Haiti: disputa de poder após assassinato do presidente
Dois potenciais sucessores de Jovenel Moïse disputam o título de primeiro-ministro. Presidente havia anunciado mudança no cargo dois dias antes de morrer. Senado ainda sugere terceiro nome
Jovenel Moïse está morto, mas o temor sobre o que virá nos próximos meses do Haiti apenas começou. Muito mais dúvidas do que respostas povoaram os dias seguintes ao magnicídio do questionado presidente haitiano, nas primeiras horas da madrugada de quarta-feira (7), e desde então o país vem registrando prisões, linchamentos e mortes de suspeitos envolvidos no crime político. Tudo isso enquanto dois homens disputam o posto de primeiro-ministro, cargo que na prática se tornou o mais poderoso do país na ausência do presidente; o calendário eleitoral ratificado na semana passada agora volta a ser colocado em situação incerta; e ainda não há pistas claras sobre os responsáveis por trás da operação que culminou no atentado.
É preciso desenrolar a trama por partes: Moïse, que tinha 53 anos e estava no poder desde 2017, foi vitimado em um atentado que também feriu sua esposa, Martine, levada às pressas para o hospital e cuja morte chegou a ser confirmada erroneamente por diferentes veículos – ela, na verdade, foi transportada a Miami. Falando na condição de primeiro-ministro, posto que agora é disputado, Claude Joseph condenou o assassinato horas depois, informando ainda que os responsáveis “falavam espanhol”. Ao longo da quarta-feira, supostos vídeos do ataque começaram a circular nas redes, confirmando essa versão e demonstrando que os assassinos também conversavam em inglês e chegaram a anunciar que eram parte de uma operação da DEA, o órgão antidrogas dos EUA. A operação é negada por Washington e bastante improvável mesmo para os padrões intervencionistas norte-americanos. Mas a presença de estrangeiros reforçou a tese de que se trataria de uma operação envolvendo mercenários – falta entender, agora, quem os teria contratado, dentre os vários interessados em se livrar de Moïse.
Até sexta-feira (9), o diretor-geral da polícia nacional haitiana, Leon Charles, havia confirmado a detenção de 28 suspeitos de envolvimento no crime, sendo 26 colombianos e outros dois estadunidenses de ascendência haitiana. Charles também falou em três mortes confirmadas nas ações para prender os suspeitos, um número que permanece contraditório: informações anteriores da própria polícia falavam em quatro falecidos (até o fechamento deste GIRO, não houve explicação formal para a discrepância) e, na véspera, autoridades haviam dito que o total de suspeitos mortos, na realidade, já chegava a sete – alguns dos quais teriam sido executados por turbas enfurecidas nas ruas de Porto Príncipe. Em meio a um cenário de caos geral, onze das prisões ocorreram dentro da Embaixada de Taiwan, que teria sido invadida pelos mercenários armados na quinta-feira, em busca de refúgio. Segundo autoridades taiwanesas, o prédio havia sido evacuado por razões de segurança após a morte de Moïse, o que facilitou a entrada à revelia dos assassinos.
Enquanto a polícia efetua prisões e tenta determinar responsabilidades – em um cenário em que as próprias forças policiais já vinham passando por meses de instabilidade interna, com motins e chacinas se repetindo pelo país sem que o governo realmente conseguisse controlar a situação –, o poder político segue como um cabo de guerra. Claude Joseph vem agindo como primeiro-ministro (e, na prática, chefe supremo do país após a morte de Moïse) e já recebeu apoio internacional para conduzir a conturbada transição pós-magnicídio, mas no próprio Haiti seu posto é questionado devido a uma nomeação de última hora feita por Moïse às vésperas do assassinato: na segunda-feira (5), em ato publicado no Diário Oficial e divulgado nas redes sociais, o presidente agora morto havia anunciado que substituiria Joseph por Ariel Henry – na ocasião, o próprio Joseph chegou a parabenizar o sucessor.
Existe até mesmo uma facção oposicionista que defende nomear Joseph Lambert, líder do Senado que deixou de legislar por falta de quórum em janeiro de 2020, como presidente provisório. Na prática, porém, o antigo primeiro-ministro segue exercendo o cargo e acumulando a função de chefe do Executivo. Também parece haver um reconhecimento internacional tácito de Claude Joseph como governante interino, já que ele vem mantendo um canal aberto de comunicação com autoridades estrangeiras, a despeito dos protestos de Henry: na sexta, conversou em caráter oficial com o presidente colombiano Iván Duque, uma figura relevante na equação já que dezenas de compatriotas seus estariam implicados no crime, e chegou a solicitar formalmente aos EUA apoio militar para estabilizar o país e proteger infraestrutura essencial. Em entrevista à agência AP, Joseph condenou os adversários que estariam tentando utilizar a crise para assumir o governo, disse “não estar interessado em uma disputa de poder” e que a “única maneira” de alguém virar presidente é através de eleições.
A trama, porém, não vem de agora: Jovenel Moïse já havia denunciado em fevereiro que um grupo de oligarcas o queria morto, principalmente quando a oposição tentou removê-lo do cargo à força, em uma manobra que o governo conseguiu desbaratar a tempo e qualificou de “golpe”. No centro do debate, estava uma divergência de interpretações constitucionais: a oposição entende que o mandato de cinco anos de Moïse contava a partir de 2016, quando ele deveria ter tomado posse, enquanto o presidente defendia que o tempo se iniciava em 2017, quando efetivamente assumiu, após meses de crise institucional. Apesar de deter todo o poder formal, na realidade Moïse conduzia um governo cada vez mais fraco e incapaz de controlar a situação de um país que vinha entrando em uma espiral crescente de violência urbana, com uma sucessão de motins policiais, sequestros de estrangeiros para cobrar resgate, e disputas territoriais entre milícias e gangues que desalojaram cerca de 10 mil pessoas em Porto Príncipe só no mês de maio, segundo a ONU. No final de junho, o líder de uma das principais gangues locais chegou, inclusive, a prometer que iniciaria uma “revolução” no país. O Haiti, que convive com um legado de instabilidade e violência desde a época da fracassada intervenção militar brasileira no país (que causou até mesmo um surto de cólera por culpa das Nações Unidas), também enfrenta uma situação dramática de apagão de informações sobre a pandemia e continua como o único latino-americano que ainda não vacinou ninguém contra a covid-19.
O assassinato de Moïse ocorreu apenas 81 dias antes do que poderia ser a volta das eleições no país. Embora não houvesse qualquer garantia de que o calendário seria efetivamente seguido, o presidente havia afirmado na semana anterior que, em 26/9, os haitianos poderiam escolher o novo mandatário, renovar o Congresso e, ainda, votar em uma polêmica reforma constitucional – que ele próprio tentava impulsionar e que poderia aumentar ainda mais os poderes presidenciais. Uma figura impopular desde que tomou posse, após um processo eleitoral conturbado em que se elegeu com menos de 600 mil votos em um país de 11 milhões de habitantes, Moïse já era chamado de “ditador” pela oposição e vinha governando por decreto desde o início do ano passado, quando o Congresso deixou de funcionar pelo fim dos mandatos da maior parte dos legisladores – eleições que ocupariam esses cargos, previstas para 2019, nunca foram realizadas, devido à crise social e política que se arrasta há anos no país e aos protestos contra a gestão de Moïse.
Agora, enquanto ainda não tem certeza sobre quem realmente ditará os rumos do Haiti nos próximos meses, o país que teve mais de 20 governos nos últimos 35 anos também se pergunta se há alguma chance de as datas eleitorais previstas para setembro se manterem – e quanto sangue ainda pode ser derramado nas intrigas palacianas que se seguem ao primeiro assassinato de um presidente em exercício na América Latina neste século.
Para que o GIRO continue acompanhando o que acontece na região com profundidade e qualidade, seu apoio é fundamental. Com a sua ajuda, podemos seguir a América Latina ainda mais de perto.
Un sonido:
DESTAQUES
🇵🇷 4 dias sem mortes – Números animadores: enquanto evolui com uma vacinação rápida para os padrões latino-americanos, a ilha chegou a quatro dias consecutivos sem reportar mortes por covid-19, entre domingo e quarta-feira (7). Na sexta, voltou a registrar um dia sem óbitos, para fechar a semana com apenas três novas mortes atribuídas ao coronavírus nos últimos sete dias, o menor número semanal em mais de um ano (igualando a semana encerrada em 3 de julho de 2020). Até aqui, Porto Rico deu conta de imunizar 54% de sua população de quase 3,2 milhões de habitantes. A semana também foi de baixa na maior parte da região, que reportou seus menores números de casos e mortes desde março (clique aqui para ler nosso levantamento semanal da pandemia). No Hola.
🇭🇳 Executivo condenado no caso Berta Cáceres – A Corte Suprema de Honduras condenou o executivo da empreiteira DESA, David Castillo, pelo assassinato da ativista indígena Berta Cáceres em 2016 (saiba mais neste hilo), totalizando oito pessoas condenadas até aqui. Segundo a corte, Castillo (um ex-militar hondurenho do setor de inteligência treinado nos EUA) teria trocado mensagens com sicários, o que levou ao entendimento de que ele estaria por trás da elaboração intelectual do crime. Foi a primeira condenação de um membro do alto escalão da empresa responsável por propor projetos de uma hidrelétrica que violaria um espaço ocupado por indígenas lenca, o que passou a ser o tema da militância liderada por Berta. Castillo, inclusive, chegou a se aproximar da ativista para obter mais informações sobre os locais de protestos, o que teria facilitado a execução. A decisão foi celebrada por pessoas ligadas à liderança campesina, mas as demandas seguem: organizações de direitos humanos querem ver punidos os membros da influente família Atala, donos da DESA. Em El País.
🇦🇷 Semana difícil para Mauricio Macri – Um novo revés para a família do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019): a Justiça argentina determinou a falência da companhia Correo Argentino S.A., que há décadas travava uma guerra judicial com o Estado por conta das dívidas milionárias. A decisão ordena embargo de contas do correio argentino, privatizado e vendido na década de 1990 à empresa do pai de Mauricio, Franco Macri. Durante a presidência de Macri, houve uma possibilidade de negociar a dívida em 15 prestações, mas o tiro saiu pela culatra: tornou-se um escândalo que acusava a família do mandatário de ser favorecida pelo acordo. Já o ex-presidente diz que as recentes decisões seriam atos de “vingança” por parte do atual governo. Por coincidência, a privatização dos Correios foi um dos assuntos mais discutidos no Brasil nos últimos dias. Aliás, a semana teve más notícias em dobro para o ex-presidente argentino: na quinta (8), o governo boliviano divulgou documentos implicando a participação da administração de Macri – e do equatoriano Lenín Moreno – no fortalecimento da interina Jeanine Áñez, na sequência do golpe que derrubou Evo Morales em 2019. Após a difusão do material, que indica o envio de munições da Argentina para a repressão interna na Bolívia, o atual presidente Alberto Fernández pediu “desculpas em nome do povo argentino”.
🇺🇾 Lei de Lacalle Pou pode cair – Uma impressionante vitória da mobilização popular foi registrada pela oposição ao presidente Luis Lacalle Pou, com a obtenção de assinaturas suficientes para submeter 135 artigos da Lei de Urgente Consideração (LUC) a um referendo capaz de revogá-los. Ampla reforma que muitos equipararam a uma verdadeira alteração constitucional, a LUC foi aprovada em julho do ano passado e era vista como a primeira grande conquista política do novo governo conservador uruguaio (relembre no GIRO #38), que havia tomado posse quatro meses mais cedo. Mesmo após sancionada, a LUC poderia ser colocada em votação popular desde que 25% do eleitorado do país assinasse um pedido nesse sentido antes que a lei completasse seu primeiro ano, neste mês – e a oposição conseguiu com sobras: precisando de cerca de 672 mil assinaturas em um universo de 2,7 milhões de votantes habilitados, o movimento beirou as 800 mil adesões. Agora, uma vez que o abaixo-assinado esteja aprovado pela Corte Eleitoral (é preciso garantir que as firmas sejam válidas), os 135 artigos questionados deverão passar pelas urnas para seguirem valendo. “São quatro Maracanãs de 1950 lotados”, celebrou Fernando Pereira, presidente da PIT-CNT, maior central sindical do país, fazendo referência ao Maracanazo. Em El Observador.
🇸🇻 Bukele volta a atacar imprensa – O cada vez mais autoritário presidente Nayib Bukele expulsou de El Salvador o jornalista mexicano Daniel Lizárraga, editor do portal El Faro. Vista por organizações defensoras de direitos humanos como mais uma medida de “assédio sistemático” do governo contra a imprensa, o cerco a Lizárraga, segundo autoridades, acontece sob a desculpa de que não seria possível comprovar a atividade profissional do repórter – que atua na área desde 1993 e tem uma vasta lista de reportagens investigativas que, no passado, sacudiram governantes no México. A briga também é pessoal: o mesmo El Faro foi responsável por denunciar que o governo Bukele teria negociado com gangues do país por baixo dos panos para reduzir os números da violência, pilar do apoio massivo mantido por Bukele desde sua posse, em 2019. Além de escandaloso, o furo do veículo mais perseguido pelo mandatário (saiba mais no GIRO #46) também revelou possíveis trocas de favores políticos entre o poder oficial e as temidas maras, prática que o próprio Bukele usa para criticar antigas administrações. Em El País.
Un video:
MAIS NOTÍCIAS
REGIÃO 🌎
A Justiça italiana confirmou, na sexta (9), a condenação à prisão perpétua de 14 repressores envolvidos no assassinato e desaparecimento de cidadãos do país europeu durante as ditaduras do Cone Sul, no marco da Operação Condor, durante os anos 1970 e 1980. A sentença envolveu agentes uruguaios (um dos quais vive no Brasil) e chilenos. Um deles, o ex-tenente uruguaio Néstor Troccoli, vive na Itália e terá que cumprir a pena de imediato. Para os demais, Roma também deve solicitar extradição, embora seja improvável que o pedido venha a ser acatado. Entre os desdobramentos da investigação está a possível condenação de um ex-agente da ditadura brasileira, Áttila Rohrsetzer, cuja sentença em primeira instância é aguardada para outubro. No Opera Mundi.
Deu o que muitos queriam: a finalíssima da conturbada e infecciosa Copa América 2021, que terminou com mais casos de covid-19 do que gols, colocou os favoritos Brasil e Argentina frente a frente, em uma final no estádio do Maracanã, que acontece às 21 horas deste sábado (10). Com o fim do torneio polêmico, agora resta à Conmebol lidar com outros problemas: além de uma pandemia que segue sem data para terminar na região a despeito das competições geridas pela entidade (como a Copa Libertadores), a autoridade máxima do futebol sul-americano também terá que arcar com um prejuízo de mais de R$ 74 milhões, ainda assim considerado inferior ao custo de não ter realizado o torneio. Às vésperas do jogo, também se confirmou que o Maracanã receberá público, após a prefeitura do Rio de Janeiro liberar 10% da capacidade. Enquanto a principal competição de seleções da América do Sul termina, o sábado também marca o início do torneio que reúne os países ao norte do Canal do Panamá: nos EUA, a Copa Ouro tem início com um duelo entre El Salvador e Curaçao – os anfitriões e o México, que conquistaram 14 títulos em 15 edições (a outra foi para o Canadá), são amplos favoritos na disputa que reúne 16 times das Américas do Norte e Central e do Caribe.
A variante lambda da covid-19, identificada pela primeira vez no Peru, começa a preocupar autoridades na América Latina. Se hoje a gama (anteriormente chamada de “brasileira”) ainda é a principal cepa encontrada na região, a lambda já é dominante no país andino e, como todas as variantes de preocupação, poderia vir a ocasionar novas ondas em locais onde as populações ainda estão suscetíveis a cepas desconhecidas. No Brasil, até o momento, há confirmação de três casos e um óbito ligados à variante peruana. Apesar da preocupação, sua disseminação, bem como os métodos de prevenção, permanecem os mesmos das versões já conhecidas do vírus. Na CNN.
A América Central viveu um apagão na tarde de quarta-feira (7), após uma falha de origem desconhecida que afetou todo o sistema de distribuição regional, deixando Honduras totalmente sem luz, além de partes de Guatemala, Nicarágua e El Salvador. Autoridades ainda investigam as razões para o problema, que não é exatamente raro: o último apagão do tipo ocorreu há dois anos. Via EFE.
ARGENTINA 🇦🇷
Morreu aos 79 anos o senador Carlos Reutemann, bastante conhecido por sua carreira prévia como piloto de Fórmula 1, sobretudo pela ferrenha disputa do título mundial de 1981 contra o brasileiro Nelson Piquet, quando perdeu por um ponto na última corrida. Além da carreira esportiva, Reutemann também teve longa trajetória política após deixar as pistas: foi duas vezes governador da província de Santa Fe, departamento que representava no Senado desde 2003. O peronista também foi cotado várias vezes para se lançar à presidência, mas nunca se animou com a ideia. No GE.
Un clic:
BOLÍVIA 🇧🇴
O cerco contra os golpistas segue se fechando: na segunda (5), o Ministério Público da Bolívia decidiu aceitar uma denúncia pelo crime de genocídio contra a ex-presidenta Jeanine Áñez (2019-2020) diante dos massacres de Senkata e Sacaba, que deixaram pelo menos 30 civis mortos por conta da ação de agentes segurança. Presa preventivamente desde março (saiba mais neste vídeo) sob acusações de terrorismo e sedição (os mesmos crimes pelos quais o governo golpista acusou o Evo Morales em 2019, obrigado o líder deposto a sair do país), Áñez agora aguarda a procuradoria decidir se há base legal para a nova e mais grave denúncia que recebeu até aqui. E não para por aí: durante a semana, outros dois militares foram detidos pela participação na trama golpista, aumentando a lista de antigos artífices da crise boliviana que entraram na mira da justiça por alguma razão (saiba mais no GIRO #83). Na DW.
CHILE 🇨🇱
Seguem os ventos progressistas com a eleição de Elisa Loncón para presidir a Convenção Constitucional do país, iniciada no último domingo (4) e responsável por apresentar uma nova Carga Magna nos próximos meses. De origem mapuche (etnia indígena que representa 84% dos mais de 1,5 milhão de integrantes dos povos nativos no país), a nova liderança é professora universitária e estuda o mapudungún, o idioma dessa população originária. “Essa Constituição vai mudar o Chile”, disse, empolgada, a agora responsável pelo grupo de 155 representantes que deve redigir um novo texto. Na quarta (7), outra decisão recheada de simbolismo: a Constituinte aprovou uma resolução cobrando do governo a anistia imediata aos manifestantes presos no marco dos protestos iniciados em 2019, bem como de militantes mapuche detidos em meio aos conflitos no sul do país de 2001 para cá. O pedido por urgência e celeridade no indulto pressiona La Moneda, mas não garante que Sebastián Piñera efetivamente ouvirá os constituintes. Em La Tercera.
Por fim sentindo o impacto positivo da vacinação após viver a paradoxal situação de enfrentar subidas recorde de casos enquanto era o país que mais imunizava no mundo (um misto de relaxamento precoce das restrições com uma porcentagem ainda insuficiente, embora alta, de pessoas devidamente vacinadas), o Chile agora quer dar um passo à frente: nos últimos sete dias, o país registrou 19,7 mil casos novos, seu menor número semanal em 2021, e atingiu a marca de 57,7% da população totalmente imunizada. Com isso, vem uma nova rodada de flexibilizações: mesmo em locais em quarentena, agora será possível abrir colégios e jardins de infância; o toque de recolher passa das 22 horas para a meia-noite em regiões onde 80% da população já foi totalmente vacinada e haja menos de 150 casos ativos; e pessoas que já completaram o esquema vacinal poderão passar a frequentar estádios, cinemas e o interior de restaurantes. Além de reativar a economia, a medida, que se baseia em critérios de vacinação, busca incentivar quem ainda não se imunizou a buscar suas doses – como acontece em outros países com campanhas avançadas, a maioria dos novos casos e óbitos no Chile ocorre em não vacinados. Em La Tercera.
COLÔMBIA 🇨🇴
O massacre de ativistas e ambientalistas segue: no início da semana, o médico e líder social Fernando Vela, 42, foi morto a tiros no departamento de Caquetá, no que pode ter sido um crime encomendado. Com a morte de Vela, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), já são 86 pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos mortas este ano. O número é ainda maior desde 2015, quando das primeiras negociações de paz que levariam à trégua entre o governo colombiano e as FARC: mais de 1,2 mil defensores foram assassinados desde então. Na teleSUR.
A Justiça colombiana acusou, na terça (6), dez membros das Forças Armadas pelo envolvimento em 24 desaparecimentos e 120 mortes relacionadas ao escândalo dos “falsos positivos”, quando civis assassinados pelo Estado eram identificados pelas autoridades como guerrilheiros – uma prática recorrente que se intensificou durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010). Foi a primeira vez que a Jurisdição Especial pela Paz (JEP), criada em paralelo aos Acordos de Paz de 2016 que desmobilizaram as antigas FARC, acusou formalmente militares colombianos pelo caso dos falsos positivos. Os crimes em questão teriam ocorrido entre 2007 e 2008, no departamento de Norte de Santander. Via Reuters.
COSTA RICA 🇨🇷
Vários elogios foram recebidos pelo país centro-americano durante a semana, de olho em políticas para o futuro: a Conferência da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) alertou que a maioria dos países em desenvolvimento continua muito dependente da exportação de matérias-primas, e citou a Costa Rica como exemplo de nação que deixou esse ciclo para trás – se em meados dos anos 1960 cerca de 83% das exportações estavam relacionadas a alimentos, quatro décadas mais tarde o peso desse setor já havia caído para 24%, e a principal venda para o exterior passou a ser de microcircuitos eletrônicos. Além dos elogios à inovação e investimentos em tecnologia feitos pela UNCTAD, a Costa Rica também foi exaltada como a detentora da melhor política sanitária do mundo diante da crise climática, em um informe elaborado pela Aliança Global pelo Clima e pela Saúde (GCHA, na sigla em inglês), que criticou as más ações de países ricos em relação ao tema.
CUBA 🇨🇺
O Elsa, tempestade tropical que chegou brevemente a ostentar o status de furacão (tornando-se o primeiro da temporada no Caribe), deixou estragos em Cuba: a parte oriental da ilha sofreu na segunda-feira (5) com ventos de até 100 km/h, que deixaram um saldo de 200 mil desabrigados em meio ao pior momento da pandemia – uma preocupação a mais já que a realocação de pessoas costuma gerar aglomerações em locais de morada temporária. Apesar da destruição, que também arruinou lavouras da região, nenhuma vida foi perdida como consequência do ciclone. Em El País.
Un nombre:
Wenüfoye – palavra do idioma mapudungún que se refere a uma sagrada árvore para os mapuche (“canelo do céu”, que em português ganha o nome de casca-de-anta), é o nome dado à colorida bandeira-símbolo desse povo. O emblema ficou conhecido fora do país durante as manifestações de 2019, que levaram ao “sim” dito à redação de uma nova Constituição, mas voltaram a aparecer nas imagens recentes da professora de origem mapuche Elisa Loncón, eleita presidenta do grupo responsável por refundar a Carta Magna chilena (saiba mais na seção do país). Apesar da fama recente, a origem é mais antiga: foi criada no início da década de 1990, quando povos indígenas duramente massacrados pelos anos de ditadura voltaram a reivindicar sua representatividade por meio de um novo símbolo. A bonita bandeira que se usa hoje (veja em Un clic) foi a vencedora entre vários desenhos propostos à época.
EQUADOR 🇪🇨
A crise da pandemia também é social: segundo o Ministério da Economia e Inclusão Social, três de cada 10 equatorianos estão abaixo da linha da pobreza como consequência direta do coronavírus, o que atinge mais de 5 milhões de habitantes. O delicado quadro social tem feito o governo pensar soluções que aumentem o colchão financeiro para transferir renda, sobretudo em um momento em que a economia ainda não voltou aos patamares pré-pandemia: com mais 22 mil companhias evaporando e uma queda do PIB de 7,8% em 2020, é possível que os patamares de pobreza se mantenham por pelo menos mais um ano. Via AP.
GUATEMALA 🇬🇹
Nova visita de figurões estadunidenses ao país para discutir a questão migratória: na quarta (7), o secretário de Segurança Interior dos EUA, Alejandro Mayorkas, participou da inauguração de um centro de recepção de deportados guatemaltecos, estrutura que recebeu US$ 1,2 milhão em investimento norte-americano e promete ajudar os migrantes frustrados a encontrar “um emprego digno” no próprio país. Na sexta, senadores dos dois grandes partidos de Washington também se reuniram com o presidente Alejandro Giammattei para propor investimentos e insistir que a Guatemala seria “um país perfeito” para que solicitantes de asilo nos EUA aguardem a resposta a seus pedidos, sem atravessar o México rumo à fronteira. A busca dos dias de Donald Trump permanece no governo Joe Biden, mas desta vez com mais afagos e promessas de dinheiro ao governo guatemalteco – tudo para tentar conter a imigração irregular vinda da América Central. Via AFP.
MÉXICO 🇲🇽
Foi preso durante a semana o ex-comandante da Polícia Federal mexicana Luis Cárdenas Palomino, acusado de promover torturas e de receber propinas milionárias dos cartéis de drogas. Nome forte ao lado do também investigado Genaro García Luna, ex-secretário de Segurança Pública (2006-2012), que hoje enfrenta os tribunais nos EUA, Palomino é considerado um dos principais articuladores de esquemas de corrupção dentro de órgãos de polícia. Sem ainda confirmar se o oficial será extraditado, o presidente López Obrador disse que a detenção é uma prova de que o México “não vai tolerar corrupção e abusos”. Via AP.
O cinematográfico ojo de fuego que se formou em alto mar no Golfo do México e se alastrou pelas redes sociais foi causado por uma sucessão de eventos bizarros: segundo a estatal petrolífera Pemex, detentora das tubulações de onde o óleo vazou e subiu à superfície para causar o inusitado incêndio, tudo começou quando uma forte chuva coincidiu com um vazamento na estrutura, fazendo dos raios verdadeiros botões de ignição. Apesar de muitas críticas por parte de ambientalistas – incluindo uma nada discreta cutucada de Greta Thunberg – o presidente López Obrador seguiu defendendo o ramo: “melhor negócio do mundo”. Via AP.
Apropriação cultural. É o que o Instituto Nacional de Povos Indígenas do México acredita que a varejista estadunidense Anthropologie esteja fazendo com símbolos usados pela etnia indígena mixe. A organização notificou a marca, pedindo que parem imediatamente de usar o design historicamente associado à comunidade que vive em Tlahuitoltepec, estado mexicano de Oaxaca, já que essa minoria não havia autorizado o uso. Via AP.
NICARÁGUA 🇳🇮
Subiu para seis o número de possíveis candidatos à presidência detidos pela polícia do país, fato que veio na esteira de outras cinco detenções de figuras que fazem oposição ao governo de Daniel Ortega, presos sob o argumento de que estão “traindo” o país (saiba mais neste vídeo). Em nova retaliação a só mais uma medida governista tida como arbitrária por ONGs e pela comunidade internacional, a União Europeia prometeu mais sanções contra a Nicarágua – o que também só inflama o discurso de Ortega contra qualquer contradição. No Confidencial.
PANAMÁ 🇵🇦
Algumas boas notícias: após ver sua economia cair assombrosos 17,9% em 2020, o país caribenho também deve ter uma das maiores retomadas econômicos ao passo que a pandemia vai sendo combatida: segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), o PIB panamenho deve crescer 12% em 2021 e 8,2% em 2022. Ainda assim, o governo terá o desafio de reduzir a desigualdade e contornar a alta da pobreza. Na Prensa.
Un hilo:
PARAGUAI 🇵🇾
A pandemia segue descontrolada: ao ultrapassar 1.877 mortes por milhão de habitantes atribuídas à covid-19 na segunda (5), o país superou os Estados Unidos no número de fatalidades proporcionais. Agora ocupando a 19ª posição do ranking mundial liderado pelo Peru (que tem mais de 5,8 mil mortes por milhão de pessoas), o Paraguai continua enfrentando os problemas que levaram ao colapso em 2021: faltam leitos, insumos e a vacinação caminha lenta e problemática, dependendo muito de doações. Até o fechamento desta edição, menos de 4% dos paraguaios haviam sido totalmente vacinados, um dos números mais baixos do subcontinente.
PERU 🇵🇪
Ainda sem ter sua vitória homologada no segundo turno das eleições presidenciais (realizado há 34 dias), Pedro Castillo continua sua caminhada de diálogo para tentar acalmar o mercado. O presidenciável, que iniciou a campanha com um discurso radical à esquerda, vem moderando sua postura econômica desde que se tornou um candidato viável: após convidar o atual presidente do Banco Central para que permaneça no cargo, Castillo agora estaria planejando um gabinete em que “tecnocratas” contrabalançariam a presença de aliados políticos, segundo fontes ouvidas pela Reuters, em mais um movimento interpretado como uma busca por afastar o discurso fujimorista de que o novo governo colocaria o Peru no caminho do “comunismo”. Ainda não há previsão de quando os resultados oficiais serão proclamados, e permanece a expectativa de que isso ocorra antes do dia 28, quando o eleito deveria tomar posse e uma não homologação poderia levar a uma crise constitucional.
PORTO RICO 🇵🇷
O ex-governador Ricardo Rosselló (2017-2019) teve seu nome confirmado como um dos delegados que trabalharão junto ao Congresso dos EUA no pleito para converter Porto Rico no 51º estado da União. Hoje na condição de estado livre associado, a ilha votou no ano passado em mais um plebiscito requisitando sua entrada formal nos EUA. Rosselló, que renunciou em 2019 em meio a escândalos envolvendo mensagens homofóbicas vazadas que levaram multidões às ruas, volta à arena política porto-riquenha pela força de seus apoiadores, que garantiram votação suficiente em seu nome mesmo sem ele nem sequer constar na cédula oficial de escolha dos delegados (relembre no GIRO #82). Apesar da vontade dos habitantes da ilha em convertê-la em parte dos EUA, o lobby se faz necessário porque o pedido só avança se o Congresso em Washington decidir dar ouvidos à demanda – uma tarefa particularmente difícil porque os republicanos, temendo ver o surgimento de um novo estado fortemente democrata, obstruem a pauta há décadas. Via EFE.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Após o assassinato de Jovenel Möise, presidente do vizinho Haiti, o governo dominicano resolveu fechar as fronteiras que dividem a ilha de Hispaniola. O clima é de preocupação: temendo que o magnicídio leve a uma convulsão social ainda maior do lado haitiano, o presidente Luis Abinader passou os últimos dias reunido com membros da cúpula militar. Ainda que o mandatário tenha lamentado publicamente o crime, as relações entre os vizinhos insulares vinham recrudescendo nos últimos tempos: como contamos no GIRO #81, o lado dominicano resolveu erguer um polêmico muro em passagens fronteiriças identificadas como foco de contrabando e imigração ilegal. Na BBC.
URUGUAI 🇺🇾
Mais problemas para o multilateralismo regional: o país anunciou na quarta (7) que passará a negociar acordos comerciais de forma independente do Mercosul. Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores reiterou antigas requisições, dizendo que a decisão vai no caminho de “modernizar” o bloco por meio de uma agenda “mais ágil, dinâmica, flexível e permanente”. Ainda assim, e em meio a críticas do governo paraguaio, Montevidéu vai permanecer no bloco. A decisão tomada pelo governo de Luis Lacalle Pou mina ainda mais as relações dos quatro integrantes do grupo econômico, que já viu a Argentina suspender temporariamente sua participação em 2020 (saiba mais no GIRO #27) e Jair Bolsonaro sabotar os acordos com a União Europeia (como contamos no GIRO #33). Na RFI.
VENEZUELA 🇻🇪
Nova rodada de negociação entre o governo e a oposição venezuelanas deve ter lugar em agosto, segundo fontes ouvidas pela agência Reuters. Com mediação internacional, o encontro aconteceria no México. O anúncio vem após vários acenos de Nicolás Maduro no sentido de abrandar as restrições à oposição (leia mais no GIRO #88) e promessas de EUA e União Europeia de que poderiam revisar as sanções desde que houvesse “avanços significativos” rumo a “eleições transparentes”.
Segundo novo informe da ONU, houve uma diminuição nos números na violência cometida pelas forças de segurança do país, mas o problema ainda segue. Nas palavras da alta comissária para os Direitos Humanos da entidade, Michelle Bachelet, a atividade repressiva ainda restringe o espaço cívico, em particular “contra vozes dissidentes, especialmente em direção à sociedade civil, imprensa e membros da oposição”. Mais uma vez, o governo rebateu: “acusações não verificadas feitas a partir de supostas queixas de violação”. Na Prensa de Lara.
Após meses denunciando que as sanções impostas pelos EUA bloquearam o acesso do país ao dinheiro necessário para pagar as vacinas acertadas em abril junto ao consórcio global Covax, a Venezuela por fim conseguiu saldar a dívida e agora terá acesso às 11 milhões de doses combinadas. De acordo com os responsáveis pelo Covax, os imunizantes serão liberados tão logo o fundo tenha as doses da marca escolhida pelo governo em Caracas. A administração chavista acusou de “crime de lesa-humanidade” o atraso na entrega de vacinas causado pela pendência econômica, e repetidamente exigiu a devolução das parcelas pagas anteriormente ou a entrega imediata de doses. Via EFE.