Chile elege nova Constituinte em clima de desilusão
Bem distantes do entusiasmo que tomou o país após os protestos de 2019, chilenos votam assuntos relativos à Carta Magna pela quarta vez, agora com chance de ascensão da direita

A história parece repetida e o nome até sugere isso: neste domingo (7), o Chile volta às urnas para mais uma votação envolvendo a elaboração de uma nova Constituição, em um clima de muita dúvida e questionamento entre eleitores. Depois do fracasso da última tentativa, agora os chilenos não sabem dizer se o processo finalmente vai ganhar tração. Mas, tirando o fato de que desse novíssimo sufrágio deve sair mais um comitê para ajudar a escrever a Carta Magna, o que se vê neste final de semana se difere totalmente do entusiasmo e da expectativa de um futuro realmente diferente para as leis fundamentais do país – espírito que marcou as etapas anteriores do longo processo desencadeado pelo estallido social de 2019, nome dado às manifestações massivas que geraram um acordo político para a criação da Constituinte.
Desta vez, o que mais une os chilenos é o sentimento de desilusão. Pesquisas mostram que a maioria da população, simplesmente exausta ou indiferente com a evolução da última jornada constituinte, agora não está nem aí. O levantamento Pulso Ciudadano indicou que quase 48% dos chilenos diz estar “pouco ou nada interessado” no processo, contra apenas 29% que se dizem “muito interessados”. Já a pesquisa Criteria coloca a mudança de foco em perspectiva: em 2021, quando se elegeram os membros da última Convenção Constitucional, a enquete constatou que havia um interesse geral de 66% no processo; agora, o mesmo instituto indica que o número despencou para 31%.
Além de desinteressada, a população também mostra que tem outras prioridades no momento: na época do estallido e nas eleições subsequentes, pautas sociais apareciam com mais destaque; desta vez, porém, o que domina são as preocupações em torno da segurança pública, com o país vivendo um agudo aumento da criminalidade nos últimos dois anos – uma situação que, como costuma acontecer na política, promete favorecer a direita (por sinal, a mais ampla coalizão conservadora concorre sob o nome “Chile Seguro”). A Convenção original teve tantos nomes identificados com a esquerda que esse lado do espectro político tinha votos suficientes para passar as propostas que desejava, sem nem precisar negociar com os conservadores.
No fim, essa mesma composição acabaria servindo à propaganda de que a Carta Magna era irrealista e prometia direitos demais sem saber como pagar por eles – argumento que, mais tarde, ajudaria a derrubar o texto no plebiscito definitivo. Agora, com o presidente Gabriel Boric atravessando um período de popularidade em baixa que se reflete em toda a esquerda chilena, a expectativa é que as listas progressistas acabem sub-representadas, inclusive com possibilidade de eleição de nomes da extrema-direita.
O que está em jogo neste domingo é a eleição do chamado “Conselho Constitucional” de 50 membros que será apenas um dos braços responsáveis por escrever o texto (outra diferença em relação à Constituinte anterior, que era um órgão único). É a quarta vez que os chilenos são convocados a votar por algum tema relacionado à nova Constituição: em outubro de 2020, tiveram que decidir se de fato queriam uma nova Carta Magna (78% disseram sim), e que tipo de órgão deveria elaborá-la; em maio de 2021, escolheram os integrantes da Convenção Constitucional que faria isso; por fim, em setembro de 2022, o texto resultante desse processo foi submetido a plebiscito – e, em um pleito de voto obrigatório, 62% dos eleitores rejeitaram a ambiciosa proposta. Agora, o Chile precisa conciliar o fato de que a população até pediu uma nova Constituição, mas não aquela de 2022. E é nesse contexto de desânimo e incerteza que o país transandino tenta tudo de novo, com algumas mudanças de rota na composição dos órgãos responsáveis por produzir o texto.
O processo que se desenrola hoje se afastou da versão “hiperdemocrática” da Convenção anterior: para começar, um anteprojeto constitucional já está sendo elaborado por uma “Comissão de Especialistas” composta por 24 juristas não-eleitos, nomeados pelo Congresso em março. Já a Constituinte que será escolhida neste final de semana, além de muito menor em relação à anterior (50 membros contra 155 da última), abriu mão do traço mais distintivo do processo: se em 2021 os chilenos escolheram entre nomes independentes, sem vinculação com partidos políticos, agora o voto será dado em listas fechadas apresentadas pelas próprias siglas. O novo processo, mais enxuto em integrantes, também tem tempo curto: tudo tem que estar pronto ainda em 2023, pois o plebiscito definitivo para adotar ou não o texto está marcado para dezembro.
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🇵🇾 Paraguai elege presidente, extrema-direita protesta e líder opositor é preso – O pequeno país sul-americano deu trabalho nos últimos dias. Não perca a conta: no domingo (30), os paraguaios escolheram Santiago Peña, do governista Partido Colorado, como novo presidente do país para um mandato de cinco anos, a partir de agosto. A votação foi surpreendente: como explicado em detalhes pelo GIRO, o massacre governista nas urnas contrariou parcialmente a tendência indicada pelas últimas pesquisas, que chegaram a projetar um empate técnico entre Peña e o principal opositor, Efraín Alegre – este, no fim das contas, acabou mais próximo do terceiro colocado do que do vencedor. A soberania dos colorados foi além da Presidência: o partido também aumentou cadeiras na Câmara e no Senado, conquistando a maioria absoluta nas duas casas, além de ampliar o domínio em outras esferas: dos 17 departamentos paraguaios, 15 serão controlados pelo Partido Colorado, dois a mais do que no ciclo atual. Se o dia de votação foi tranquilo, o mesmo não vale para as horas seguintes: liderados pelo ex-senador e terceiro colocado Paraguayo “Payo” Cubas, uma espécie de Bolsonaro do Chaco, eleitores da extrema-direita repetiram o quebra-quebra brasileiro em 2022, questionando os resultados eleitorais – denúncias sem embasamento, mas que encontraram eco não apenas entre políticos radicais. O próprio Alegre, que originalmente havia reconhecido a derrota, pediu recontagem parcial dos votos, enquanto as autoridades eleitorais voltaram a reiterar a lisura do processo. Toda a trama foi explicada em primeira mão pelo GIRO. Mesmo assim, ainda deu tempo para novos desdobramentos sacudirem o país no final da semana: na tarde de sexta (5), Cubas foi preso pela polícia por sua participação nos atos violentos. O momento da detenção foi transmitido ao vivo pelas redes sociais do próprio ex-senador, que durante seus minutos de fama, como costuma fazer a direita radical, defendeu que os políticos colorados, a quem acusa de fraude, são os que realmente deveriam estar atrás das grades. Na sequência, Alegre se manifestou, exigindo a liberação de Payo, que seguia detido até o fechamento desta edição.
🇵🇪 Peru: CIDH sugere investigação por “massacre” contra manifestantes – O cerco ao governo voltou a se fechar na quarta-feira (3) após a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denunciar que as forças de segurança, sob comando da presidenta Dina Boluarte, apelaram ao “uso desproporcional, indiscriminado e letal da força” contra manifestantes. Responsabilizando o Estado peruano por diversas violações, a CIDH também sugere que os episódios, que já deixaram pelo menos 60 mortos desde dezembro, sejam investigados na condição de “execuções extrajudiciais” e “massacres”. Em janeiro, Boluarte já havia se tornado alvo de uma investigação aberta pelo Ministério Público por suposto crime de genocídio. Ela encara protestos desde que tomou posse, na sequência da derrubada de Pedro Castillo, no final do ano passado. Após a denúncia da CIDH, a presidenta deu uma declaração ao lado de seus ministros negando que tais atrocidades tenham ocorrido durante seu governo, acrescentando que as mortes seguem sendo investigadas pela Justiça local. A mandatária também rechaçou as declarações da comissão, defendendo que os poucos dias de trabalho feito por especialistas da CIDH no país “são insuficientes para tirar conclusões”. Na DW.
🇨🇴 Congresso da Colômbia aprova plano trilionário de Petro – Depois de muita choradeira e alguns ministros chutados para fora da roda, o governo colombiano enfim conseguiu aprovar o Plano Nacional de Desenvolvimento, que guiará as principais metas da administração pública até o fim do mandato. O plano tem previsão de investimentos na ordem de R$ 1,2 trilhão. A votação no Senado foi concluída com 66 votos a favor e 21 contra; na Câmara, foram 129 favoráveis e 24 contra. Entre os artigos acertados entre ambas Casas, está o imposto de 6% no faturamento de empresas de energias renováveis, verba que será destinada a projetos de comunidades tradicionais nas áreas de operação das companhias. Também está prevista a destinação de 2,9 milhões de hectares para a reforma agrária. Além disso, foram aprovados trechos para programas de transferência de renda, proteção ambiental, segurança alimentar, combate à fome e crédito estudantil. Em Caracol.
🇧🇴 Bolívia investiga antigo caso de pedofilia na Igreja – Um escândalo ocorrido nos anos 1980 voltou à tona na segunda (1º) após procuradores bolivianos abrirem uma investigação contra um falecido padre jesuíta espanhol, acusado de abusar de pelo menos 85 crianças. Morto em 2009, o clérigo, que também serviu como diretor em um conhecido colégio religioso na cidade de Cochabamba, teria admitido ser responsável pelos abusos em um diário pessoal, cujos trechos foram trazidos a público em uma reportagem recente. “Esse horror teria sido acobertado por quem liderava a Igreja Católica na época”, disse nas redes sociais o procurador-geral Wilfredo Chávez, que revelou consultas feitas ao Consulado espanhol no país. O caso repercute: além de um pedido de desculpas oficial e de promessas de investigações internas, a Companhia de Jesus da Bolívia confirmou na terça (2) a suspensão de quatro jesuítas que atuavam na congregação à época do crime. Via AP.
🇲🇽 Contra migrantes, EUA militarizam fronteira com México – Ao passo que a suspensão do chamado “Título 42” se aproxima, o governo do presidente Joe Biden decide agir. Na terça (2), a Casa Branca confirmou que enviará temporariamente pelo menos 1,5 mil militares à fronteira com o México, cujas divisas são consideradas o olho do furacão dessa crise humanitária. A decisão vem a público a poucos dias do encerramento da medida criada por Donald Trump (2017-2021). O Título 42, que facilitou a expulsão de migrantes usando a pandemia de covid-19 como desculpa, expira em 11/5. E isso tem gerado um intenso debate entre políticos estadunidenses: o fim da polêmica restrição antimigração poderia representar um novo pico nas travessias (que estão em alta desde 2022) entre os dois países norte-americanos. Via Reuters.
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REGIÃO 🌎
Com exceção do Brasil, que depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva subiu 18 posições no ranking de liberdade de imprensa e chegou ao 92º lugar, o cenário para se fazer jornalismo na América Latina tem sido “ameaçado pela instabilidade política”. Foi o que revelou o mais novo relatório da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgado na quarta-feira (3), justamente o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Entre a situação de vários países, o documento destacou a crise institucional peruana, que fez o país andino perder 33 posições desde o último levantamento; também citado, o Haiti, em uma crise humanitária há anos, desceu 29 posições; quem também caiu pelas tabelas é o Equador, o que se atribui “à crescente influência de organizações criminosas” que causam “uma deterioração significativa das condições de trabalho dos jornalistas”. Não menos importante é o cenário no México, país mais letal do continente para jornalistas, que desceu apenas uma posição, mas ainda ocupa um preocupante 128º lugar (de 180). No Relatório da RSF.
ARGENTINA 🇦🇷
Em busca de termos mais amigáveis no seu acordo de US$ 44 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem voltou a sentar à mesa de negociações nesta quinta (4), a Argentina agora espera o apoio de dois países diretamente implicados em sua complicada situação financeira: os EUA, detentores da maior fatia do bolo do FMI, e o Brasil, seu maior parceiro comercial. Autoridades em Buenos Aires diziam encarar com otimismo as chances de obter os apoios necessários para alterar os termos vigentes. Além dos problemas fiscais bem conhecidos, a Argentina já recorreu à complacência do FMI em abril em função do agravamento da crise causada por uma das piores secas vividas pelo país em quase um século, o que prejudicou as exportações de grãos. Via Reuters.
Não tem nada decidido, o torneio ainda está na fase de grupos, mas a sonora goleada de 5 a 1 que o Fluminense aplicou nos argentinos do River Plate na terça (2), em jogo válido pela Copa Libertadores, já entrou para a história: foi a maior derrota internacional sofrida pelos gigantes millonarios desde que a maior competição sul-americana veio ao mundo, em 1960. Foi uma noite muy latina, por sinal: destaque para o também argentino Germán Cano, que anotou três gols nos compatriotas, e do colombiano Jhon Arias, autor dos outros dois que fecharam a sacolada histórica a favor dos cariocas no Maracanã. Antes do recorde negativo da semana, o último revés do River com diferença de quatro gols sofridos em torneios da Conmebol havia ocorrido em 2002, num 4 a 0 aplicado pelo Grêmio no jogo de volta das oitavas da Copa daquele ano. Lambendo as feridas, o River já se prepara para o próximo desafio neste final de semana: o trepidante Superclássico Argentino contra o rival de sempre, o Boca Juniors, que contará com um dos maiores públicos da partida em décadas e uma operação policial especial – no domingo (7), será a primeira vez que os rivais se enfrentam no Monumental de Núñez, campo do River e maior estádio do país, após a reforma que ampliou sua capacidade em quase 20 mil lugares. No GE.
COLÔMBIA 🇨🇴
Um cessar-fogo que funcione “100%”. Esse foi o pedido feito na segunda-feira (1º) pelo negociador-chefe do Exército de Libertação Nacional (ELN), Pablo Beltrán. Em uma coletiva de imprensa realizada em Havana, cidade-sede da terceira rodada de negociações entre o governo colombiano e a guerrilha, o representante do grupo armado disse também que qualquer tratativa que leve à trégua “preliminar” não será sinônimo de um ponto final no conflito. “Por isso estamos interessados em que tudo funcione 100%: ou seja, sem erros”. Os dois lados do diálogo vivem um momento estremecido de relações desde que um atentado cometido pelo ELN deixou pelo menos nove militares mortos no final de março (relembre o caso). Para Beltrán, porém, o bombardeio se tratou de um ato de defesa ante uma “ofensiva militar”. No El País.
Durante uma sessão reservada na quarta-feira (3), a Justiça colombiana condenou a mais de 25 anos de prisão dois irmãos considerados responsáveis por “estruturar e financiar” a trama que levou ao assassinato do promotor paraguaio Marcelo Pecci, em maio 2022. Alvo do crime organizado transnacional por seu papel à frente de uma extensa força-tarefa contra esses grupos, Pecci foi morto a tiros em uma praia colombiana enquanto comemorava sua lua de mel. O processo que levou à condenação dos irmãos Pérez Hoyos é fruto de uma delação feita por Francisco Luis Correa Galeano, tido como o “articulador” do crime – ele admitiu sua participação e chegou a pedir perdão à família do promotor na última semana. Outros quatro envolvidos conheceram sentenças similares há alguns meses. No ABC Color.
COSTA RICA 🇨🇷
“Se você vê o pelo de um bicho-preguiça, você vê movimento, traças, diferentes tipos de insetos”, conta Max Chevarría, pesquisador da Universidade da Costa Rica. A descrição não é lá muito aprazível, mas tantos organismos em um lugar só também sugerem a existência de algo a mais: “sistemas que o controlam”, afirma o especialista em microbiologia ambiental. O que o grupo de Chevarría quer entender, agora, é como operam os microrganismos capazes de produzir antibióticos na pelagem do bicho-preguiça – e se, no futuro, isso pode ter utilidade para ajudar seres humanos a enfrentarem a crescente resistência de alguns patógenos aos antibióticos hoje existentes. A preguiça habita diferentes pontos da América Latina, mas na Costa Rica é uma criatura particularmente querida: o oso perezoso, como é chamado por lá, foi declarado um dos animais nacionais do país em 2021. Via AFP.
Una palabra:
Desplazados – Pessoas vítimas de deslocamentos forçados dentro do próprio país; desterrados. Geralmente, o termo é usado para se referir ao fenômeno do desplazamiento provocado pela violência, mas também serve para falar de migrações internas causadas por fenômenos naturais, como enchentes, deslizamentos, furacões, vulcões, terremotos e afins. No continente americano, há atualmente mais de 7 milhões de desplazados dentro de suas próprias fronteiras, segundo o último relatório da Agência da ONU para Refugiados (Acnur).
CUBA 🇨🇺
Já estava no radar uma celebração menor em função de uma crise de abastecimento, mas, no domingo (30), a Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) também confirmou o adiamento dos tradicionais festejos do Dia Internacional dos Trabalhadores, em 1/5. No anúncio, os sindicalistas disseram que as concentrações reduzidas – tanto as anunciadas para o famoso Malecón de Havana ou mesmo atividades culturais e recreativas marcadas para postos cívicos de outros 164 municípios – ficaram para esta sexta-feira (5) em função da “instabilidade climática”, que tem colocado cubanos em várias regiões sob risco de fortes chuvas. O recesso laboral também foi válido nesses dois dias. A diminuição das marchas de trabalhadores do início de maio é um problema para o governo, que já foi obrigado a suspender os atos públicos durante os dois anos da pandemia. Na teleSUR.
EL SALVADOR 🇸🇻
Acabar atrás das grades em El Salvador se tornou uma tarefa bastante simples desde que o presidente Nayib Bukele decretou, no ano passado, estado de exceção nacional para punir o crime organizado, deixando salvadorenhos em eterno alerta e o país diante de uma enormidade de violações aos direitos humanos. Em um dado momento, quase 2% da população adulta do país acabou presa, numa onda indiscriminada de detenções que trancafiou pessoas que, em muitos casos, nada tinham a ver com as tais gangues que o governo prometeu pulverizar. Uma dessas pessoas é Alexander Eduvay Guzmán Molina. Professor e empresário do ramo de táxi, Molina foi um dos primeiros capturados pelas forças de segurança após o início do decreto, acusado aleatoriamente de integrar “agrupamentos ilícitos” – apenas um dos vários pretextos usados pela polícia para sair prendendo a esmo. Em um relato sensível ao El Faro, o homem de 46 anos, que só foi liberado após quatro meses, chora ao lembrar da tortura física e psicológica a que foi submetido. Emocionado, ele não esquece de um de seus colegas também presos, o taxista Marco Tulio Castillo Reyes, cujo corpo sem vida foi entregue à família dois meses após a detenção, com sinais de violência: “ele não era um pandillero; era só um trabalhador”, conta Molina.
EQUADOR 🇪🇨
Virou rotina: mais uma vez no Equador e mais uma vez na turbulenta cidade de Guayaquil, que segue em estado de emergência há meses em função da onda de violência, homens armados promoveram uma nova chacina no último sábado (29), deixando pelo menos 10 pessoas mortas e outras três feridas, entre elas uma menor de idade, segundo informações da polícia. O crime é investigado como um possível “acerto de contas” entre gangues rivais, que duelam “pelo poder e pelo território”, nas palavras de autoridades locais. As circunstâncias realmente sugerem algo premeditado: os criminosos chegaram a um estabelecimento munidos de armamento pesado e dispararam sem dizer nada. Enquanto seguem as investigações, mais registros brutais: além das execuções em Guayaquil, pelo menos outros quatro massacres foram registrados apenas no último final de semana. Em El País.
Sem impeachment. Este se tornou o desfecho mais provável do imbróglio envolvendo o pedido de destituição do presidente Guillermo Lasso depois que, na sexta (5), um rascunho preliminar indicou que o Congresso não deveria recomendar o avanço do processo contra o mandatário. O relatório, que deve ser votado e ainda pode ser alterado pelos legisladores equatorianos nos próximos dias, descreve em cerca de 300 páginas as razões pelas quais Lasso não teria cometido os atos de corrupção apontados pela oposição. Nas últimas semanas, temendo que o juicio político fosse em frente, Lasso repetidamente ameaçou o Congresso com a invocação do dispositivo da “morte cruzada” – uma prerrogativa constitucional que lhe permite dissolver o Parlamento, mas ao custo do próprio cargo, convocando eleições gerais em um prazo de até 60 dias. Agora, salvo reviravolta nos debates deste sábado, a mais recente crise política do Equador deve terminar em pizza. Em El Comercio.
GUATEMALA 🇬🇹
Foi dada a largada em um caso que mantém o país estado de alerta: na terça (2), a Justiça guatemalteca iniciou oficialmente o julgamento do jornalista José Rubén Zamora, preso desde julho do ano passado sob acusações – bastante controversas – de lavagem de dinheiro. Profissional reconhecido internacionalmente, Zamora é diretor do El Periódico, veículo de linha crítica ao governo do presidente Alejandro Giammattei; o mandatário, que vem de uma investida autoritária sobre o Judiciário nos últimos meses, é ele próprio acusado por diversas entidades de ter um dedo na trama judicial que levou o jornalista à prisão (entenda o caso). “Sou um preso político e fui tratado como tal”, disse Zamora antes de entrar no tribunal, prevendo a própria sentença num caso que ele e sua defesa classificam de “teatro judicial” e “perseguição”. O caminho até o julgamento é, de fato, obscuro – e não afeta só o réu principal: no final do último mês, três dos advogados do jornalista também foram alvos de uma ordem de prisão, aumentando as suspeitas de que tudo poderia ser motivado politicamente. Um primo do jornalista também foi detido. Os detalhes do caso, enquanto não se conhece a sentença, na CNN.
HAITI 🇭🇹
Pelo menos outros cinco supostos integrantes de gangues foram mortos e tiveram os corpos queimados em uma nova investida promovida por civis na terça (2), aumentando um quadro preocupante de violência urbana que vê cada vez mais cidadãos comuns, desesperados e sem alternativas, fazendo justiça com as próprias mãos. Quase todos os corpos carbonizados foram largados pelas ruas, com exceção de um deixado em frente a um posto policial em Pétionville, num possível recado de moradores da região à segurança pública. A nova matança aumenta para 18 o número de pessoas linchadas e mortas, sem que se saiba ao certo se integram ou não as gangues que vêm tomando conta de bairros inteiros em função do vazio de poder. Segundo dados da ONU, os assassinatos cresceram 20% de janeiro a março em comparação com o último trimestre do ano passado. Via AP.
HONDURAS 🇭🇳
O decreto foi inspirado no que acontece em El Salvador e, agora, sua prorrogação também parece imitar o vizinho: originalmente válido por apenas 30 dias, o polêmico estado de exceção no país, em vigor desde o fim do ano passado, foi prorrogado pela quarta vez – agora, por mais 45 dias – na quinta-feira (4). Dessa forma, a duração do decreto deve superar seis meses no total, aumentando as controvérsias de uma medida que, entre outras atribuições, facilita prisões ao suspender garantias estabelecidas na Constituição. A conclusão que se tira até aqui é difusa: o diretor da Polícia Nacional, Gustavo Sánchez, que sempre rejeitou a comparação do plano hondurenho à infame “guerra às gangues” salvadorenha, declarou que a nova medida “permitiu que a população pudesse ter um pouco mais de tranquilidade” – em janeiro, ele tentou se distanciar de El Salvador: “Medimos o sucesso da operação por vidas salvas e não por prisões feitas”. Ao acelerar o número de prisões nos primeiros meses do ano, segundo dados oficiais, o país viu uma diminuição no número de homicídios entre dezembro e fevereiro, considerando o mesmo período em 2022. Mas a extensão indeterminada do decreto preocupa várias entidades, entre elas a ONU, que no último mês, por meio de sua pasta de direitos humanos, alertou que manutenção da medida pode comprometer “os esforços de desmilitarização” e afetar “a independência do Judiciário e do Ministério Público”, entre outros problemas. No La Provincia.
Un hilo:
MÉXICO 🇲🇽
O México recebeu na quarta-feira (3) um novo cãozinho para integrar sua famosa brigada canina de resgates em catástrofes, e há história por trás: o pastor alemão Arkadas (“amigo”, em turco) é um presente da Turquia para reconhecer o apoio concedido pela nação latino-americana durante os esforços para localizar vítimas do abalo que devastou algumas regiões do país eurasiático em fevereiro. Na ocasião, o México enviou 16 cães farejadores para auxiliar nos resgates, mas um acabou falecendo em serviço: Proteo, enterrado com honras militares na época. Já na Cidade do México, Arkadas será treinado pelo mesmo instrutor de Proteo. Na CNN.
NICARÁGUA 🇳🇮
As prisões de opositores não param: nesta quarta-feira (3), mais 40 pessoas associadas a atividades contrárias ao regime de Daniel Ortega foram detidas, segundo informações divulgadas pela base de dados virtual do sistema judicial do país. Familiares de cinco dos prisioneiros informaram que eles estariam sendo acusados de traição e conspiração, seguindo o caminho de outros opositores perseguidos desde o início da escalada autoritária do orteguismo, em 2018. A incerteza, agora, é se serão mantidos no país ou se terão o mesmo destino dos 316 presos políticos que, em fevereiro, foram expulsos da Nicarágua em duas levas e tiveram sua cidadania anulada em um canetaço do governo. Via Reuters.
PANAMÁ 🇵🇦
Falta exatamente um ano para as eleições presidenciais de 5 de maio de 2024, mas já tem gente em plena campanha – e é um rosto conhecido. O ex-presidente Martín Torrijos (2004-2009) se encontrou na quinta-feira (4) com representantes do setor turístico do país, poucos dias após anunciar que está se lançando em uma nova empreitada para comandar a nação do istmo, prometendo incentivar o que chamou de “indústria sem chaminés”. Desta vez, volta à cena com uma mudança histórica de fidelidade partidária: Torrijos foi presidente pelo Partido Revolucionário Democrático (PRD), fundado por seu pai, o ditador Omar Torrijos (1968-1981), mas agora concorrerá pelo Partido Popular – uma sigla que, embora tenha apoiado o próprio Martín em sua última empreitada presidencial, havia sido opositora do regime de Omar. Mais do que trocar de bandeira, Torrijos deve duelar diretamente com o PRD, com quem rompeu há três meses – o partido governa o país atualmente e se espera que lance o nome do hoje vice José Gabriel Carrizo, já que a reeleição consecutiva do titular Laurentino Cortizo não é permitida. Na Radio Panamá.
PORTO RICO 🇵🇷
Próxima à (já bastante pequena) ilha de Porto Rico está Vieques, um trecho insular, ainda menor, pertencente ao território porto-riquenho e conhecido por ser apenas um entre tantos pontos turísticos paradisíacos no Caribe. A curiosa localidade de cerca de 10 mil habitantes, porém, guarda um passado obscuro: oficialmente território ligado aos EUA – assim como a Porto Rico da qual faz parte – a ilhota ficou conhecida por ter sido convertida em uma imensa base naval estadunidense, sendo palco de exercícios militares por mais de seis décadas, até o início dos anos 2000. Com o passar do tempo, o local viu várias gerações sentirem os efeitos da presença militar na região: por um lado, o assédio sofrido por mulheres residentes da ilha, que se tornavam alvo de soldados que circulavam pelas redondezas; por outro, pelas doenças causadas pela contaminação dos resíduos das armas de guerra. “Descobrimos que há uma incidência de câncer 25% maior [em Vieques] do que na população do resto de Porto Rico”, conta Zaida Torres. Enfermeira, Torres não atua mais no hospital viequense há pelo menos cinco anos, por um razão igualmente revoltante: não há mais um hospital ali desde a passagem devastadora do furacão María, outro motivo de indignação por parte dos habitantes da pequena ilha. Mais detalhes, na reportagem do Guardian.
Dale un vistazo:
📽️ Os reis do mundo – Cinco jovens que moram nas ruas de Medellín, na Colômbia, recebem uma grande notícia: o mais velho deles obteve o direito a uma terra de sua família no interior do departamento de Cauca, numa das regiões mais violentas do país. O grupo empreende uma longa viagem para reivindicar o terreno e construir uma nova vida, mas antes é preciso enfrentar os perigos no caminho. Grupos armados, projetos de exploração e negligência estatal formam o caldo dessa dura trama. Confira o trailer. O filme está disponível na Netflix.
📽️ ‘Os reis do mundo’ (Colômbia, 2022). 110 minutos. Dir.: Laura Mora Ortega.
REPÚBLICA DOMINICANA 🇩🇴
Caso pitoresco: sem perder a oportunidade de um marketing político, o presidente Luis Abinader entregou pessoalmente pacotes de café dominicano a uma compatriota residente em Londres – para onde o mandatário viajou para comparecer à cerimônia de coroação do rei Charles III, neste final de semana. Abinader, que desembarcou na capital britânica na quinta-feira (4), recebeu o inusitado pedido de forma indireta, após um áudio da jovem Alexandra Morel – que mora na Inglaterra há dois anos e meio – viralizar no país natal. Na mensagem, originalmente uma brincadeira, ela questionava se o presidente “por casualidade” não poderia trazer “dois ou três pacotinhos de café, antes que acabem os meus”. “O senhor me avise quando chegar que eu vou e busco onde estiver”, ela disse – e foi exatamente o que ocorreu, em um hotel londrino. No Listin Diario.
URUGUAI 🇺🇾
Autoridades do país iniciaram na terça-feira (2) a entrega de 468 mil doses de vacina contra a gripe aviária, ainda no contexto de surto da doença em quase toda a região latino-americana (entenda a crise e os impactos econômicos e ambientais). Vindo dos EUA, o imunizante começou a ser entregue a profissionais autorizados e será utilizado em aves poedeiras e reprodutoras – por conta da infecção em massa, milhares desses animais tiveram de ser sacrificados, causando um impacto em pequenos e médios produtores em vários países. No caso uruguaio, que durante a nova onda detectou casos pela primeira vez em 15/2, um total de 900 mil doses serão distribuídas na primeira etapa do processo. A Divisão de Saúde Animal do Ministério de Pecuária, Agricultura e Pesca reforçou que, apesar do momento vivido pelo setor, “não há contraindicação” para o consumo de carnes e derivados. No Notícias Agrícolas.
VENEZUELA 🇻🇪
Sindicalistas, aposentados e trabalhadores de diversos setores protestaram na terça-feira (2) contra o que chamaram de “a morte dos salários”, forma crítica pela qual classificaram uma recente medida aprovada pelo governo que amplia os bônus sociais mensais, sem necessariamente elevar o valor dos salários. Em função de uma galopante inflação que vem de longe, a moeda venezuelana, o bolívar, vem em franca desvalorização frente ao dólar há mais de década, levando o atual salário mínimo do país a um valor equivalente a US$ 6. Denunciando o risco de levar os honorários ao “desaparecimento”, manifestantes pedem melhores condições de pagamento e prometem estender as passeatas até a próxima semana. Enquanto isso, o governo argumenta que está fazendo um “tremendo esforço” para proteger os ingressos em meio “à guerra econômica [causada pelas sanções dos EUA]”, segundo o presidente Nicolás Maduro. Via RFI.
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