eram coagidas a se submeter a operações esterilizantes, ao mesmo tempo em que tinham acesso dificultado a tratamentos para reduzir a transmissibilidade da doença da mãe ao bebê. Em 2020, vieram à tona denúncias de que os EUA estariam submetendo mulheres a esterilizações forçadas em ao menos um centro de detenção de imigrantes (um caso que contamos neste vídeo e que segue sendo investigado pelo governo mexicano).
O escândalo de Fujimori – que também se estende a uma dezena de antigos funcionários de pequenas regiões do país – é só mais um na lista de abusos cometidos a mando do ditador nipo-peruano. Hoje com 82 anos e com saúde debilitada, o autocrata cumpre pena de 25 anos por crimes contra a humanidade e corrupção. Durante seu tempo no poder, também ficou marcado por casos de nepotismo, por fechar o Congresso em um atribulado autogolpe e por autorizar execuções extrajudiciais e desaparecimentos cometidos por esquadrões da morte chamados de Grupo Colina. Após um polêmico indulto concedido em 2018 pelo então presidente Pedro Pablo Kuczynski (muito criticado à época), Fujimori voltou à prisão. Nos últimos dias, filhos do ditador tentaram entrar com um recurso para que ele fosse transferido para regime de prisão domiciliar, alegando riscos por conta do coronavírus. O Tribunal Constitucional rechaçou o pedido nesta sexta (5).
Sem chance de ver a luz do dia, Fujimori, agora, volta ao banco dos réus, enquanto suas incontáveis vítimas clamam por justiça e retratação pública. Enquanto o líder aguarda o desenrolar do novo processo, o legado do fujimorismo se divide entre um fantasma de um passado obscuro e um fato ainda presente no dia a dia peruano: Keiko Fujimori, filha do ditador e também às voltas com a justiça por corrupção, é uma das postulantes ao cargo de presidente do país nas eleições de abril de 2021. Figura forte na oposição, Keiko passou vários meses presa, mas saiu após pagar fiança. Ela promete levar o “legado” do pai adiante, um sinal de evidente conivência com as violações cometidas nos tempos de ditadura, ainda distantes da devida reparação.
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Un sonido:
Nosso editor Maurício Brum participou da última edição do podcast Copa Além da Copa sobre os usos políticos do futebol no Chile de Pinochet. Clique acima para ouvir no Spotify e aqui para escutar em outros tocadores.
REGIÃO 🌎
Reverter os efeitos da política migratória agressiva dos tempos de Donald Trump segue sendo uma prioridade para o governo de Joe Biden. Segundo o Departamento de Estado, os EUA teriam um plano para custear transporte, saúde e até programas educacionais e de carreira para famílias de migrantes separadas durante os anos Trump. Os custos seriam relegados a ONGs e ao setor privado. Desde a fase de transição, a cúpula democrata determinou que famílias não fossem mais separadas; estima-se que pelo menos 500 crianças ainda estão longe de suas famílias. Possíveis mudanças na América Latina sob Biden foram tema deste vídeo do GIRO. Via Reuters.
Com o caos brasileiro puxando a fila, é possível que o futebol internacional volte a parar na América do Sul: equipes da Europa se negam a liberar jogadores para atuar por suas seleções de origem nos confrontos das Eliminatórias para a Copa do Mundo previstos para o final de março, e dirigentes já consideram quase certo que as partidas serão novamente adiadas. O Brasil, cujo selecionado depende muito dos atletas “exportados” para o Velho Mundo, é o pária da vez: durante a semana, o ministro da Saúde colombiano afirmou que “não teria como justificar a abertura a um voo fretado” vindo do colapsado país vizinho – desde o fim de janeiro, com o descontrole da pandemia no Brasil e a confirmação da variante mais agressiva detectada pela primeira vez em Manaus, a Colômbia voltou a endurecer as restrições de circulação na fronteira. O Brasil deveria enfrentar os colombianos em Barranquilla em 26/3. Um encontro virtual neste sábado (6) deve oficializar o adiamento e apresentar alternativas. No GE.
O Brasil bateu novamente o triste recorde latino-americano de mais óbitos relacionados à covid-19 em uma semana: foram quase 10 mil nos últimos sete dias, tornando o país também aquele onde as mortes mais crescem no continente na comparação da última quinzena. Leia nosso levantamento semanal completo da pandemia clicando aqui.
ARGENTINA 🇦🇷
Por dois dias seguidos, Buenos Aires registrou os tradicionais cacerolazos contra o escândalo “Vacunatorio VIP”, que expôs o nome de 70 pessoas próximas ao Ministério da Saúde – incluindo o próprio chefe da pasta, que renunciou em 20/2 –acusados de pular a fila da vacinação. As manifestações aumentaram após um discurso do presidente Alberto Fernández, que classificou o caso como “um erro”. Para muitos cidadãos, seriam necessárias medidas mais duras contra os responsáveis. Uma pesquisa também revelou que 70% dos argentinos acreditam em uma lista bem maior do que a divulgada, o que seria decisivo para escolha do voto nas eleições legislativas de outubro. Na RFI.
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro anunciou que vai viajar para a Argentina ainda em março para se encontrar pela primeira vez com seu homólogo Alberto Fernández – que, sendo um dos poucos governantes inclinados à esquerda na região atualmente, foi alvo de indiretas e recebe tratamento de “rival” do ocupante do Planalto. A visita, que ocorre no marco do 30º aniversário do Mercosul, deve ocorrer no dia 26/3. No UOL.
Uma imagem que vem do esporte argentino correu o mundo: no último domingo (28), a jogadora de basquete Antonella González foi fotografada amamentando sua filha de onze meses no intervalo de uma partida de basquete pela Liga Feminina do país. Após a repercussão da foto, Antonella disse que tudo foi “muito natural” e que pediu à treinadora da equipe “um tempinho” antes de voltar ao jogo: “que isto sirva para as mães que estão aí, indecisas se é possível voltar à atividade após a gravidez, para que acreditem que podem”. O time de Antonella, o Tomás de Rocamora, venceu o jogo por 61 a 44 – e ela fez oito pontos. Via EFE.
Un video:
Em nosso vídeo da semana no The Intercept Brasil, falamos das recentes rebeliões violentas em presídios latinos e de como o temor pela pandemia agravou as tensões nesses recintos superlotados.
BOLÍVIA 🇧🇴
Pelo menos sete estudantes com idades entre 21 e 23 anos morreram após caírem do quarto andar do prédio da Universidade Pública de El Alto (UPEA), enquanto se aglomeravam em um vão livre do edifício. Ao todo, onze jovens despencaram de uma altura de mais de 16 metros. O grupo teria se reunido para participar de uma assembleia organizada por movimentos estudantis. Segundo a UPEA, que prometeu arcar com custos em solidariedade às vítimas, o caso ainda será apurado. A polícia investiga o caso. Em El Deber.
Erwin Tumiri é, antes de tudo, um sobrevivente. Um dos seis tripulantes a sair com vida da tragédia que deixou 71 mortos após a queda do voo da LaMia em 2016, que carregava o time da Chapecoense e uma equipe de jornalistas, o boliviano escapou do fim mais uma vez: na última semana, sofreu apenas escoriações após o ônibus em que viajava capotar e cair em um precipício de 150 metros, em uma rodovia próxima à cidade de Ivirgarzama, no centro do país; pelo menos 21 pessoas morreram e 30 ficaram feridas, segundo o último boletim da polícia rodoviária. “Me sinto abençoado”, disse Tumiri. Na Prensa Libre.
CHILE 🇨🇱
Uma esquerda dividida poderia colocar a perder os planos progressistas de uma reforma mais profunda na Constituição. É o que aponta uma projeção feita pelo sociólogo e deputado independente Pepe Auth, com base nas tendências de votos do país. Segundo a análise, a formação de uma coalizão conservadora – a Vamos por Chile – deve tornar o grupo ligado ao presidente Sebastián Piñera aquele que receberá, individualmente, mais votos, podendo chegar a cerca de 43% dos assentos na nova assembleia. Embora a soma das diferentes (e não tão unidas) forças progressistas ainda possa resultar majoritária nesse cenário, seria mesmo necessário buscar acordos para promover as alterações mais polêmicas, ou até abrir mão delas – já que serão exigidos dois terços dos votos para incluir algo na Carta Magna. A eleição da Constituinte ocorre em 11/4. Em La Tercera.
Um sorriso da ex-presidenta Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018), hoje alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, vem causando indignação nos círculos políticos chilenos e na oposição venezuelana. A cena ocorreu durante uma videoconferência de Bachelet com Nicolás Maduro, na quarta-feira (3), em um evento classificado pelo governo venezuelano como “cordial” e “excelente”. O próprio escritório hoje comandado por Bachelet já elaborou relatório denunciando Maduro por possíveis crimes de lesa humanidade contra opositores, mas a falta de firmeza no momento de uma conversa direta levou a críticas pesadas, inclusive recordando que a ex-presidenta e sua família foram vítimas de violações na ditadura pinochetista. “Teria a alta comissária ‘cordializado’ em um encontro com o senhor Augusto Pinochet?”, questionou Rafael Uzcátegui, coordenador da PROVEA, uma das principais ONGs de direitos humanos da Venezuela, que definiu o sorriso de Bachelet como “uma bofetada nas vítimas”. Em La Tercera.
A Plaza Baquedano, epicentro dos protestos de outubro de 2019 em Santiago, voltou a registrar incidentes na sexta (5), no que foi considerada uma manifestação antigoverno prévia ao 8/3 – Dia Internacional da Mulher e tradicional data de mobilizações no país. Desta vez, o recinto (que foi renomeado informalmente “Plaza de la Dignidad” durante os protestos) ganhou até uma nova cena emblemática: os manifestantes atearam fogo à estátua do general Manuel Baquedano – lembrado pela Guerra do Pacífico (1879-1884) e pela ocupação dos territórios mapuche no sul do país – que fica no centro da praça. Na Cooperativa.
COLÔMBIA 🇨🇴
Pelo menos dez guerrilheiros dissidentes das FARC foram mortos pelo Exército após um bombardeio no município de Calamar, província de Guaviare, informou o Ministério da Defesa. Parte de um grupo paralelo de 2,5 mil combatentes que se opõem aos acordos de paz selados em 2016, essas células armadas apresentariam riscos à vida de ativistas campesinos e fariam parte da rede de narcotráfico, justificativa para serem “neutralizadas”. As tensões têm aumentado: um dos líderes da divergência é Jesús Santrich, foragido da justiça e que recentemente ameaçou de morte o presidente Iván Duque. O fantasma de dias violentos – que levou, entre outras sequelas, a uma explosão de “falsos positivos”, como são chamadas as mortes de civis maquiadas pelo Estado como baixas de guerrilheiros – foi tema deste vídeo. Na Prensa de Lara.
O Ministério Público vai pedir o arquivamento do caso contra o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez no processo por manipulação de testemunhas. Segundo o procurador Gabriel Jaimes, as condutas atribuídas a Uribe “não têm caráter de delito” e as que têm “não podem ser atribuídas a ele como autor ou participante”. Em agosto do ano passado, a Corte Suprema chegou a determinar a prisão domiciliar de Uribe, que renunciou ao cargo como senador para perder o “foro privilegiado” e tirar o caso das mãos da alta corte. Desde então, a investigação passou para o MP, que adotou uma postura completamente diferente à dos magistrados. O senador Iván Cepeda, vítima no processo, já vinha reclamando que a Procuradoria mantinha um viés favorável a Uribe, porque estaria mais focada em investigar as testemunhas do que o próprio ex-presidente. O arquivamento do caso ainda depende de decisão judicial, com direito a recurso. Em El País.
Foi por pouco: a Secretaria de Saúde de Bogotá informou que um caminhão contratado para transportar doses da vacina foi assaltado na madrugada de terça (2). Por sorte, as caixas térmicas não carregavam doses do imunizante, evitando um possível furto e distribuição descentralizada da vacina. Durante a semana, o país se tornou o primeiro da América Latina a receber doses do fundo Covax, criado pela ONU para amparar campanhas de vacinação em países em desenvolvimento. O primeiro lote de inoculantes da Pfizer conta com 117 mil ampolas. No Infobae.
Un clic:
COSTA RICA 🇨🇷
A nova ponte binacional conectando o país com o Panamá através do Rio Sixaola foi enfim inaugurada na quinta (4), após um adiamento de seis meses em função da pandemia de coronavírus. Importante para a integração comercial entre as duas nações mais prósperas da América Central, a obra custou US$ 25 milhões e vem para substituir – com asfalto e caminhões – uma centenária infraestrutura ferroviária que dominava o transporte na área do Sixaola, conhecida pela produção de bananas. No Delfino.
CUBA 🇨🇺
Única vacina 100% latino-americana sendo testada em humanos, a Soberana 02 se tornou também a primeira da região a superar a fase 2 de ensaios clínicos. Na quarta-feira (3), o imunizante desenvolvido no Instituto Finlay de Vacinas (IFV), em Havana, foi aprovado para iniciar a terceira etapa, quando as fases anteriores ocorrem sem eventos adversos significativos e a eficácia pode ser testada em um grande número de pessoas. Nesta nova fase, a expectativa é que 44 mil voluntários sejam inoculados. Além da Soberana 02, que no momento é a maior candidata a ser utilizada em uma campanha massiva, Cuba segue desenvolvendo outras quatro vacinas, chamadas de Soberana 01, Soberana 01-A, Abdala e Mambisa. Uma vez tendo aprovado definitivamente seu imunizante, Cuba quer produzir 100 milhões de doses até o final do ano, para uso interno e exportação. Na teleSUR.
EL SALVADOR 🇸🇻
O presidente Nayib Bukele tem motivos para celebrar: seu partido, o Nuevas Ideias, foi o grande vencedor das eleições legislativas do último domingo (28). Com mais de 90% das urnas apuradas, os governistas, que não tinham sequer uma cadeira na Assembleia Nacional, agora contam com 56 dos 84 assentos. Contando com outros aliados, Bukele já soma 64 deputados defendendo seus interesses para o mandato que vai até 2024. A nova configuração preocupa opositores: com maioria qualificada, o presidente teria praticamente poder absoluto, no limite até interferindo na escolha de membros da Procuradoria e da Suprema Corte. O Judiciário, que seria a última fronteira entre Bukele e a autocracia, vive em pé de guerra com o Executivo, justamente por barrar medidas radicais do presidente. Em ElSalvador.com.
“O eleitorado resolveu concentrar o poder em uma só pessoa”. As palavras do FMLN, partido tradicional formado pela ex-guerrilha homônima e que governou de 2009 a 2019, também são uma autocrítica: a legenda foi de 23 a 4 cadeiras na eleição de fevereiro, e já vê necessidade de “reformas profundas” em seu projeto político. Muito associado a esquemas de corrupção e ao aumento da violência – fato capitalizado pelo próprio Bukele – o partido enfrentará os próximos quatro anos na condição mais fragilizada desde que deixou a luta armada, em 1992. Em ElSalvador.com.
EQUADOR 🇪🇨
Segundo autoridades, as rebeliões prisionais que deixaram 79 mortos e dezenas de feridos na última semana, as mais sangrentas da história recente do país, têm ligação com o crime organizado transnacional, que estaria de olho no controle de rotas e pontos de tráfico equatorianos. “Não estamos falando de uma simples disputa entre grupos criminosos em prisões”, disse o ministro do Interior, Patricio Pazmino. A situação segue “tensa” nas cadeias, com novas tentativas de fuga e protestos desde a última semana. Via Reuters.
O Alianza País, partido que em 2017 contou com o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) e o atual Lenín Moreno, anunciou a expulsão definitiva de Moreno de seus quadros e agora não conta com nenhum dos dois. O movimento não surpreende: ex-aliados, os dois se tornaram virulentos inimigos políticos após Moreno chegar ao poder, com Correa inclusive precisando deixar o país para não ser preso, gerando uma fratura interna na sigla. O ex-presidente já havia deixado em 2018 a organização da qual foi fundador doze anos antes, enquanto o atual mandatário vinha sendo questionado por “abandonar” a sigla, apesar de oficialmente ainda dirigi-la: Moreno fez um pedido de desfiliação, mas o partido preferiu o simbolismo do expurgo. Nas eleições em andamento para definir o novo presidente, que terão o segundo turno em 11/4, o novo aliado de Correa é seu ex-ministro Andrés Arauz, que passou em primeiro lugar para a nova rodada de votações com 32,7% dos votos. Já Ximena Peña, candidata do Alianza País, ficou apenas em nono lugar, com 1,5%. A esperança dos anticorreístas reside hoje no conservador Guillermo Lasso. Na DW. [Erramos: a versão desta nota que circulou originalmente na newsletter dizia que o Alianza País havia expulsado o ex-presidente Rafael Correa nesta semana; na realidade, a movimentação foi em relação ao atual presidente Lenín Moreno. Correa deixou o Alianza País em 2018]
GUATEMALA 🇬🇹
Há cinco anos, morria a ativista indígena e líder comunitária Berta Cáceres, nas mãos de sicários na comunidade de La Esperanza. Uma das fundadoras de um movimento popular que lutava contra a violação dos territórios indígenas, a ativista passou a receber ameaças de morte ao liderar protestos contra o projeto hidrelétrico Agua Zarca, no Rio Gualcarque, que afetaria a vida dos indígenas lenca. Por se tratar de um projeto envolvendo valores milionários e famílias de muito poder, o caso não demorou a ficar violento: homens armados mataram Berta e deixaram outros vários feridos, dando um recado aos que resistissem à construção. Com muita luta, que contou com uma forte mobilização mundial, o caso ganhou destaque e está perto de um desfecho: investigações apontaram que o crime foi encomendado com conhecimento e consentimento da empresa Desarrollos Energéticos S.A. (DESA). Até o momento, sete homens, incluindo três pistoleiros e quatro pessoas ligadas à DESA e ao Exército, foram condenados. David Castillo, em prisão preventiva, pode se tornar mais um a ser preso. Atualmente, a luta de Berta segue com sua filha, que leva o legado adiante. Em El País.
O presidente Alejandro Giammattei conversou com seu homólogo estadunidense, Joe Biden, durante a semana. Sem dar mais detalhes, o mandatário guatemalteco disse no Twitter que a conversa girou em torno do combate ao narcotráfico e da busca por reduzir a imigração irregular rumo aos EUA, engrossada todos os anos por pessoas sem perspectivas saídas da própria Guatemala. Via Reuters.
Dale un vistazo:
Cartas para a minha mãe – delicado do começo ao fim, esse livro da escritora cubana Teresa Cárdenas narra a saga de uma menina negra que endereça cartas para sua mãe, já falecida, contando as violências raciais e o isolamento que enfrenta no dia a dia. Com uma linguagem ingênua, mas pura, a jovem questiona as maldades do preconceito racial, indiretamente criticando a naturalização do racismo que existe não só em sua família, como em toda a sociedade cubana.
Cartas para a minha mãe foi lançado no Brasil em 2010 pela Pallas.
HAITI 🇭🇹
A justiça dos EUA condenou um ex-integrante da marinha por contrabandear armas de fogo e equipamentos controlados do Exército para efetivos militares haitianos. Jacques Yves Sebastien Duroseau, 34, que se passava por um Marine de alta patente, foi condenado a cinco anos de prisão. Os equipamentos contrabandeados serão devolvidos aos EUA. Via AP.
HONDURAS 🇭🇳
O presidente Juan Orlando Hernández, alvo de uma investigação nos EUA por suposto envolvimento com o tráfico de drogas, disse que as pressões de autoridades estadunidenses contra seu governo beneficiam apenas os cartéis, comprometendo os esforços hondurenhos contra o tráfico. Não é o que entendem os procuradores: segundo documentos que correm na justiça, JOH teria recebido propinas milionárias do megatraficante mexicano El Chapo e ordenado o exército hondurenho a cuidar da logística do envio de cocaína aos EUA. Os documentos abrem aspas para o presidente, que seria favorável a “passar as drogas bem debaixo do nariz dos gringos, inundando os EUA com cocaína”. O governo em Tegucigalpa nega as acusações, dizendo que os depoimentos de chefes do tráfico seriam “vingança” pelos esforços do Estado hondurenho na luta contra o crime. No limite, o governo Hernández pode passar a sofrer sanções. Na Al Jazeera.
MÉXICO 🇲🇽
“Não queremos ver o México só como algo abaixo da fronteira”. Em tom amigável, o presidente Joe Biden recebeu seu homólogo López Obrador em encontro virtual, o primeiro desde a vitória do democrata. Os dois líderes discutiram possíveis cooperações em questões migratórias, além de soluções para a pandemia: segundo AMLO, Washington não descarta conceder ao México acesso a vacinas produzidas nos EUA, à medida que equipes de saúde dos países vão debater “como e quando” isso pode acontecer. Há sobre a mesa uma proposta de investimento de US$ 4 bilhões para resolver o drama das regiões de fronteiras entre os países (na última semana, por exemplo, um acidente envolvendo possível tráfico humano deixou 13 mortos). Se todo o clima amistoso vai se manter e se as coisas acontecerão na prática, ainda é incerto. Via AP.
NICARÁGUA 🇳🇮
O país se juntou à lista de latino-americanos que a iniciaram sua campanha de vacinação contra a covid-19 na última terça (2), imunizando doentes crônicos de uma clínica pública. Segundo a vice-presidente Rosario Murillo, pacientes nessas condições e com problemas cardíacos, tratamento de câncer e problemas renais serão os primeiros a receber as doses da Sputnik V, recebidas no final de fevereiro. O governo pretende adquirir 7,4 milhões de doses em 2021. Se o começo da vacinação dá alguma esperança, a contagem oficial pandemia segue nebulosa: segundo números do Ministério da Saúde, até o início das inoculações o país registrava mais de 6,4 mil casos e 174 mortes; observatórios independentes falam em mais de 13 mil casos e quase 3 mil baixas. Na teleSUR.
A Polícia Nacional descobriu 6 corpos “em avançado estado de decomposição” dentro de um barco no município de Bluefields, a 833 km da capital Manágua. O relatório da perícia apontou que não houve sinais de violência e que as mortes foram causadas por desidratação, insolação e insuficiência sistêmica. Um dos corpos pertencia a um homem de 31 anos da Guiné, que tinha documentos regularizados para entrar na Nicarágua. Na CNN.
PANAMÁ 🇵🇦
A organização do Señorita Panamá, uma seletiva para indicar a representante panamenha no Miss Universo, passará a aceitar a inscrição de mulheres trans com procedimento cirúrgico completo a partir de março de 2021. Dizendo ser um traço de “igualdade e empoderamento” para as panamenhas, a organização também celebrou o fato por ser uma decisão inédita na América Latina. Em La Estrella de Panamá.
PARAGUAI 🇵🇾
Protestos antigoverno deixaram ao menos um morto e 18 feridos na noite de sexta-feira (5), na capital Assunção, em meio a uma crise desencadeada pelo agravamento da pandemia no país. Durante a semana, o Paraguai cancelou cirurgias não-emergenciais em todos os hospitais públicos diante da alta de casos de covid-19 que há semanas vem sobrecarregando UTIs e provocando escassez de medicamentos. Já na sexta, o ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, confirmou sua renúncia ao cargo que ocupava desde agosto de 2018, quando o presidente Mario Abdo Benítez tomou posse. Boa parte da população, porém, quer também a queda do próprio Marito, o que motivou as mobilizações que foram reprimidas violentamente na capital. Não é a primeira vez que o presidente balança no cargo: protestos já pediram sua saída antes mesmo que completasse um ano no poder, na metade de 2019, após o escândalo envolvendo a renegociação dos termos de Itaipu. Bancadas opositoras dizem que vão iniciar conversas para um juicio político do presidente, processo equivalente ao impeachment, e garantem já ter 29 votos na Câmara – para o processo avançar, porém, são necessários 53, número que só será atingido se integrantes do próprio Partido Colorado de Abdo mudarem de lado.
Un nombre:
Coahuila – esse estado mexicano que faz fronteira com o Texas é mais um caso de múltiplas origens possíveis para um mesmo nome. Todas seriam provenientes do idioma náhuatl, mas há incerteza sobre as raízes exatas: uma explicação diz que seria a junção de “Coatl” (cobra) e “Huiliana” (arrastar), para indicar um “lugar onde se arrastam as serpentes”; outra acredita que o “Coatl” na verdade se uniu ao “Huila” (nome dado a uma ave) e a junção significaria o lugar da “víbora que voa”; há ainda uma corrente que não vê cobra alguma e diz que a origem está nas palavras “Quauitl” (árvore) e “la” (abundância) e se referiria à grande quantidade de áreas verdes que havia por ali. O nome completo do estado é Coahuila de Zaragoza, com a última parte homenageando o general Ignacio Zaragoza (1829-1862), herói de guerra contra a Segunda Intervenção Francesa no México, no século 19.
PERU 🇵🇪
O JNE, Jurado Nacional de Eleições, realizou audiência na manhã da sexta (5) para avaliar o recurso de George Forsyth, candidato que liderava as pesquisas para a eleição presidencial e foi excluído do pleito pelas instâncias inferiores após incongruências em sua declaração de bens (leia mais sobre o caso no GIRO #70). Sem surpresas, as autoridades eleitorais decidiram manter Forsyth nas eleições, fato celebrado pelo candidato como “uma vitória contra a máfia e a corrupção”. Embora venha bem cotado para passar ao segundo turno, a eleição com 15 candidatos está tão pulverizada que Forsyth tem apenas em torno de 8% a 10% das intenções de voto, a depender da pesquisa. No Peru21.
A primeira eutanásia da história do país foi autorizada pela Justiça nesta semana, após cinco anos de batalhas nos tribunais conduzidas pela psicóloga Ana Estrada, de 44 anos. Sofrendo desde a infância com a poliomiosite, uma doença degenerativa dos músculos, Estrada manteve uma vida relativamente autônoma até 2015, quando a situação se agravou e ela passou a depender de cuidados intensivos, confinada a uma cama e a um respirador mecânico. Embora a prática da morte assistida (também definida como “homicídio piedoso”) ainda seja punível com até três anos de reclusão no Peru, a decisão excepcional despenalizou a eutanásia no caso de Estrada. Agora, cabe aos órgãos sanitários peruanos elaborar um protocolo para dar um fim digno à vida da mulher. Estrada diz não desejar a morte imediatamente, mas celebrou a possibilidade de escolher quando partir: “estão me dizendo: você, Ana Estrada, tem a liberdade agora em suas mãos, as ferramentas para, quando você decidir que já não pode seguir em frente, você decida quando, onde e como [morrer]”. Na BBC.
PORTO RICO 🇵🇷
Uma nova lei propondo a conversão de Porto Rico na 51ª unidade federativa dos EUA foi apresentada na terça-feira (2), respondendo ao plebiscito de novembro, quando mais de 52% dos moradores da ilha votaram favoravelmente a isso – o que alteraria o atual status político do local, hoje na condição de território livre associado aos EUA. Apesar do interesse dos próprios porto-riquenhos, a admissão como estado só é possível se aprovada pelos políticos em Washington, onde a ilha não tem representação com direito a voto. Hoje, o projeto conta com apoio de mais de 50 parlamentares estadunidenses, e o próprio presidente Joe Biden já disse que estaria aberto a ver Porto Rico como o “estado 51” se os habitantes da ilha assim o quisessem. O governador porto-riquenho, Pedro Pierluisi, viajou à capital dos EUA para promover a proposta. Ainda sem data para ser votado no Congresso, o projeto prevê a realização de um novo e último referendo, com os EUA tendo 12 meses para incorporar a ilha caso a população volte a votar “sim”. Na CNN.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Um muro para conter a imigração haitiana. Esta é a mais nova proposta do presidente Luis Abinader para distanciar um pouco mais a República Dominicana do instável vizinho com quem divide a ilha de Hispaniola – divisão que, segundo Abinader, gera “graves problemas de imigração ilegal, narcotráfico e trânsito de veículos roubados”. Com auxílio de uma empresa israelense, Santo Domingo quer cobrir os 380 km de fronteira com uma barreira física e também um “perímetro tecnológico”, com sensores de movimento, câmeras de reconhecimento facial, radares e raios infravermelhos. Atualmente, estima-se que cerca de meio milhão dos 10,5 milhões de habitantes da República Dominicana sejam haitianos (em situação regular ou não). O projeto, que deve ter início no segundo semestre de 2021, é apontado por críticos como ineficiente e motivado por xenofobia. Via AFP.
URUGUAI 🇺🇾
O governo estuda a possibilidade de permitir o ingresso de turistas já vacinados contra a covid-19 ou que apresentarem quadros de imunização após um primeiro contágio, informou o ministro da Saúde, Germán Cardoso. Segundo ele, o caso vem sendo sabatinado entre funcionários do ministério e cientistas que têm atuado na pandemia. Há expectativa de que o mundo vá “em direção a um passaporte sanitário”, disse o ministro. Apesar de manter números controlados na pandemia, o Uruguai sofreu o baque das restrições: o número de turistas em janeiro de 2021 foi 97% menor do que no último ano. A vacinação, no entanto, caminha bem: desde o início em 1º de março, o país já vacinou mais de 56 mil pessoas. Na Radio Montercarlo.
VENEZUELA 🇻🇪
Declarada persona non grata pelo governo Nicolás Maduro em retaliação a sanções, a embaixadora da União Europeia Isabel Brilhante Pedrosa deixou o país na última terça (02). Foi a segunda vez em oito meses que a representante foi pressionada por Caracas. Dessa vez, porém, não houve reconciliação. A UE aumentou para 55 a lista de autoridades chavistas afetadas por algum tipo de sanção, medida que os venezuelanos classificam como “arbitrária”. Via AP.
Ainda decidindo a melhor maneira de lidar com a “questão Guaidó”, o governo Joe Biden deu um novo passo para manter o reconhecimento ao ex-deputado, que desde janeiro não tem mais cargo oficial e – perante a lei – perdeu o argumento para se autoproclamar presidente da Venezuela. Na terça (2), Guaidó falou com Anthony Blinken, secretário de Estado do novo governo dos EUA, no que foi seu primeiro contato com um alto funcionário da Casa Branca desde que Donald Trump foi embora, levando junto o antecessor de Blinken, Mike Pompeo. Os EUA reiteraram seu interesse em trazer um “retorno à democracia” a Caracas e em manter as sanções a membros do governo Maduro. Via Reuters.
O presidente Nicolás Maduro anunciou durante a semana que a Assembleia Nacional, novamente dominada por governistas desde as eleições de dezembro, estaria considerando mexer na legislação do petróleo para permitir “novos modelos de negócios”. Ainda sem grandes detalhes, a medida pode ir no caminho de rever o modelo estatal da produção, formato posto em xeque nos últimos anos por problemas estruturais, corrupção interna e por sanções impostas ao setor pelos EUA. Opositores do governo defendem mais participação do setor privado na indústria petrolífera, ainda controlada pela estatal PDVSA. Estima-se que o petróleo represente 90% das exportações anuais do país, que tem as maiores reservas conhecidas do mundo, mas vem despencando sua produção ano a ano. Via Reuters.
Sobre o Equador, a notícia do DW informa que quem foi expulso do Alianza Pais foi o atual presidente Lenin Moreno, e não Rafael Correa.