🇺🇾 Caso Marset: entenda o escândalo que sacode o Uruguai
Além de gerar crise política em Montevidéu, trama envolvendo emissão de passaporte para narco foragido também deixa rastros na Bolívia, Brasil e até no assassinato de promotor paraguaio Marcelo Pecci
Não é todo dia que você vê o governo uruguaio, considerado um dos mais estáveis da vizinhança, em temporada de renúncias e escândalos. Mas foi o que aconteceu nos últimos dias: no espaço de menos de uma semana, pelo menos quatro nomes do alto escalão do poder em Montevidéu pediram para sair, entre eles os ministros do Interior e das Relações Exteriores. E tudo por causa de um passaporte.
Quem caiu primeiro foi o chanceler Francisco Bustillo. Considerado um importante aliado do presidente Luis Lacalle Pou, ele entregou o cargo na quarta-feira passada (1º), no contexto da divulgação de uma série de áudios em que o agora ex-ministro aparece, supostamente, tentando ocultar informações a respeito da tramitação de documentos para o narcotraficante uruguaio foragido Sebastián Marset, o pivô de toda a crise atual. A saída de Bustillo aconteceu na sequência de depoimentos prestados no mesmo dia por sua antiga subordinada, a ex-vice-chanceler Carolina Ache. De acordo com o material divulgado e com as declarações dadas por ela ao Ministério Público, Bustillo teria ignorado alertas feitos anos atrás por membros do governo sobre a periculosidade de Marset.
O coração da trama está na emissão de um passaporte para o narcotraficante, solicitado em outubro de 2021. Marset recebeu o documento no mês seguinte, enquanto ainda estava detido nos Emirados Árabes – justamente por tentar sair do país com um passaporte paraguaio falso. E aqui entra o ponto de divergência entre as autoridades que renunciaram: enquanto Bustillo nega ter sido possível saber quem realmente era Marset à época, Carolina Ache diz que conversas entre ela e Guillermo Maciel, o “número dois” do Ministério do Interior, já descreviam o homem detido como alguém “muito perigoso” e cuja liberação seria “algo terrível”. Ao lado do titular da pasta, Luis Alberto Heber, Maciel também renunciou na semana passada.
Segundo a antiga funcionária, seriam exatamente essas as conversas que Bustillo teria tentado ocultar. Assim, evitaria acusações de omissão a respeito do passaporte emitido para um cidadão procurado não apenas por autoridades latino-americanas, mas também pela Interpol e pela agência antidrogas dos EUA, a DEA. Em outro áudio de novembro de 2022, supostamente gravado um mês antes da renúncia da própria Ache, seu então superior teria sugerido que ela “perdesse o celular” para evitar que as conversas sensíveis vazassem. Bustillo, por sua vez, negou qualquer irregularidade, dizendo que suas falas foram “tiradas de contexto”, que sua ex-subordinada “plantou informações” na investigação e que, a respeito do celular, teria apenas dado uma sugestão “de forma figurada”.
Marset já tinha sido preso no Uruguai em 2013 por tráfico de drogas e cumpriu cinco anos de pena no presídio de Libertad, perto de Montevideú. Em 2022, a operação A Ultranza, no Paraguai, prendeu oito pessoas ligadas às atividades criminosas de Marset; e, em agosto deste ano, foi a vez da Bolívia seguir pelo mesmo caminho.
Seja como for, Bustillo já não é mais chanceler. Em sua carta de renúncia, reiterou que “não houve nada de ilegal” na tramitação do passaporte de Sebastián Marset. E completou: “as coisas não aconteceram como foram mostradas, mas são sensíveis o suficiente para que eu apresente minha imediata demissão ao presidente”. Ache, enquanto isso, desabafou, dizendo ter percebido que “todos já sabiam do que se tratava muito antes de mim” e que foi a única do governo a renunciar “não por ter feito algo incorreto ou ilegal”, mas “por não estar disposta a esconder comunicações da Justiça e por ter me negado a cometer um crime”.
Os dias que sucederam o terremoto político foram, obviamente, de tensão. Lacalle Pou digeriu todas as informações diretamente dos EUA, onde esteve até o último sábado (4) para compromissos comerciais com o governo de Joe Biden. De volta à capital platina no final de semana, o mandatário aceitou as renúncias, designou novos nomes para os cargos vazios e disse ter “convicção” de que nenhum de seus ex-funcionários teria qualquer responsabilidade pela emissão do infame passaporte. O caso, que ganhou tração após o depoimento de Carolina Ache, seguirá agora sob investigação da Procuradoria-Geral, enquanto a oposição cobra mais demissões e os governistas tentam fazer a poeira baixar.
Também há expectativa de que o próprio presidente seja testemunha do caso, uma posição delicada que já assumiu no início do ano em função de um outro caso envolvendo passaportes: em janeiro, o mandatário foi convocado a depor no âmbito de um caso de espionagem de opositores e emissão de documentos falsos envolvendo o ex-chefe de sua equipe de segurança, Alejandro Astesiano. Detido no final de setembro de 2022, Astesiano foi condenado em fevereiro por uma série de delitos, entre eles tráfico de influência, após ser apontado como um dos “cabeças” do esquema que repassava passaportes a cidadãos russos e ucranianos, entre outras irregularidades. Foi a primeira das bombas a esfumaçar os corredores da Presidência, mas sem causar o mesmo impacto político como o visto este mês. Embora tenha arranhado a imagem do governo, na época a gestão de Lacalle Pou foi rápida em isolar a figura do próprio Astesiano como solitário responsável pelas irregularidades. Um “cordão sanitário” que se tornou muito mais difícil agora, em um segundo episódio com elementos parecidos – e outros ainda piores.
O nome de Sebastián Marset, por sinal, não ecoa apenas pelos lados do Rio da Prata. Como contado por este GIRO em agosto, as buscas pela figura da vez do mundo narco foram demolidoras também na Bolívia, levando à investigação de mais de 100 pessoas por crimes ligados ao tráfico de drogas – cerca de 40 acabariam detidas. O endereço distante da terra charrúa não entrou na mira da Justiça de vários países por acaso: durante sua fuga, Marset teria percorrido o país do Altiplano, conseguindo escapar de uma intensa operação de busca, que envolveu até a visita de autoridades bolivianas a Montevidéu. Entre os detidos de meses atrás estão, há gente até do futebol, universo nada distante para o foragido, já que Marset também ficou famoso por pagar do próprio bolso para jogar – e vestir a camisa 10 – do Club Deportivo Capiatá, do Paraguai. O narcofutbolero também já usou identidade brasileira falsa e tem ligação com cidadãos peruanos.
Nenhum outro caso, no entanto, liga mais os alertas regionais do que o suposto envolvimento de Sebastián Marset no assassinato do promotor paraguaio antimáfias Marcelo Pecci. Considerado por autoridades como um dos maiores crimes transnacionais da década, o caso tem ramificações não apenas em grupos criminosos ativos em vários países, como o PCC, mas também inclui depoimentos que apontam para a participação de políticos paraguaios, como o poderoso ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018) – entenda o caso. O próprio presidente Gustavo Petro, da Colômbia (onde Pecci foi morto em 2022) já apontou Marset como um dos nomes por trás da execução. Enquanto as investigações avançam para determinar os autores intelectuais do caso Pecci, Marset segue desaparecido, mas sem deixar de causar um rastro de destruição política nos países por onde passa.
Ajude o GIRO a ficar cada vez melhor! Faz um PIX pra nós! Copie o e-mail ou a chave para enviar o valor que quiser.
pixdogiro@gmail.com
Quer dar uma força de outra maneira? Também habilitamos a opção de contribuição via Substack. Ou, se preferir, nossa campanha de financiamento recorrente segue ativa no Catarse.
Un sonido:
DESTAQUES
🇨🇺🇨🇱 Pan de Santiago termina com deserções cubanas e vira impasse político para governo do Chile – Caso comum em eventos esportivos internacionais, Cuba voltou a ver deserções em sua delegação que disputou os Jogos Pan-Americanos, em Santiago do Chile, encerrados no último domingo (5). Desta vez, oito competidores abandonaram as equipes com a intenção de permanecer no país sul-americano, e dizem ter procurado imediatamente um escritório de advocacia especializado em migração para agilizar os trâmites. Agora, o caso vira também uma disputa política dentro do próprio Chile, com o governo de esquerda tentando não se indispor com Havana e a oposição cobrando a concessão imediata de refúgio aos cubanos. Ignorando o histórico em casos semelhantes, a ministra do Interior, Carolina Tohá, chegou a dizer que não era caso de “especular” a razão da permanência porque os esportistas poderiam estar simplesmente “fazendo turismo”. Mas, na noite de quarta (8), em uma entrevista à TV chilena, a capitã do time de hóquei sobre grama feminino de Cuba, responsável pela maior parte das deserções, confirmou que ela e as companheiras fugiram clandestinamente da Vila Pan-Americana com a intenção de abandonar a ilha. A representação legal das cubanas corre também contra o tempo para evitar uma situação irregular, já que o visto dos atletas que participavam dos Jogos está previsto para caducar neste domingo (12). No Pan em si, Cuba superou as próprias expectativas de medalhas e confirmou que segue uma potência esportiva para os padrões latinos, com um quinto lugar geral no quadro (atrás de EUA, Brasil, México e Canadá), mas voltou a assinalar um declínio em relação a si mesma, potencializado por sucessivas deserções e crises: foi a pior campanha do país, em termos de ouros e pódios, desde 1967. Em El País.
🇭🇹 Haiti: ONU pode endossar permanência de premiê até novas eleições – No que depender da ONU, há indícios de que o primeiro-ministro Ariel Henry poderia seguir no comando do país indefinidamente, até que as tão adiadas eleições um dia aconteçam. Ao menos, é o que indicou em sua conta no X, o ex-Twitter, a chefe do Escritório Integrado da ONU no Haiti (BINUH), María Isabel Salvador, em uma postagem na terça-feira (7): “não sairemos de uma transição para entrar em uma nova transição”, enfatizou a funcionária, dizendo que enxerga como único caminho para deixar a fase atual a realização de “eleições democráticas, transparentes e participativas”. A opinião de Salvador ainda é pessoal, sem carimbo oficial do órgão multilateral, mas dá o primeiro sinal de como as forças externas podem encarar o impasse que a política haitiana já prevê para os próximos meses: em dezembro de 2022, Henry e forças opositoras assinaram um acordo em que o premiê se comprometeu a deixar o cargo – mediante a organização de eleições – até 7 de fevereiro de 2024. Mas, com um ano tendo se passado e nem sinal da tal votação no horizonte, a dúvida tem crescido: afinal, Henry sairá no prazo previsto, mesmo na ausência de eleições, ou seguirá agarrado ao poder até que o país consiga realizar um pleito? Opositores como o ex-primeiro-ministro Claude Joseph já indicaram que vão pressionar pela saída de Henry em fevereiro, argumentando que o tempo vai passando sem que haja qualquer avanço real na retomada democrática do Haiti, que não consegue realizar eleições desde 2016. Agora, o BINUH aponta em um sentido oposto. Henry, vale lembrar, venceu uma queda de braço contra o próprio Joseph pela “herança” do poder haitiano após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021, assumindo o cargo com apoio internacional – desde então, vem prometendo a realização de eleições que seguem sem data para ocorrer, enquanto ele próprio já apareceu mais de uma vez na lista de suspeitos do crime contra Moïse. No Juno7.
🇵🇦 Panamá proíbe novos contratos de mineração, mas acordo que gerou protestos para na Justiça; homem armado mata manifestantes – O governo panamenho até tentou forçar um clima de normalidade no país anunciando, no domingo (5), a retomada das aulas presenciais após mais de duas semanas de suspensão pelos protestos contra um novo acordo de exploração de cobre. A tensão, no entanto, ainda paira sobre o país. Isso porque, dias antes, a resolução dada pelo Congresso ante a insatisfação popular pela renovação do contrato entre o Panamá e a canadense First Quantum Minerals – esta a razão que fez o país testemunhar as maiores jornadas de manifestações desde a ditadura de Manuel Noriega nos anos 1980 – ainda não agrada todos os setores: mesmo com a aprovação de uma moratória indefinida no setor de mineração metálica, proibindo novos contratos de concessão e a renovação dos já vigentes, a tratativa envolvendo a empresa multinacional segue viva, agora nas mãos da Suprema Corte. A Justiça, no limite, pode até punir os deputados que aprovaram o polêmico contrato-lei dias atrás. Enquanto tudo entra num limbo jurídico, um episódio grotesco deu outro tom às manifestações: irritado com os bloqueios em um trecho de estrada, um homem desceu do carro e matou dois manifestantes a sangue-frio na terça (7). O autor dos disparos, que também tem dupla nacionalidade estadunidense, foi preso em seguida. As manifestações que seguiram durante a semana contaram com homenagens às vítimas. Em El País.
🇩🇴 Rep. Dominicana: tensão na fronteira com Haiti aumenta com troca de tiros entre soldados e militantes – Mais problemas na fronteira que segue fechada: na terça-feira (7), os dois países viram o incidente mais sério desde que a República Dominicana decidiu interromper a circulação de forma unilateral em setembro, com uma brigada armada haitiana trocando tiros com soldados do Exército do país vizinho – aparentemente, em uma disputa territorial diante de uma dúvida sobre onde efetivamente começava e terminava cada país. Para Santo Domingo, não haveria dúvidas de que o território violado foi o dominicano, e a chancelaria exigiu providências imediatas de Porto Príncipe para evitar que incidentes do tipo se repitam. Na sequência da semana, enquanto os dois países diziam estar negociando uma saída para desescalar as tensões, o cenário começou a ganhar ares de paz armada, com os dois lados enviando ainda mais soldados regulares para reforçar a segurança na zona. No Listin Diario.
⚽🏆Com gol de John Kennedy, Fluminense vence Boca na prorrogação e conquista Glória Eterna – Depois de bater na trave em 2008, no mesmo Maracanã, o Fluminense matou o fantasma em casa: no sábado (4), os comandados de Fernando Diniz bateram o Boca Juniors por 2 a 1 na prorrogação, com um golaço de fora da área do jovem John Kennedy, dando ao Tricolor Carioca seu primeiro título continental. Foi tenso: o Flu até saiu na frente após gol do sempre letal Germán Cano – argentino que terminaria a competição como artilheiro, com 13 tentos anotados – e sentiu a espinha gelar após um empate inesperado num balazo do peruano Luis Advíncula. Mas ninguém conseguiu segurar o ímpeto dos tricolores. A taça inédita colocou o time brasileiro no seleto grupo conterrâneo de campeões da América do Sul, que agora conta com 11 clubes, sendo quatro deles – Vasco da Gama, Corinthians e Atlético Mineiro, além, agora, do próprio Flu – com um único título. Coincidência do destino, o Fluminense disputará a Recopa Sul-Americana em 2024 contra ninguém menos que a LDU de Quito, seu maior algoz regional – além de levar a Libertadores em 2008, os equatorianos também ganharam do Flu na final da Copa Sul-Americana, o torneio secundário da região, no ano seguinte. A LDU voltou a ganhar a Sula em 2023, confirmando o reencontro. Se para o Fluminense agora tudo é festa, com expectativa para o Mundial de Clubes e sede de vingança no próximo ano, para os argentinos do Boca o clima é de desolação. Sem vencer Copas desde o longínquo 2007, os hexacampeões xeneizes viram escapar a chance de encostar no Independiente de Avellaneda, que mantém o posto de único heptacampeão do torneio. Fora do campo, um clima nada amigável entre os times se desenha daqui em diante: após uma série de confrontos entre torcedores (em alguns casos torcedores comuns contra membros de barras ou organizadas), o Ministério Público de Buenos Aires decidiu proibir o uso de camisetas do Fluminense em estádios da capital portenha para evitar novos problemas. Sem título, a disputa política interna nas eleições do Boca promete recolocar em cena o nome de Mauricio Macri – o ex-presidente argentino que, antes de comandar o país, liderou o clube de futebol por 12 anos entre 1995 e 2007, justamente a época das últimas conquistas da Libertadores por ali.
Un video:
MAIS NOTÍCIAS
ARGENTINA 🇦🇷
Se as pesquisas eleitorais para o segundo turno continuam inconclusivas – na maioria, o ultraliberal Javier Milei aparece à frente do situacionista Sergio Massa, mas quase sempre em empate técnico, havendo inclusive enquetes com Massa em primeiro lugar –, há ao menos um estrato populacional do país em que o candidato peronista domina amplamente: o público dos shows de Taylor Swift, que ao longo dos últimos dias tem feito em Buenos Aires as apresentações da perna argentina de sua popularíssima turnê The Eras Tour. A treta começou antes mesmo da chegada da cantora ao país, quando “swifties” – grupo de fãs da artista – iniciaram uma campanha recordando que a estrela musical já se posicionou contra Donald Trump em seu próprio país, e que, na Argentina, “Milei é Trump”. Com direito a slogans da maior parte do público contra o candidato da extrema direita no Estádio Monumental de Núñez, onde ocorrem as apresentações, Taylor passa pela nação platina na condição de “hóspede de honra”, título que recebeu mesmo com os entreveros políticos por trás de sua passagem. No New York Times.
BOLÍVIA 🇧🇴
Semana de aniversários simbólicos para a política boliviana, em um momento em que a fratura entre as duas alas do governista Movimento ao Socialismo (MAS) seguem mais distantes do que nunca. Há quatro anos na sexta-feira (10), Evo Morales era forçado a renunciar em um golpe que se seguiu a uma controversa tentativa de reeleição – veio o governo interino de Jeanine Áñez e uma fracassada busca da direita por se reabilitar como opção viável ao poder no país, mas, praticamente um ano exato mais tarde, em data que fechou seu terceiro aniversário na quarta (8), o ex-ministro e então aliado de Evo, Luis Arce, já estava tomando posse após vencer democraticamente as novas eleições. Na época, parecia um retorno triunfal do MAS e da influência de Morales, mas os últimos tempos vêm mostrando um cenário cada vez mais distinto: independente, Arce governa sem Evo, e os dois hoje disputam quem é o líder “legítimo” de um MAS dividido entre apoiadores de cada lado rumo às futuras eleições que só ocorrem em 2025. Enquanto isso, um novo episódio que revive as cicatrizes do golpe e traz à tona as brigas do presente: nesta semana, os tribunais de primeira instância que julgariam os massacres de Sacaba e Senkata, dois dos episódios mais marcantes do regime interino de Áñez (quando apoiadores de Evo foram mortos por protestar contra o golpe, ainda em seus primeiros dias), declararam-se “incompetentes” para o caso. O argumento jurídico é que, como os supostos crimes – que incluem até uma acusação de genocídio – ocorreram quando Áñez era oficialmente a presidenta do país, ela deveria ser julgada apenas em instâncias superiores pelo direito ao foro privilegiado. Aliados de Evo Morales, agora, acusam o governo de Luis Arce de estar pressionando a Justiça para adiar os julgamentos e afirmam que a mudança de foro seria uma “provocação”. Em El Deber.
COLÔMBIA 🇨🇴
Com direito a mediação da Igreja Católica e de representantes da ONU, chegou ao fim, na quinta-feira (9), o sequestro de Luis Manuel Díaz, pai do atacante Luis Díaz, da Seleção Colombiana e do Liverpool, da Inglaterra. Mantido refém por quase duas semanas por combatentes do Exército de Libertação Nacional (ELN), Díaz pai foi libertado sem indícios de ferimentos em um ponto do departamento de La Guajira, mesmo local onde teve o carro interceptado por guerrilheiros ao lado da esposa (que, no entanto, não foi mantida refém). A captura do pai de Díaz, sobretudo pela repercussão, foi classificado pela própria alta cúpula do ELN como um “erro”. Em nota, o grupo armado fez um certo mea culpa pela ação e até exaltou o atacante: “um grande esportista e um símbolo para a Colômbia”. Nos dias anteriores ao resgate, o jogador chegou a prestar homenagens ao pai e “a todos os que foram sequestrados”, pedindo paz após marcar um gol pelo Liverpool. Ainda que um alívio para familiares e colombianos em geral, o fim do cárcere, no entanto, não encerra o clima de tensão entre governo e ELN, que estão há meses num processo esburacado para encerrar a hostilidade de forma bilateral. Na BBC.
COSTA RICA 🇨🇷
Como alertado por este GIRO em edições passadas, o sumiço de uma quantia milionária em um dos principais bancos do país, já considerado o maior em valores na história tica, foi mesmo fruto de uma fraude – e não de um suposto desaparecimento acidental, como chegou a ser especulado. Ao menos, é assim que autoridades locais têm entendido o caso, que na quarta-feira (8) já conduziu pelo menos oito funcionários da instituição à cadeia, incluindo membros da diretoria. Em agosto, foi detectado o extravio de US$ 6,2 milhões dos cofres do banco, caso que só veio à tona meses depois, gerando investigações sérias por parte do Ministério Público. Segundo investigações preliminares, o esquema para pegar a grana teria contado com métodos para burlar o sistema de câmeras, com funcionários valendo-se de pontos cegos para encher os bolsos de pouco em pouco. Claro que houve pontas soltas: um dos integrantes do esquema, por exemplo, teria desembolsado quantias incomuns em bilhetes de loteria, numa suposta tentativa de arrumar motivos que justificassem o dinheiro que possuía. O que a Justiça quer descobrir agora, porém, é se houve alguma participação de pessoas importantes do governo a fim de evitar que o caso fosse investigado. Via Reuters.
EL SALVADOR 🇸🇻
Sem volta: o Supremo Tribunal Eleitoral determinou na sexta-feira (3) que o presidente Nayib Bukele pode, sim, concorrer à reeleição no próximo ano, a despeito do que diz a Constituição do país – a alta corte, vale lembrar, é povoada por nomes afins a Bukele. Ainda que o movimento já estivesse no radar desde 2021, a nova martelada vem uma semana após o mandatário se inscrever de forma oficial como presidenciável pelo partido governista Nuevas Ideas – e agora parece firmada em definitivo. A decisão foi celebrada por Bukele, que tem caminho quase certo rumo a mais alguns anos no poder: “registrado e sem votos contrários [da corte]”, disse. Ainda que diversas pesquisas coloquem o atual presidente como favorito em 2024, um número cada vez maior de vozes críticas a seu governo tenta inviabilizar sua (praticamente certa) reeleição na votação que está por vir. Via AP.
Dale un vistazo:
Uma mulher fantástica – Vencedor do Oscar de melhor filme internacional em 2018, esta trama chilena está centrada na personagem de Marina Vidal (interpretada por Daniela Vega), uma mulher transgênero que sonha em ser cantora e cultiva uma relação amorosa com um homem mais velho. Quando ele morre de forma trágica, a vida de Marina é assombrada pelo legado do ex-companheiro e pela violência em sua manifestação mais transfóbica. O título está disponível na Netflix. Confira o trailer.
🎞️ ‘Uma mulher fantástica’ (Chile, 2017). 104 min. Dir.: Sebastián Lelio.
EQUADOR 🇪🇨
O petróleo é um dos carros-chefes da economia equatoriana – e, embora vitórias ambientalistas recentes como no referendo de Yasuní tenham colocado o impacto da exploração em debate, na maior parte da história do país a preocupação com a natureza ficou em segundo plano ou sequer existiu. O resultado é que os danos ambientais sentidos na região amazônica do Equador, onde grande parte das jazidas se localizam, vêm se multiplicando ainda hoje: atualmente, são mais de 1,1 mil áreas de perigo ambiental e outras 3,5 mil zonas identificadas pelo governo como “fontes de contaminação” geradas pelos resíduos das escavações petroleiras, com direito a verdadeiras “piscinas” de óleo em meio à floresta. A reportagem do Mongabay destaca os achados de um estudo recém-publicado sobre os impactos da falta de ação.
GUATEMALA 🇬🇹
As pressões ao partido Semilla, do presidente eleito Bernardo Arévalo, seguem mais firmes do que nunca – com direito a uma nova inabilitação por ordem da Justiça Eleitoral. Mas, na prática, só mesmo um cataclisma para tirar o político da posse em janeiro. Enquanto isso, tentando ignorar como pode as manobras do Judiciário que persistem em apontar (sem provas) irregularidades em sua campanha vitoriosa, Arévalo se ocupa com compromissos reais. E o que lhe dá tranquilidade de que ninguém vá tirá-lo do jogo é o endosso dos… Estados Unidos. Na quarta-feira (8), o chefe de Estado eleito iniciou um tour de dois dias pelo país ao norte, com direito a encontros com entidades migratórias, funcionários do Congresso em Washington e Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) – tanto os EUA quanto a OEA endossam o discurso que denuncia ações abusivas e antidemocráticas por parte de órgãos guatemaltecos contra o binômio eleito. Pelas redes sociais, Arévalo exaltou sua intenção de “fortalecer relações” com o governo de Joe Biden. Na Prensa Libre.
HONDURAS 🇭🇳
Depois de Chile e Colômbia convocarem seus respectivos embaixadores em Israel para consultas frente ao massacre de civis em Gaza – sem contar a Bolívia, que foi más allá e rompeu de vez os laços com os israelenses – agora foi a vez de Honduras. Na última sexta-feira (3), Tegucigalpa solicitou uma consulta “imediata” a seu representante no país, Roberto Martínez, diante do que o governo de Xiomara Castro classificou de “graves violações humanitárias” cometidas contra palestinos. Segundo o chanceler hondurenho, Enrique Reina, a decisão segue o raciocínio do posicionamento do país centro-americano a respeito de uma recente resolução da ONU que pedia trégua nos bombardeios para o envio de ajuda humanitária – o que segue negado por Israel. Em resposta, o governo de Benjamin Netanyahu disse que o gesto hondurenho “ignora o direito israelense à defesa”. Na EFE.
MÉXICO 🇲🇽
Muitas perguntas e poucas respostas a respeito de uma decisão comunicada no domingo (5) pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN): segundo seus representantes, o grupo mobilizado desde 1994 no estado de Chiapas – que fica ao sul, próximo à fronteira com a Guatemala – decidiu dissolver as “Juntas de Bom Governo”, comunidades autônomas de civis que funcionam sob o comando zapatista e fora da alçada de decisões do Estado. Conhecidos como “caracoles”, esses municípios independentes, segundo representantes do EZLN, estão sofrendo em meio ao “caos social completo” a que todo Chiapas vem sendo submetido nos últimos anos. Sem detalhar todos os motivos por trás da dissolução dessas regiões sob comando popular, mas prometendo esclarecimentos em breve, o grupo citou o aumento de violência na região, com episódios recorrentes de massacres e ataques a integrantes das Juntas, o que tem obrigado os guerrilheiros a pensarem em soluções. Estado mais pobre do país, Chiapas viu a violência aumentar nos últimos anos, com registros cada vez mais recorrentes de casos de violência que antes parecia mais comum em outras regiões mexicanas – e com um número cada vez maior de grupos armados, motivados por causas igualmente variadas. O zapatismo também cita questões políticas, questionando o comando do governador Rutilio Escandón, do Morena, espelhando uma desavença que vem de anos atrás entre o EZLN e o atual presidente Andrés Manuel López Obrador. Em El País.
NICARÁGUA 🇳🇮
Laços rompidos, mas vigilância permanente. Foi mais ou menos isso que a Organização dos Estados Americanos, a OEA, prometeu na quarta-feira (8) a respeito do monitoramento da situação política e de direitos humanos na Nicarágua, cujo governo decidiu romper com a entidade depois de mais de sete décadas, um movimento anunciado há tempos, mas que só vai se consumar de vez neste mês. Autoridades da organização “continuarão prestando especial atenção à situação na Nicarágua”, disseram, repetindo as velhas conhecidas promessas que poucas vezes surtem efeito. Seguindo o que fez a Venezuela em 2019, e também em resposta a pressões políticas, o governo Ortega iniciou o processo de retirada da OEA em 2021, pouco após a organização somar voz ao rechaço internacional à reeleição do presidente, acusada por entidades, opositores e antigos aliados de irregularidades – sete nomes fortes da oposição, entre eles presidenciáveis, acabariam presos naquele ano antes da votação acontecer. Se a OEA pouco fazia quando ainda tinha representantes nicaraguenses em seu corpo de funcionários, agora a influência deve ser ainda menor. Via AP.
PARAGUAI 🇵🇾
Conquista para a… pecuária paraguaia. O embaixador estadunidense em Assunção, Marc Ostfield, confirmou na quinta-feira (9) que as agências regulatórias de seu país concluíram trâmites e fiscalizações que permitirão – a partir de meados de dezembro – que o Paraguai se torne um dos raros países autorizados a exportar carne vermelha para os EUA. Parece trivial, mas apenas 18 nações têm acesso ao gigantesco mercado estadunidense, e os pecuaristas paraguaios vinham tentando se juntar ao grupo há décadas: o país até exportou por um breve período carne enlatada para os EUA, mas esse comércio se encerrou em 1997 e, desde então, o Paraguai nunca mais recuperou as credenciais sanitárias para retomar as vendas, inclusive vendo a burocracia ser atrasada por outra década após um surto de aftosa em 2011. O presidente Santiago Peña celebrou o que chamou de “reabertura” do mercado dos EUA para a “melhor carne do mundo” e o governo paraguaio destacou a notícia nas redes com direito a imagens de uma vaca utilizando o simbólico chapéu do Tio Sam. No ABC Color.
Una expresión:
Zona Suárez – Expressão cunhada em 2021 pelo técnico argentino de futebol Diego Simeone, no comando do Atlético de Madrid, para se referir ao crescimento de desempenho do centroavante uruguaio Luis Suárez na reta final de um campeonato. Maior artilheiro da história da seleção de seu país, na época Suárez ajudou a carregar a equipe madrilenha rumo ao título espanhol com atuações de destaque nas partidas derradeiras da competição, logo após Simeone cravar: “entramos na Zona Suárez. É um momento ideal para que um jogador como ele possa resolver situações de jogo que o time venha a necessitar, porque está acostumado a esses jogos e tem a hierarquia necessária para fazer isso”. A expressão voltou à tona nas páginas esportivas do Brasil durante a semana, com a expectativa de que o goleador uruguaio – hoje no Grêmio de Porto Alegre – fizesse algo parecido por aqui. Na quinta (9) à noite, Suárez marcou três gols e comandou a virada de seu time sobre o Botafogo, em duelo direto pelo topo da tabela, confirmando que havia entrado na tal zona.
PERU 🇵🇪
O Congresso aprovou na última quinta-feira (2) uma lei que passa a proibir, por meio de uma modificação no Código Civil, o casamento infantil em todo o território nacional. Sem necessidade de uma segunda votação, o projeto foi apresentado pela Comissão de Justiça e Direitos Humanos e teve aprovação de 113 parlamentares, com apenas três abstenções. A mudança foi celebrada por diversas entidades dentro e fora do país, entre elas o Unicef Peru, que classificou a mudança de “dia histórico” para crianças e adolescentes. Não é à toa: segundo dados oficiais, houve mais de 4 mil casos de matrimônio infantil no país na última década. Mas, por mais insano que possa parecer, nem todo mundo defendeu a mudança: causando um verdadeiro escândalo no Legislativo, o deputado José María Balcázar defendeu de forma isolada a manutenção de uma idade mínima de 14 anos para que se participe de matrimônios: “todos têm relações sexuais (...) professores com alunas, professoras com alunos (...)”. Balcázar também preside a Comissão de Educação do Congresso, o que gerou ainda mais indignação por parte dos seus pares. Quem também causou furor por falar do tema e criticar a proibição foi Waldemar Cerrón, nome forte do partido do ex-presidente Pedro Castillo (2021-2022), hoje preso. Em El Comercio.
A renúncia da chanceler peruana Ana Cecilia Gervasi em função de um encontro oficial – que não aconteceu como deveria – entre Dina Boluarte e Joe Biden na Casa Branca rendeu um burburinho no país, mas não tanto como a queda (supostamente nada acidental) da luz no estádio do Alianza Lima para apatifar as comemorações de um time rival. Foi isso que aconteceu na quarta-feira (8): após vitória dos visitantes do Universitário por 2 a 0, o que deu o 27º título peruano a La U de Lima – ao mesmo tempo evitando que o Alianza empatasse em títulos –, os donos da casa agiram da forma menos esportiva possível: deixaram o estádio subitamente no escuro, tudo para evitar que o arquirrival fizesse festa. Uma decisão criticada no mundo inteiro, mas, para muitos torcedores, saudada como correta. Com o apagão, foi impossível seguir o protocolo convencional de preparar o palco para erguer a taça do Peruanão, transferindo a solenidade para outra ocasião. Mas, segundo dirigentes do time derrotado, não foi nada pensado: “Vocês vão saber da realidade e entender qual foi o motivo, a decisão que tomaram as autoridades [e não o clube]”, disse, de forma bastante conveniente e sem grandes provas, o cartola Tito Ordóñez.
PORTO RICO 🇵🇷
A crise dos opioides nos Estados Unidos chegou, na segunda-feira (6), a uma das maiores distribuidoras farmacêuticas de Porto Rico, que foi condenada a pagar US$ 12 milhões após não notificar as autoridades sobre compras suspeitas de produtos viciantes – e potencialmente letais – como oxicodona e fentanil. As quase 800 compras, que ocorreram entre 2016 e 2019, foram marcadas como suspeitas devido à frequência e ao tamanho de cada pedido, algo que a empresa Droguería Betances deveria ter registrado na época junto aos órgãos antinarcóticos estadunidenses. Porto Rico, que tem o status de estado livre associado aos EUA, também vem sendo afetado pela explosão de mortes relacionadas ao uso indiscriminado de opioides, com o número tendo saltado de 19 overdoses em 2017 para 521 em 2021, ano com dados mais recentes contabilizados. Via AP.
VENEZUELA 🇻🇪
Todos pelo “sim”. É isso que pede a campanha iniciada pelo governo de Nicolás Maduro na segunda (6) a respeito da reivindicação de soberania venezuelana sobre o território de Essequibo, que há dois séculos é razão de disputa territorial e diplomático entre o país caribenho e a vizinha Guiana. A iniciativa chavista mira a votação de um referendo, marcado para o início de dezembro, que questionará eleitores a respeito de cinco temas, todos envolvendo questões legais e geográficas a respeito do território disputado. Segundo o presidente da Guiana, Irfaan Ali, a convocatória demonstra os “esforços venezuelanos para ferir” a soberania de seu país, prometendo “resistência” ante um processo de votação que considera “ilegal”. Com cerca de 160 mil km quadrados, Essequibo é visto como uma joia econômica para as duas nações por ser riquíssima em petróleo. No Brasil de Fato e teleSUR.
Gostou do nosso conteúdo? Com o seu apoio, podemos construir juntos um GIRO ainda melhor e mais completo. Faça parte!
Também estamos no ex-Twitter, Instagram, YouTube, Podcast e Telegram.