Peru: crise faz oposição cobrar renúncia de presidente
El Salvador: Bukele celebra violações e censura | Chile: pesquisa aponta rejeição inédita à nova Constituição | Costa Rica: Chaves será novo presidente | México: o inusitado referendo de AMLO
Talvez tenha sido a semana em que Pedro Castillo ficou mais próximo de cair. Ao menos, até agora, pois se há uma garantia na política peruana – especialmente sob um governo que enfrenta instabilidade desde antes de começar – é que sempre há uma nova crise pela frente, o que, por tabela, significa uma nova chance de ver o presidente derrubado pelo Congresso.
Apenas uma semana após sobreviver a uma nova moção de vacância (processo semelhante a um impeachment), que por si só já era a segunda enfrentada por Castillo em oito meses de governo, o presidente passou os últimos dias encarando os maiores protestos de sua gestão até o momento, com direito a pelo menos cinco mortos indiretamente relacionados às manifestações. Ele também chega a este final de semana com uma nova e inusitada demanda do Congresso: já que os legisladores não conseguem somar os votos necessários para afastar o presidente mesmo estando no país latino-americano onde o trâmite de derrubada do mandatário é simplificado, a estratégia agora foi outra: os parlamentares aprovaram uma moção pedindo que Castillo renuncie. O que, é claro, não ocorreu.
Há que se recapitular estes que foram os dias mais agitados na política peruana desde novembro de 2020, quando o país chegou a ter três presidentes em sete dias e um deles acabou renunciando, justamente, porque não aguentou a pressão da população (e de seus ex-aliados) após mortes serem registradas em manifestações. Tudo teve início nos últimos dias de março, com um protesto que tem se tornado comum pela América Latina desde o início da guerra na Ucrânia: transportistas realizando bloqueios e paralisações contra a alta dos combustíveis.
Se em muitos casos essas mobilizações têm minguado por si mesmas ou após os governos anunciarem pacotes de subsídios para conter o aumento dos preços, em um país fraturado – meio Peru está contra o atual governo – isso foi a senha para outros setores se unirem. Na sexta-feira passada (1º), em Huancayo, cerca de 300 km a leste de Lima, o governo confirmou oficialmente quatro mortes no contexto dos protestos, mas sugeriu que seriam vítimas circunstanciais – dois em acidentes de trânsito, uma criança que caiu em um rio durante os momentos de tensão, além de um professor que teria morrido por não conseguir chegar a uma sessão de hemodiálise em função das vias bloqueadas. Mas, para quem já encontrava qualquer razão para ser contra um governo que passa longe de ser unânime (que venceu por uma margem inferior a 45 mil votos em 2021), foi suficiente para aumentar o coro pela queda do presidente.
Com a convocação de uma nova rodada nacional de protestos para esta semana, Castillo fez um movimento que acabou enfurecendo opositores e provocou críticas até de aliados: decretar toque de recolher na região metropolitana de Lima e Callao ao longo da terça-feira (5). O regime de exceção temporário na capital coincidiu, por sinal, com o exato 30º aniversário do Fujimorazo, nome do autogolpe que converteu Alberto Fujimori em ditador em 1992, e não faltaram comparações nas redes acusando o presidente de esquerda de estar trilhando o mesmo caminho daquele a quem se opôs. Anunciada em altas horas da noite anterior, a proibição de circulação pegou muitos de surpresa, que saíram de casa para trabalhar sem nem saber do decreto. Outros o fizeram em flagrante desafio ao governo, inclusive por convocação de opositores: a líder do Congresso, María del Carmen Alva, foi uma das vozes a dizer que a população deveria seguir com a vida normalmente – o que só fez aumentar a ideia de que Castillo estaria por um fio.
Pressionado após um dia de manifestações pelas ruas limeñas a despeito das restrições, o líder peruano viu-se obrigado a encerrar o toque de recolher antes da hora. Em meio às mobilizações ao redor do país, que em Lima incluíram fogo às portas do Poder Judicial e ameaça não confirmada de que o jogo do Flamengo pela Copa Libertadores não ocorresse, uma quinta morte foi anunciada na imprensa.
Além da mais nova crise do momento, com a inflação dos combustíveis e o desenrolar em torno dos protestos dos últimos dias, Castillo também se vê mergulhado em outro impasse. Com uma oposição propensa ao golpe desde antes da posse e acumulando derrapagens internas em seu gabinete (nesta mesma semana, o primeiro-ministro Aníbal Torres elogiou Adolf Hitler publicamente, citando – isso mesmo – suas obras rodoviárias), que por sinal já foi alterado diversas vezes, o presidente também vê o cerco da Justiça se fechar contra a própria família: seus sobrinhos agora são investigados por suposta lavagem de dinheiro e acabaram de ser proibidos de deixar o país pelos próximos oito meses. Castillo sustenta que a querela seria uma nova obra de lawfare, o que tampouco seria atípico em um país onde também sobram denúncias de abusos judiciais em investigações de corrupção. Enquanto isso, a imprensa tradicional, de viés conservador, lança editoriais que endossam os anseios por mais um fim precoce de governo.
Em meio à mais recente crise, que certamente não será a última, o presidente peruano recebeu a solidariedade de líderes à esquerda na região, como o boliviano Luis Arce e o argentino Alberto Fernández. “Querem arrancar nas ruas o que a direita peruana não conseguiu nas urnas”, bradou Arce. A direita também não vem conseguindo vencer, ao menos por enquanto, através do Congresso, onde mesmo com maioria as moções de vacância não atingem os 87 votos (de 130) necessários para retirar Castillo do cargo. O pedido desta sexta (8), exortando o presidente a renunciar, por exemplo, contou com apenas 61 apoios – de todo modo, trata-se de uma medida meramente simbólica, pois a renúncia é uma decisão que só cabe ao titular do Executivo. No mesmo dia, uma reunião do Conselho de Ministros Descentralizado em Puno, à beira do Lago Titicaca, concluiu com Aníbal Torres garantindo que Castillo segue respaldado por seu gabinete, em um indício de que uma debandada geral – que costuma precipitar a perda de apoio da base aliada e indicar a viabilidade de um impeachment – não acontecerá desta vez.
Assim, o governo Castillo viveu para encerrar uma nova semana, mas, na prática, segue na situação precária que o marca desde o início: o presidente avança como um equilibrista que tenta percorrer a corda bamba dos cinco anos de mandato, enquanto parece fazer isso pulando em uma perna só e precisando desviar de uma bala de canhão a cada centímetro que avança.
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DESTAQUES
🇸🇻 Bukele celebra violações de direitos humanos e censura à imprensa – Não há barreiras para Bukele em seu plano de combater as maras salvadorenhas. Alguns dias após eliminar garantias constitucionais de pandilleros e dar carta branca para agentes de segurança contra o crime organizado – uma resposta ao dia mais sangrento do país em décadas, com mais de 60 assassinatos em 24 horas – o presidente anunciou novas decisões monocráticas para manter tudo sob o seu controle. Primeiro, afirmou que chegaria ao nível de cortar o alimento dos presos caso os números de violência seguissem aumentando. Sem apresentar provas, Bukele afirmou: “rumores dizem que as gangues vão se vingar contra pessoas comuns, honestas (...) juro que eles [pandilleros] não comerão um grão de arroz, vamos ver o que vai sobrar deles”. E aí entra a segunda decisão: como o mandatário tem controle sobre os três Poderes, conseguiu aprovar sem esforços uma medida que criminaliza a publicação das mensagens das maras. No limite, quem replicar ameaças e decisões do crime poderá ser punido com penas de até 15 anos de prisão já que a ideia de Bukele é cortar toda e qualquer forma de comunicação entre os criminosos – e, por tabela, manter acesa a chama que o permitiu atropelar a Constituição e ser aplaudido por isso. E esse endurecimento vale para os jornais do país: velho adversário do presidente, o El Faro, principal veículo de lá, denunciou a trama como mais um ato de “censura” contra a liberdade de imprensa. Em protesto, o jornal suspendeu a publicação de conteúdo durante um dia inteiro. “Sem uma imprensa independente, os cidadãos nunca saberiam desses pactos,” disseram em um duro editorial. Os tais “pactos” citados dizem respeito a uma série de denúncias reveladas pelo próprio El Faro que apontam negociações secretas entre o governo Bukele e as mesmas gangues que diz combater, tudo em nome de diminuir artificialmente os números da violência.
🇨🇱 Pesquisa aponta rejeição inédita à nova Constituição – Ganhou data o plebiscito pela adoção – ou não – da nova Constituição do Chile, que ainda está sendo redigida: será em 4/9, exatamente dois meses após o dia previsto para o encerramento dos trabalhos da Convenção Constitucional – e uma semana antes do 49º aniversário do golpe de Estado de 1973. A confirmação da data veio em uma semana dura para aqueles que sonham em substituir a Carta Magna imposta ao país em 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990): pela primeira vez desde o início dos trabalhos, uma pesquisa de intenção de voto apontou uma maioria pela possível rejeição ao novo texto. Segundo o Cadem, o rechaço agora conta com 46% dos consultados, contra 40% de apoio à substituição dos textos – no final de janeiro, o “aprovo” à nova Constituição ganhava folgadamente por 56 a 33 no mesmo instituto. O texto definitivo sequer existe, mas a pesquisa acendeu os alertas nos constituintes, cujo trabalho foi muito criticado pela demora em começar a pautar temas considerados relevantes por grande parte da população. Na CNN.
🇨🇷 Rodrigo Chaves será o novo presidente – Os ticos foram às urnas no domingo (3) e o país centro-americano já conhece seu futuro presidente: o economista conservador Rodrigo Chaves, 60, ex-ministro do atual governo, foi eleito chefe do Executivo com pouco mais de 52% dos votos. Chaves bateu o ex-presidente e também conservador José María Figueres (1994-1998) – que, apesar de vencer o primeiro turno, foi ultrapassado nas últimas semanas. A tarefa do novo mandatário, que toma posse em 8/5, não será fácil: sua vitória veio em meio a um cenário de descontentamento político e em um momento de baixa econômica impulsionada pela pandemia. Nas urnas, mais de 43% dos cidadãos habilitados a votar optaram por não escolher ninguém. Também pesam sobre o novo chefe de Estado sérias acusações de assédio sexual contra subordinadas, durante seu tempo como funcionário do Banco Mundial. No campo econômico, promessa de mudanças: além de dizer que pretende “ampliar” os acordos com o FMI, o novo mandatário quer mexer nas regras fiscais para reduzir a dívida (este o motivo que o levou a renunciar à pasta de Finanças em 2020). Na BBC.
🇲🇽 Referendo pode (mas não deve) interromper mandato do presidente – Acontece neste domingo (10), e com apoio de López Obrador, uma das iniciativas mais inusitadas de seu governo: o referendo pela revogação do próprio mandato do presidente. Pela primeira vez na história mexicana, a população é convocada às urnas para decidir sobre a possível interrupção de uma gestão antes de seu final, previsto para 2024. Contrária desde o início a uma medida que enxerga como uma forma de AMLO manter sua base engajada em um momento em que não sofre grandes ameaças políticas, a oposição praticamente não fez campanha pela revogação, que jamais reuniu intenções de voto suficientes em qualquer pesquisa – o mandatário conta com 60% de aprovação. Em vez disso, há uma convocação pela abstenção, como protesto à medida tachada de “populista”. Mesmo na improvável hipótese de AMLO ser derrotado, o resultado só teria caráter vinculante se 40% da população comparecesse e houvesse maioria pela opção “que seja revogado o mandato por perda de confiança”. Neste caso, como o México não tem o cargo de vice, a Presidência seria ocupada temporariamente pelo líder do Congresso, o deputado Sergio Gutiérrez Luna, e os legisladores teriam 30 dias para nomear um novo governante para o país até 2024. Na BBC.
🇵🇦 Lei quer educação sexual capacitada nas escolas – O Congresso aprovou, na terça-feira (5), um projeto de lei para incentivar a educação sexual precoce nas escolas do país. O futuro “Programa de Formação em Matéria de Educação em Sexualidade e Afetividade” vai oferecer cursos de 40 horas para os professores panamenhos, buscando capacitá-los para falar com crianças sobre o tema em sala de aula. Alvo de polêmicas por fundamentalistas religiosos em outras partes da América Latina, a educação sexual precoce é considerada uma das formas mais eficientes de prevenir doenças e gestações antes do tempo, além de fornecer subsídio para que as crianças identifiquem e denunciem eventuais situações de abuso de que são vítimas. Em La Estrella de Panamá.
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Protestos no Peru.
MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
A mexicana-estadunidense Melissa Lucio pode entrar para a história como a primeira mulher latina a ser executada no estado do Texas, onde a pena de morte é prevista pela lei. A execução, marcada para o próximo dia 27, remonta a uma condenação de 2008, quando Lucio foi considerada culpada por um júri do condado de Cameron pelo assassinato (além do espancamento e tortuura) de sua filha de dois anos. Mas o caso segue obscuro: mesmo após a mulher já ter cumprido mais de 14 anos de prisão, sua defesa alega que uma nova revisão do caso mostra que Melissa é inocente – e que ela teria sido coagida a confessar o crime. Na BBC.
ARGENTINA 🇦🇷
Tremenda ironia: a camiseta que o gênio do futebol Diego Armando Maradona (1960-2020) vestiu para fazer seus dois gols sobre a Inglaterra na Copa do Mundo de 1986 irá a leilão… na própria Inglaterra. A Sotheby’s, de Londres, anunciou durante a semana que o uniforme vai para um pregão virtual a partir do próximo dia 20, com expectativa de amealhar mais de 4 milhões de libras esterlinas (quase R$ 25 milhões) como valor final. Desde aquele Mundial, a peça esteve em posse do ex-meio-campista da Seleção Inglesa, Steve Hodge, que trocou camisas com el diez após o jogo lendário e chegou a emprestá-la para a exposição do Museu Nacional do Futebol da Inglaterra, em Manchester. No famoso jogo de 1986, Maradona marcou o gol da “Mão de Deus”, em que simulou uma cabeçada mas venceu o arqueiro adversário com um punhetazo irregular, e cinco minutos depois fez o “Gol do Século”, conduzindo a bola desde seu próprio campo e driblando mais de meio time adversário no processo. A partida ganhou um lugar especial no coração argentino, também, como uma revanche por meio do esporte após a humilhação nacional sofrida na Guerra das Malvinas, em 1982 (cujo início, aliás, completou 40 anos nesta semana). No GE.
Seguindo a tendência global, a Argentina suspendeu quase todas as restrições contra a covid-19 em suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas. Com a entrada praticamente normalizada pela decisão desta quinta-feira (7), viajantes só precisam completar uma declaração jurada de que não tiveram sintomas compatíveis com a doença nas 48 horas anteriores à viagem, e estrangeiros ainda precisam contar com seguro de saúde com cobertura para covid-19. Em caráter de “recomendação”, mas sem obrigatoriedade, o novo decreto ainda sugere que não vacinados façam um teste para detectar a doença nas 24 horas seguintes à entrada na Argentina. No Ámbito.
Agenda cheia para o presidente Alberto Fernández, que, no domingo (27), recebeu seu homólogo chileno Gabriel Boric e, na quinta, fez o mesmo com o mandatário boliviano Luis Arce. Com este último, o tema da conversa foi garantir o fornecimento de gás durante o inverno, em um cenário de temor global pela falta do combustível em função do conflito russo-ucraniano. Arce assegurou que, além de cumprir com os termos já acordados para 2022, a Bolívia dará “prioridade” aos argentinos se houver incremento na produção local de gás natural. Em La Nación.
BOLÍVIA 🇧🇴
Após denúncia pública do ex-presidente Evo Morales (2006-2019), o governo boliviano trocou na última quarta-feira (6) o chefe da força antidrogas do país e ordenou a intervenção nesta unidade policial. A denúncia apresentava alguns áudios em que um coronel supostamente ordena a retirada dos agentes de um local onde teria sido encontrado um laboratório de cocaína, em Cochabamba, um dos principais produtores de folhas de coca – que, no país, é legalizada. Os resultados da investigação a respeito da denúncia de Morales devem ser apresentados em 15 dias e um novo chefe antinarcóticos assume com a missão de trocar toda a sede da Fuerza Especial de Lucha Contra Narcotráfico (FELCN) e os grupos especiais que a compõem. No El Deber.
A falta de internet adiou, por um dia, o julgamento da ex-presidenta interina Jeanine Áñez, mas a sessão teve início nesta sexta-feira (8). Áñez é acusada de sedição, conspiração, terrorismo, e pode ter uma pena de até 14 anos de cárcere. Tendo assumido o poder após o golpe de 2019, a ex-presidenta se recusou a responder a perguntas do Primeiro Tribunal de Sentença Anticorrupção, na audiência em que apresentou seu depoimento. Ela está presa preventivamente desde março do ano passado, após o Ministério Público aceitar denúncias sobre um plano de fuga – que passaria pelo Brasil. Em El Deber.
CHILE 🇨🇱
Aumento de salário e criação de vagas de emprego são algumas das metas anunciadas dentro do plano de recuperação econômica de US$ 3,7 bilhões do presidente Gabriel Boric. “Todos sabemos que estamos vivendo tempos difíceis e é dever do nosso governo trabalhar para aliviar essas preocupações”, disse. Ao citar o aumento de preços e inflação, afirmou ainda que o governo vai congelar as tarifas de transporte público pelo resto do ano e subsidiar os preços dos combustíveis. Via Reuters.
Fechadas por 17 meses, as Casas-Museu de Pablo Neruda temem ser fechadas pra valer. La Chascona em Santiago, La Sebastiana em Valparaíso e Isla Negra em El Quisco são as residências do poeta transformadas em memorial, dedicadas à vida e à obra de um dos maiores nomes da literatura latina. Após mais de um ano de clausura e uma forte queda no turismo causados pela pandemia, junto à escassez de recursos dos cidadãos locais, a fundação encarregada pela administração pede ajuda para continuar. Fernando Sáez, presidente da Fundação que administra o legado do poeta chileno e ganhador do Prêmio Nobel, diz que a situação financeira é “complexa”. Via Reuters.
Dale un vistazo:
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A Trégua – Um rasgo irônico e fatalista do cotidiano. É esse o caminho que o uruguaio Mario Benedetti pega para tecer as incomparáveis páginas de um de seus mais prestigiados romances, também considerado um dos mais importantes da literatura latino-americana. Ambientado na monotonia sem mistérios da pacata Montevidéu do final dos anos 1950, o livro conta a história de Martín Santomé, que, aos 49 anos, se vê à margem de sua iminente aposentadoria. Enquanto tenta driblar o ócio, a viuvez de longa data e a falta de cor de suas relações pessoais do dia a dia, Santomé conhece Laura Avellaneda, uma jovem que sacode sua vida cinza.
📚 ‘La Tregua’, de Mario Benedetti, foi lançado no Uruguai em 1960 e tem diversas edições brasileiras.
COLÔMBIA 🇨🇴
Vítimas de explosões causadas por minas terrestres – uma prática dantesca mas nada incomum em um país marcado por décadas de guerra civil – têm ido a público cobrar atitudes de tribunais de paz (criados no contexto da pacificação das FARC em 2016) contra os grupos rebeldes responsáveis por instalar esses artefatos em várias regiões. E não é um número pequeno: segundo dados oficiais, são mais de 12 mil pessoas afetadas por esses dispositivos, contando feridos e mortos. Para autoridades à frente de engrossar as denúncias contra os responsáveis pela instalação dos explosivos, não agir é “ver a história se repetir”. Via AP.
Caberá à Procuradoria do país determinar se as 11 vítimas do massacre de Puerto Leguízamo, no último dia 28/3, tinham mesmo relação com as dissidências das FARC, como alega o governo colombiano. A informação do inquérito foi confirmada pelo próprio ministro da Defesa, Diego Molano, que celebrou a ação na ocasião e segue sustentando que se tratou de uma “operação legítima contra uma estrutura criminosa das dissidências”. Na semana passada, a Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC) denunciou que a matança seria um novo caso de “falsos positivos”, quando civis inocentes são mortos pelas forças de segurança e têm as baixas anunciadas oficialmente como guerrilheiros abatidos em combate. Em El Heraldo.
CUBA 🇨🇺
Fim dos exames PCRs negativos para entrar na ilha. Foi o que determinou o Ministério da Saúde, diante de um bom percentual de vacinação: mais de 95% dos cubanos já têm esquema vacinal completo. Agora, a prova de não infecção não será mais cobrada no momento de entrada e vale tanto para turistas quanto para residentes que voltam do exterior. A decisão é importante à medida que o setor de turismo ainda é um dos mais importantes para a economia local, fragilizada por sanções e pelos anos de crise sanitária. Na Kawsachun.
O embargo atrapalha a vida, e agora não são apenas os cubanos – ou a Assembleia Geral da ONU, que anualmente condena a medida herdada da Guerra Fria – que estão dizendo: uma comitiva de representantes do setor agrícola dos próprios Estados Unidos passou pela ilha durante a semana e reclamou que as restrições comerciais são um sério impedimento para seus negócios. “Não conseguimos competir com outros fornecedores do mundo”, afirmou Paul Johnson, um dos líderes da Coalizão Agrícola dos EUA para Cuba. Embora o embargo tenha ganhado uma exceção para venda de alimentos em 2000, os estadunidenses ainda não podem oferecer crédito para Havana, o que na prática obriga Cuba a fazer pagamentos à vista – acabando por procurar commodities escassas no país, como o trigo, em mercados mais amistosos. Via Reuters.
EQUADOR 🇪🇨
Filme repetido: após registrar várias cenas de massacre prisional nos últimos anos, marcando um aumento da conflitos entre gangues e superlotação das cadeias a despeito da pandemia, o país voltou a virar notícia por mais um incidente dentro de unidades penitenciárias. Esta semana, durante novo motim, pelo menos 20 detentos morreram, alguns deles enforcados e mutilados, segundo confirmou o ministro do Interior Patricio Carrillo. A nova série de rebeliões e confrontos fez o governo destinar mais de mil agentes para a cidade de Turi, a pouco mais de 300 km da capital. Segundo a Anistia Internacional, só em 2021 mais de 310 presos morreram em circustâncias similares – sendo 119 em um único episódio. No Vanguardia.
GUATEMALA 🇬🇹
Vitória do movimento organizado do povo maia: o BID Invest, braço privado do Banco Interamericano de Desenvolvimento, anunciou a retirada do financiamento para a construção de duas hidrelétricas na Guatemala, citando a pressão de grupos ativistas ambientais ligados aos povos originários. Os maias alegavam que as obras provocariam danos ao ambiente e à população local. Segundo os próprios ativistas, um recuo desse tipo é inédito. Em El País.
Mas, enquanto isso, organizações civis, indígenas e campesinas do país também saíram às ruas entre terça e quinta-feira para protestar contra a lentidão do poder público diante de casos de corrupção e assassinato. Os protetos ocorreram em frente a pelo menos sete sedes do Ministério Público e cobraram um uso mais eficiente dos recursos para resolver os problemas sociais. Os povos indígenas se dizem preocupados com a guinada vista nos últimos anos, o que levou “à perda das poucas e escassas garantias e democracia que se mantinham”. A série de passeatas também pediu melhores condições diante da alta dos combustíveis – um problema regional, como explicado ao longo deste GIRO. Na teleSUR.
Un hilo:
HAITI 🇭🇹
Se as gangues controlam áreas cada vez mais extensas do país, não é de surpreender que também consigam driblar a prisão: autoridades haitianas prenderam três pessoas, incluindo um policial e um diretor de cadeia, acusados de aceitar suborno para liberar um líder de gangue conhecido como Ti Samy, no último final de semana. Vivendo um colapso político e social que se agravou com o assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho passado (caso ainda sem resolução e que virou uma verdadeira novela, como contado nesta edição), o Haiti sofre com a crescente influência de gangues sobre bairros e cidades, enquanto o poder público, alvo de crescentes protestos, pouco faz para conter a escalada do crime organizado. Via AP.
HONDURAS 🇭🇳
Esgotou-se o último recurso do ex-presidente Juan Orlando Hernández (2014-2022), que deixou o cargo em janeiro e três semanas depois foi preso, acusado de crimes relacionados ao narcotráfico pela Justiça dos EUA. Desta vez, foi a Sala Constitucional da Suprema Corte hondurenha quem concluiu, na quarta (6), que a extradição de JOH é legal e não incorre em uma “violação dos direitos humanos”, como alegava a defesa do antigo mandatário para evitar que ele fosse removido do país. Ainda não há data para que Hernández seja enviado ao Norte para encarar um julgamento que pode até lhe render uma pena perpétua – sentença já estendida a seu irmão, o ex-deputado Tony Hernández, condenado no ano passado pelas cortes estadunidenses por crimes semelhantes. JOH nega qualquer envolvimento com o tráfico e diz que, ao contrário, as acusações contra ele são obra dos próprios narcos, que o teriam denunciado como vingança pelas supostas ações de combate ao crime em seu governo. Via AFP.
“Sem diálogo até que suspendam a greve”. Foi o que disse a presidenta Xiomara Castro ao setor de transporte hondurenho, que durante os últimos dias esteve paralisado diante da alta dos combustíveis. Argumentando que já determinou baixas substanciais no preço do diesel, a mandatária disse que a manutenção do paro é “injustificada” e constitui um “boicote” ao seu governo. “Protestar é um direito, parar a circulação é um ato ilegal punível pela lei”, disse. Sem avanços, o governo anunciou na quinta (7) uma comissão especial para mediar a crise. Em El Heraldo.
MÉXICO 🇲🇽
O polêmico projeto de construção do Trem Maia – que pretende ligar os destinos turísticos de Tulum e Cancún – segue sendo alvo de críticas vindas de todos os lados. Críticas que se refletem em números: o Greenpeace Mexico já reuniu mais de 44 mil assinaturas favoráveis, senão ao cancelamento, a pelo menos que seja tornada pública uma Manifestação de Impacto Ambiental, documento responsável por trazer análises sobre a influência do ferrocarril no bioma que será cortado pelas obras. “A cada dia que passa, a destruição da selva maia avança”, diz a organização. Para especialistas, além de ameaçar espécies nativas – como o jaguar – o trem pode violar espaços de comunidades indígenas. O presidente López Obrador, que nega que o projeto vá adiante sem o devido cuidado ambiental, acusou esta e outras “organizações financiadas pelos EUA” de atuar a favor de “grupos de interesse”. Na Forbes México.
NICARÁGUA 🇳🇮
O governo Daniel Ortega concedeu nacionalidade nicaraguense a Dolores Sánchez, filha de Salvador Sánchez Cerén, ex-presidente de El Salvador (2014-2019). Vários integrantes da família do ex-mandatário vêm conseguindo passaporte no país vizinho por serem alvos de uma longa investigação por corrupção vinda da justiça salvadorenha. O próprio Sánchez Cerén e a ex-primeira dama já são legalmente nicaraguenses por essas razões. Ortega e Cerén, ambos ex-guerrilheiros e eleitos por plataformas que reivindicam preceitos de antigas revoluções, sempre tiveram boa relação. Via EFE.
PARAGUAI 🇵🇾
O Senado aprovou um projeto de lei que cria um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis, que previa subsidiar as vendas tanto de empresas privadas quanto da estatal Petropar. A medida foi apresentada pelo governo Mario Abdo Benítez na metade de março, momento de alta dos preços sobretudo pelos desdobramentos da crise na Europa. Desde então, porém, o texto foi alterado: agora, a compensação pela venda do produto foi aprovada apenas para a estatal. O fundo deve se valer de um empréstimo de US$ 100 milhões, que chega para enfrentar um cenário delicado: nos últimos 12 meses, o Paraguai registrou seis aumentos sucessivos no setor; entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022, o salto foi de 56%. Na Sputnik.
PERU 🇵🇪
O cenário sempre incerto e tempetuoso na política também reflete nas previsões econômicas. E as notícias da semana não são das melhores: nos últimos dias, o BBVA Research revisou para baixo as projeções de crescimento econômico do país – de 2,3% para 2% em 2022 e de 3% para 2,8% em 2023. Segundo a nova estimativa, apesar da melhora nos números de saúde, a queda nos índices tem relação com a baixa confiança de empresários, o aumento nos conflitos sociais e, ainda, o impacto dos conflitos na Europa na economia global. No Peru21.
Un nombre:
Cuba libre – O tradicional drink que mistura rum com Coca-Cola (além de suco de limão) e leva libre no nome pode até parecer algum tipo de provocação pós-Revolução de 1959, mas sua origem é bem anterior. Em 1900, pouco após a conquista da independência na Guerra Hispano-Americana, as primeiras garrafas de Coca começaram a ser importadas para a ilha, e a mistura com a bebida alcoólica típica do país logo virou sucesso tanto entre os militares estadunidenses que ainda andavam livremente por lá quanto entre os locais. “Cuba libre” era o grito de guerra usado pelos independentistas e não tardou para que o nome fosse adotado para o coquetel cuja combinação emulava a parceria da vitória contra a Espanha.
PORTO RICO 🇵🇷
Eternos apagões têm marcado a vida na ilha, que voltou a ficar imersa em escuridão na quarta-feira (6), após um incêndio em uma das principais usinas de energia do território associado aos Estados Unidos. Enquanto o governo falava em 350 mil clientes sem luz – um em cada quatro –, a Luma, empresa privada que assumiu a distribuição da eletricidade em 2021, admitiu que se tratava de um problema em toda Porto Rico. Em viagem à Espanha, o governador Pedro Pierluisi pediu “calma”. A população, porém, está furiosa: desde que a Luma assumiu o serviço prometendo melhorá-lo, o preço subiu e os apagones se tornaram mais constantes, tornando a empresa alvo de manifestações. A rede elétrica da ilha foi devastada pelo furacão María, em 2017, e nunca se recuperou totalmente, mas, segundo os porto-riquenhos, o serviço piorou ainda mais desde a privatização. Via AP.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Doação de vacinas, mas desta vez sem relação com a covid-19: o Brasil anunciou a entrega de mais de 1,3 milhão de doses de imunizantes contra tétano, difteria, pólio e da tríplice viral (que protege frente a sarampo, rubéola e caxumba), além de frascos de diluentes. O ministro da Saúde, Daniel Rivera, celebrou a economia que os donativos proporcionam e apontou que as vacinas serão majoritariamente destinadas ao público infantil. No Diario Digital.
Grávidas haitianas discriminadas em solo dominicano? Uma denúncia que se repete nos últimos meses foi considerada “inadmissível” e fruto de uma “maligna campanha de chantagens e manipulações” pelo Fórum Permanente de Partidos Políticos da República Dominicana, em uma carta enviada no início do mês para o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. A resposta veio após o Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher, vinculado às Nações Unidas, apontar para os sofrimentos a que parturientes vindas do vizinho Haiti seriam submetidas. Nos últimos meses, várias denúncias contra o tratamento estendido a migrantes (e gestantes) vindos de território haitiano têm se acumulado, especialmente após o presidente Luis Abinader iniciar uma campanha de contenção da imigração que inclui a construção de um muro – embora também seja verdadeiro que o legado da missão da própria ONU (como a introdução do cólera ou os filhos de soldados deixados sem pai) no Haiti só contribuiu para aprofundar as crises atuais. No Listin Diario.
URUGUAI 🇺🇾
E acabou: 753 dias depois, a emergência sanitária decretada em 13 de março de 2020 em função dos primeiros casos de covid-19 chegou ao fim nesta segunda-feira (4). O presidente Luis Lacalle Pou, que praticamente inaugurou seu mandato com a medida – ele tomou posse em 1º de março daquele ano –, justificou a decisão apontando para a “diminuição sustentada” de contágios e a “alta porcentagem” de vacinados no paisito. Mais de 80% dos uruguaios completou o ciclo vacinal original, de duas doses, e quase dois terços também receberam alguma inoculação de reforço. Em El Observador.
VENEZUELA 🇻🇪
É uma notícia raríssima na última década, mas a Venezuela finalmente começa a informar indicadores mais positivos para sua economia em frangalhos – tanto em medições oficiais quanto internacionais. Em março, a inflação oficial atingiu seu menor nível em quase dez anos, batendo em 1,4% segundo o Banco Central da Venezuela. Foi a marca mensal mais baixa reportada pelo órgão desde agosto de 2012. Foi, também, o sétimo mês consecutivo de inflação de apenas um dígito, segundo o BCV. Embora os números sejam questionados por observatórios independentes em Caracas, que apontam uma inflação de 10,5% no mês, especialistas entendem que o país parece ter finalmente deixado a hiperinflação para trás (embora ainda mantendo uma carestia elevada), fenômeno que atribuem à maior flexibilidade do governo frente a uma dolarização “não oficial” da economia. Fora do país, o banco de investimentos Credit Suisse indicou durante a semana que o PIB venezuelano poderia crescer até 20% este ano, elevando drasticamente a previsão anterior de um incremento de 4,5%, na expectativa de que a procura pelo petróleo do país (como alternativa à Rússia) volte a impulsionar a economia local.
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